O Brasil tem uma das agriculturas mais competitivas do mundo, com boas condições climáticas, solo fértil, terras relativamente baratas e grande produtividade, graças à tecnologia e às melhorias genéticas desenvolvidas nas últimas décadas. Mas isso não significa, necessariamente, que o consumidor se beneficie de alimentos mais baratos. Graças a uma elevada carga tributária, com taxas que incidem em cascata em toda a cadeia, o brasileiro paga de 11% a 36% de impostos sobre os alimentos da cesta básica. Faz sentido? Não.

Na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, alimentos básicos não têm tributação. No Brasil, apenas a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrada pelos Estados, é de 16,9% em média, o que representa 12,2% do preço ao consumidor (incluindo alimentos in natura, os processados e os consumidos fora de casa). Nos Estados Unidos, o imposto médio sobre o consumo de comida é de 0,7%, e 34 dos 50 Estados não cobram imposto sobre esse tipo de produto. Nos dez maiores países da Europa, as alíquotas variam de zero, como é o caso do Reino Unido, a 10%, na Áustria. “A médio e longo prazos, se os impostos caírem, o consumo das famílias pode aumentar”, diz o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, Mauro Lopes. Um estudo feito pela FGV, a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em 2008, mostrou que a redução para zero das alíquotas do ICMS diminuiria em até 7% o preço dos alimentos. Pelos cálculos da FGV, se o ICMS fosse zerado, o impacto dos impostos sobre o consumo total das famílias cairia de 2,2% para 0,9%, em média, e de 3,1% para 1,2% para as famílias com renda inferior a R$ 1 mil (em valores de outubro de 2008).

Aos poucos, e num ritmo bem mais lento do que os produtores reivindicam, o governo vem desonerando os alimentos de PIS/ Cofins (alíquota de 9,25% sobre o faturamento). Em 2004, foi zerado o tributo sobre arroz, feijão e leite. Em 2008, foi a vez da farinha de trigo e do pão, e, em maio deste ano, aves e suínos também foram isentos do imposto. O próximo da lista deve ser o café e, possivelmente, o macarrão, caso o governo ceda à pressão dos fabricantes de massas, que querem incluir o produto na cesta básica.

Acordo: “Não quero me comprometer com a alíquota”, diz Barbosa, do Ministério da Fazenda

No caso do arroz, embora o consumo venha caindo no País nos últimos anos, por causa da mudança de hábitos alimentares, com o aumento dos fast-food, o preço caiu no período seguinte à redução do imposto. Na capital paulista, o quilo do grão passou de R$ 1,75, em julho de 2004, para R$ 1,33, um ano depois, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os produtores de arroz reconhecem que a queda do PIS/Cofins ajudou a reduzir o preço, mas lembram que o tributo ainda incide de forma indireta, em fertilizantes e máquinas utilizadas no beneficiamento e na embalagem. “Se o arroz ainda pagasse esses impostos, com certeza o preço seria muito maior”, analisa o diretor comercial do Instituto Riograndense do Arroz (Irga), Rubens Silveira.

Apesar de os estudos mostrarem as vantagens da redução da carga tributária, os empresários da indústria de alimentos não esperam conseguir zerar o ICMS, já que os Estados têm liberdade para fixar suas alíquotas e é preciso um consenso entre todos eles para uma redução generalizada. O governo federal quer um acordo, mas sabe que há limites. “O objetivo é estender para o ICMS a redução de IPI e PIS/ Cofins que já vale para alguns alimentos. Alguns Estados já têm ICMS reduzido”, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, na apresentação da reforma tributária à Câmara dos Deputados, em maio. “Mas não quero me comprometer com alíquota agora.”

Apesar da pouca disposição oficial em assumir um compromisso com reduções efetivas, as associações de produtores rurais e do agronegócio mantêm a pressão, especialmente no governo federal. No ano passado, a Fiesp enviou uma proposta ao Ministério da Fazenda, pedindo para tirar o PIS/Cofins de todos os alimentos da cesta básica. Um cálculo da entidade mostra que famílias de classe média e baixa gastam 20% da renda com alimentos, enquanto nas famílias de renda alta a proporção é de 4%. “Num primeiro momento, haveria perda de arrecadação de R$ 3,6 bilhões para o governo federal”, diz o gerente do departamento de agronegócio da Fiesp, Antônio Carlos Costa. “Mas, em dois anos, o PIB, que em 2010 foi de R$ 3,675 trilhões, poderá ter um incremento de 1,7% e o consumo das famílias poderia crescer 5%.”

A cadeia do arroz ajuda a exemplificar a complexidade desse desafio tributário sobre os alimentos. Um estudo realizado pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), no Rio Grande do Sul, Estado que concentra dois terços da produção nacional do cereal, mostra que, apesar do fim do PIS/ Cofins, uma série de impostos, estaduais e federais como ICMS, Funrural, Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidem desde o plantio do cereal até a sua venda no varejo. No total, a carga é de 17,24%. “Nosso arroz é mais taxado do que nos outros países do Mercosul”, reclama o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado (Abiap), Marco Aurélio Amaral. Pelo menos um ponto na reforma tributária que está sendo negociada pelo Ministério da Fazenda, a unificação nacional das alíquotas do ICMS, vai beneficiar os produtores que vendem para outros Estados e nunca conseguem compensar os créditos que recebem na venda. “Vai mudar muito, porque a diferença entre os 12% que eu pago quando compro do produtor e o crédito de 7% que recebo quando vendo, acaba morrendo comigo”, diz o secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). “Nunca consigo compensar.”

A maior mordida é a do Brasil

Média das taxas estaduais de impostos sobre vendas de alimentos nos países (similares ao ICMS)

Brasil

Alíquotas

16,9

Áustria

10,0

Grécia

9,0

Alemanha

7,0

Espanha

7,0

Bélgica

6,0

França

5,5

Europa (Média)

5,1

Portugal

5,0

Itália

4,0

Estados Unidos

0,7

Reino Unido

0,0

Fontes: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e FGV

Quem paga mais

O peso dos tributos no Brasil

Manteiga

Carga total (%)

36,01

Açúcar

32,33

Óleo de cozinha

26,05

Café

19,98

Leite

18,65

Carne bovina

17,47

Arroz

17,24

Feijão

17,24

Pão francês

16,86

Tomate

16,84

Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário/abril 2011