A proposta é simples, mas a confusão é grande. Assim pode se definir o ambiente criado em torno do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 115/95, que entra na pauta do Congresso Nacional e pode mudar o atual modelo de uso e exploração do Cerrado brasileiro. A íntegra da proposta, de autoria do deputado Pedro Wilson (PT-TO), diz: “Modifica o parágrafo 4º, do artigo 225 da Constituição Federal, incluindo o Cerrado na relação dos biomas considerados patrimônio nacional.”

As poucas palavras, caso aprovadas, podem resultar no congelamento de aproximadamente 140 milhões de hectares e pôr “fim” na expansão agrícola do Centro-Oeste. Com isso, segundo fontes do setor rural, pode se colocar em risco a produção de alimentos do Brasil, pois o Cerrado viraria uma nova Amazônia, um santuário ecológico.

Isso porque a possível mudança constitucional abre caminho para a criação de uma secretaria especial para o Cerrado, subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. Com essa configuração, novas regras serão criadas por meio de portarias, grande temor do setor produtivo. “É o maior absurdo que eu vi na minha vida”, define o presidente da comissão de meio ambiente da Federação Agrícola do Estado de Goiás (Faeg), Oswaldo Guimarães. Para ele, existem outras maneiras de preservar o Cerrado sem impedir o desenvolvimento agrícola. “Há uma série de projetos, que criam corredores ecológicos a partir de microbacias, parados no governo”, relata. “Mas, como não há receita para colocálos em prática, simplesmente nada acontece”, lamenta.

Quem também está preocupado com a situação é o presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Humberto Santa Cruz. A região, localizada no oeste baiano e cravada no Cerrado, é um dos mais importantes celeiros da atualidade. Ele comenta que a entidade realizou uma série de estudos e encaminhou em 2003 um projeto ao governo daquele Estado. A idéia, segundo Santa Cruz, era a criação de corredores ecológicos que permitissem o desenvolvimento da fauna, sem a intervenção do homem. “Com isso, aumentaríamos as reservas legais em algumas áreas e diminuiríamos em outras, de acordo com a vocação da região, e o meio ambiente seria beneficiado”, explica. Mas, de acordo com o presidente da Aiba, até agora não houve retorno. De acordo com o dirigente, existe um sério problema de excesso de legislações. “Temos uma preocupação especial com o meio-ambiente, mas não é com a criação de novas leis que os problemas serão resolvidos”, destaca Santa Cruz.

Na opinião do presidente da comissão de meio ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Assueiro Veronez, os esforços acontecerão no sentido de barrar a proposta no Congresso. A entidade faz a conta de que 70 milhões de hectares, correspondentes a 33% da área total, sejam suficientes para manter preservado o bioma do Cerrado. “É mais que uma França”, destaca. Para Veronez, ainda há 33% da área apta para agricultura e outros 33% em condições não agricultáveis, que seriam naturalmente preservados. “Não há, portanto, motivos para essa proposta”, define.

Mas na opinião da deputada Jusmari Oliveira, que resgatou a proposta em 26 de setembro e solicitou regime de urgência, os riscos não são tão grandes. “Não queremos congelar o Cerrado e nessa discussão não há espaço para radicalismos de nenhuma das partes”, analisa. Para ela, não há por que o Cerrado receber menos importância do que a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica. Da mesma opinião compartilha o deputado Pedro Wilson, que pretende incluir a caatinga e os pampas gaúchos no projeto. “São biomas brasileiros e têm de receber atenção”, avalia.

O parlamentar diz que ainda há tempo para discussão, mas acredita que a proposta será aprovada. Para ele, não há motivo para medo. “É só uma correção histórica e necessária”, simplifica Wilson.

DEFENSOR DO CERRADO: Humberto Santa Cruz, da Aiba, que acredita na exploração racional do sistema sem comprometer a fauna e a flora