O agricultor Renato Romeu Sorgatto é um dos maiores produtores de tomate do Brasil. Em sociedade com o irmão, Remi,  ele colheu 50 mil toneladas do fruto para processamento industrial, no ano passado. Para manejar uma cultura tão sensível como o tomate, muito vulnerável à seca, Sorgatto conta com a irrigação a seu favor. “Desde que comecei a investir nos pivôs, nunca mais a minha produtividade caiu”, diz. “A irrigação transforma a fazenda numa fábrica de fazer alimento.” Além do tomate, os irmãos cultivam soja e milho semente, em duas fazendas em Goiás, a Larga Grande, com 3,4 mil hectares, no município de  Cristalina, na divisa com o Distrito Federal, e Lavrinhas, de 700 hectares, em Luziânia. Nessas fazendas, a área total irrigada é de 2,3 mil hectares, com 24 pivôs centrais.

  Graças ao sistema implantado, Sorgatto consegue driblar as características da região de Cerrado, bioma conhecido por ter chuvas concentradas no verão e estiagem de maio a setembro, onde estão localizadas as fazendas. Para colocar os pivôs em funcionamento, ele conta, na Larga Grande, com quatro barragens capazes de armazenar cerca de 11 milhões de metros cúbicos de água. Também conhecidas como barramentos, as barragens são necessárias, pois para  manter o funcionamentos dos pivôs, é preciso garantir a água no sistema. Com a construção das barragens, há uma década, a incerteza deu lugar à produtividade na fazenda de Sorgatto, que hoje beira 100 toneladas de tomate por hectare, um pouco menos que o dobro da média nacional de 56 toneladas.  “A barragem garantiu a condição para que eu produzisse mais.” Além dessa cultura, no ano passado, os irmãos Sorgatto colheram 100 mil sacas de soja, com uma produtividade média de 68 sacas por hectare, e dedicaram 900 hectares da fazenda ao plantio de milho semente, a partir de um contrato de exclusividade com a americana DuPont, que absorve toda a produção. A receita das lavouras foi de R$ 21 milhões, em 2014.


Expansão:
para Antonio Carlos de Lima Ramalho, gerente industrial da Sorgatto Alimentos, a fábrica de polpa de tomate tem espaço para dobrar sua capacidade de 115 mil toneladas por ano

Com a irrigação e a prosperidade alcançada, o produtor foi além da porteira e apostou na verticalização, para agregar valor à sua matéria-prima. Ele inaugurou, em agosto do ano passado, uma fábrica processadora, batizada de Sorgatto Alimentos, ao custo de R$ 28 milhões. Assim, em vez de vender o tomate à indústria, Sorgatto revende a polpa concentrada. O ingrediente serve de base para a produção de molhos, ketchup e pratos congelados, de empresas como a americana Heinz, do grupo brasileiro 3G Capital, e a JBS, da família Batista. “A fábrica viabiliza uma maior rentabilidade para a fazenda, e a lavoura garante o fornecimento para a fábrica”, diz Sorgatto. No ano passado, a unidade industrial faturou R$ 7 milhões com a venda de sete mil toneladas de polpa, além de resíduos para a ração de gado em confinamento. Segundo o gerente industrial Antonio Carlos de Lima Ramalho, a unidade pode processar 115 mil toneladas de tomate por ano, mas foi projetada para crescer além disso. “O espaço foi pensado com a intenção de dobrar a capacidade da fábrica”, diz Ramalho. “Com pequenas adaptações seria possível, também, processar outros frutos, como goiaba e manga.” Neste ano, a previsão é de investir outros R$ 7 milhões na fábrica.

A trajetória de Sorgatto não é um caso isolado na região. Ele é um dos muitos agricultores que estão construindo uma história de sucesso em Cristalina e são responsáveis pelo destaque do município goiano, de 46,5 mil habitantes, no cenário nacional. Segundo o IBGE, com   R$ 2 bilhões, Cristalina registrou o segundo maior Valor Bruto da Produção em 2013, no mais recente levantamento entre os municípios brasileiros. Cristalina está atrás apenas da mato-grossense Sorriso. De acordo com o prefeito Luiz Carlos Attié, vários fatores contribuíram para  consolidar a cidade como um polo de irrigação. Entre eles figuram o relevo plano do Planalto Central, que favorece a instalação de pivôs e suas tecnologias, a dedicação dos produtores e os recursos naturais. “Água é o que não falta em Cristalina, pois 252 rios nascem no município”, diz Attié. “Por isso, a irrigação se tornou muito importante para o seu desenvolvimento.”


Fartura: na fazenda Quatro Estações, do agricultor José Américo Carniel, a barragem é fundamental para a garanir a produção da propriedade o ano inteiro

Tendo o tomate como carro-chefe, a agricultura local se sustenta com o cultivo de 38 espécies em 350 mil hectares,  52 mil deles irrigados por 680 pivôs centrais, equivalentes a cerca de 4% de todos os equipamentos em uso no País. De acordo com o mais recente levantamento da Agência Nacional de Águas, realizado em 2013, há 18 mil pivôs centrais em atividade no País, instalados em 1,2 milhão de hectares. Em Cristalina, com dias que podem ultrapassar os 30 graus de temperatura e noites mais frias, em torno dos 12 graus, o clima faz a festa dos agricultores que apostam em uma maior produtividade das lavouras. “Temos condições de explorar uma grande gama de culturas de verão e de inverno”, afirma Alécio Maróstica, presidente do Sindicato Rural de Cristalina. “Estamos produzindo até maçã, pêssego e uva.” Segundo ele, o município conta com cerca de 600 produtores, dos quais 142 praticam a irrigação. “As culturas do tomate, batata, alho, cebola e cenoura atingiram um patamar fantástico de produção”, diz Maróstica. “Agora, há muito espaço para o crescimento da soja, do milho irrigado e da integração lavoura-pecuária.”  Para ele, a área irrigada pode dobrar nos próximos anos, ultrapassando 100 mil hectares. 


Custo alto: de acordo com Hiran Medeiros, diretor da Irriger, o gasto de energia está 60% acima da média registrada no ano passado

INFLUÊNCIA  Outros municípios goianos, como Formosa, e mineiros como Paracatu e Unaí, seguem o exemplo de Cristalina e também se mostram como promissores polos de irrigação. Para muitos produtores, o sucesso se deve justamente às barragens que garantem água o ano inteiro às lavouras. “A barragem é fundamental para nós”, diz o produtor de soja e milho José Américo Carniel, dono da fazenda Quatro Estações, de 3,5 mil hectares em Unaí e presidente da Associação dos Irrigantes do Noroeste de Minas Gerais, entidade que reúne 180 agricultores. Carniel, que irriga 1,5 mil hectares com nove pivôs, conta com uma barragem capaz de armazenar cerca de nove milhões de metros cúbicos de água. No ano passado, ele colheu um total de 69,5 mil sacas de soja e 108 mil sacas de milho. O produtor diz que o cultivo irrigado produz 15 sacas e 35 sacas a mais, por hectare de soja e milho, respectivamente, se comparado às áreas de sequeiro da fazenda. “A irrigação é um investimento que vale a pena”, diz o produtor.    

     No entanto, esse caminho não é para amadores. O investimento para implantar um projeto de pivôs centrais pode variar de R$ 5 mil a R$ 12 mil por hectare, enquanto a construção de barragens custa de R$ 1 mil a R$ 3 mil por hectare. A energia elétrica, escassa na região de Cristalina, é outro complicador. A Celg, companhia responsável pelo fornecimento de energia em Goiás, já anunciou que vai aumentar a oferta até 2017, mas a preços mais salgados. De acordo com Hiran Medeiros, diretor da Irriger, consultoria controlada pelo Grupo Valmont, um dos maiores fabricantes mundiais de equipamentos de irrigação, o gasto médio de energia está em   R$ 0,25 KW/hora, 60% acima da média registrada no ano passado. Mas, embora o preço preocupe, de acordo com João Rebequi, presidente da Valmont, a irrigação é atualmente o caminho para uma maior produção sem ampliação de área. “É um investimento que propicia um retorno financeiro efetivo e imediato”, diz. Além disso, segundo ele, os pivôs têm uma longa vida útil, podendo atender uma fazenda por mais de duas décadas.