Aaparência, o toque, a maciez e o caimento dos tecidos de algodão dependem muito mais do produtor rural do que se imagina. Essas características nascem no campo, indo da semeadura até a hora da colheita. “A cadeia do algodão é uma das mais complexas e extensas na agricultura, na qual o produtor leva em média um ano para ter retorno do capital investido”, diz Sérgio Gonçalves Dutra, consultor do Instituto Mato-grossense do Algodão (Imamt), o braço tecnológico da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa). “Essa cadeia é extremamente especializada e tecnificada.” No campo, é preciso boas sementes, manejo adequado de pragas e colheita na hora certa e no ponto exato de umidade da fibra. Além disso, é importante evitar sua contaminação com resíduos, como sementes de plantas daninhas e poeira, e ter cuidado no beneficiamento, no momento em que as fibras são separadas do caroço da planta, antes de seguirem para a fiação. De acordo com Dutra, nos dias atuais, a melhoria da qualidade da fibra destinada à indústria têxtil é o que pode estimular o crescimento do mercado.


“Vamos padronizar a análise da fibra e dar segurança à indústria” Portocarrero, diretor executivo da Abrapa

Para dar conta da demanda da indústria por produtos diferenciados e de qualidade, os institutos de pesquisa estão trabalhando a todo vapor. A Ampa, a Embrapa e a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) organizaram uma agenda de ações que podem ajudar na tarefa de aprimorar a qualidade da matéria-prima. A Abrapa, por exemplo, está conduzindo um projeto de peso para acompanhar o trabalho dos laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura, que realizam análises do algodão. “O Brasil tinha uma fragilidade quanto à credibilidade dos certificados de classificação”, diz Márcio Portocarrero, diretor executivo da Abrapa. Segundo ele, a maior queixa se referia a amostras de um mesmo lote da fibra, mas com resultados diferentes. “Faltava uma articulação que fizesse todos os laboratórios trabalharem em sintonia”, afirma. Para mudar essa realidade, a Abrapa está investindo R$ 15,8 milhões na construção de um laboratório central em Brasília, que deverá entrar em operação em abril de 2016, com a missão de checar entre 70 mil a 100 mil amostras por safra, o que corresponderá a 1% do total analisado pelos laboratórios brasileiros. “Vamos padronizar as ações dos 19 laboratórios de análises da fibra do algodão que existem no País, dar transparência aos resultados e oferecer segurança à indústria”, diz Portocarrero. Nesta safra, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção de 1,5 milhão de toneladas em pluma, um recuo de 13% ante colheita de 1,7 milhão de toneladas na safra 2013/2014. No ano passado, o País exportou 748,6 mil toneladas da fibra, no valor de US$ 1,35 bilhão.

O Imamt, por sua vez, publicou em conjunto com a Ampa, em julho do ano passado, o Manual de Beneficiamento do Algodão, um alentado compêndio que contém informações sobre beneficiamento, custo de produção e transporte da matéria-prima, entre outros temas que ainda carecem de bibliografia especializada no Brasil. O manual foi distribuído aos produtores e algodoeiras do Centro-Oeste. A boa aceitação do material levou a entidade a apresentar, neste mês, uma segunda edição, com dados atualizados. Além disso, a Ampa está promovendo uma série de seminários e treinamentos para capacitar a mão de obra do setor. De acordo com Dutra, essas ações têm por objetivo acompanhar mais de perto o trabalho das algodoeiras de Mato Grosso, o maior produtor do País. Na safra 2013/2014, o Estado produziu um milhão de toneladas de algodão em pluma, cerca de 60% do total nacional. “Já monitoramos, através de visitas técnicas, 110 unidades de beneficiamento”, afirma Dutra.


Indústria:o beneficiamento do algodão é uma etapa importante da cadeia da fibra, que interfere na qualidade do produto e hoje precisa de melhorias técnicas

No caso da Embrapa, o trabalho tem se concentrado no desenvolvimento de variedades mais produtivas. Na safra 2014/2015, foram lançadas no mercado quatro novas cultivares transgênicas, todas tolerantes ao herbicida glifosato. A produtividade média dessas plantas é superior a 4,5 toneladas por hectare de algodão com caroço, em primeira safra, com percentual de pluma em torno de 40%.

Segundo Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), que representa as mais de quatro mil empresas do setor, o mercado prefere as fibras mais longas, resistentes, com brilho e de coloração adequada. “Trabalhar com uma fibra de qualidade inferior aumenta o tempo de parada das máquinas e compromete o desempenho das fábricas”, afirma Pimentel. “Além disso, como a indústria têxtil dispõe de um maquinário cada vez mais moderno e espera ganhos de produtividade, a matéria-prima precisa acompanhar essa evolução.”

A busca pela qualidade da fibra do algodão é uma questão de sobrevivência para a cotonicultura, porque a concorrência com as fibras sintéticas tem sido cada vez mais acirrada. De acordo com a Abit, das cerca de 1,5 milhão de toneladas de fibras destinadas ao vestuário, anualmente, 850 mil toneladas são fibras de algodão e outras 400 mil toneladas são de poliéster. “O algodão está sob pressão”, diz Pimentel. “A cultura precisa avançar, ou vai perder ainda mais espaço para os sintéticos.” Para Pimentel, o que vai definir o uso de mais algodão no futuro não é somente o preço final do produto, mas também o gosto do consumidor. “E isso depende exatamente de qualidade”, diz Pimentel.