São Paulo, 20 – Na proposta para o Plano Safra 2021/22, que foi entregue na quarta-feira à tarde, 19, à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pede R$ 15 bilhões do Tesouro Nacional para equalização de taxas de juros de linhas de crédito rural, R$ 1,6 bilhão para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), além de uma série de alterações regulatórias para impulsionar e baratear a oferta de crédito privado ao setor, detalhadas em dez propostas prioritárias. Os montantes solicitados superam os R$ 11,5 bilhões previstos pelo Tesouro para a subvenção de taxas na temporada 2020/21, assim como o R$ 1,3 bilhão anunciado pela ministra para o seguro no lançamento do Plano Safra em 2020.

“A desvalorização cambial (do real ante o dólar) está pressionando (elevando) os custos da produção agropecuária, e reduzindo a margem dos produtores rurais de muitas atividades, que são, em grande maioria, tomadores de preços. O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na produção agropecuária, ou seja, o custo está diretamente atrelado à variação cambial”, explica a entidade no documento. “Os fertilizantes aumentaram mais de 25% em dólares, comparando-se janeiro de 2021 com janeiro de 2020”, continua.

Entre as bandeiras defendidas pela CNA está o ajuste da regulação prudencial vigente para a carteira de crédito rural. A regulação prudencial trata de requisitos seguidos por bancos para gerenciar riscos e do montante mínimo que devem reservar para assegurar a estabilidade do sistema financeiro como um todo. Este valor é determinado, entre outros fatores, por um indicador chamado Fator de Ponderação de Risco (FPR), que varia conforme os riscos de cada segmento. Como a regulação prudencial brasileira atual (baseada nas regras do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia) não possui critérios para a “carteira de crédito agro”, o risco desta carteira hoje está “superestimado”, diz a CNA no documento.

Atualmente, o FPR do setor é de 85%, muito mais alto do que o imobiliário (35%) e do varejo (75%). “Diversas instituições financeiras afirmam que o agro é equiparado ao risco do crédito tomado por meio do cartão de crédito”, diz a CNA no documento. Contudo, por já adotar vários programas de mitigação de risco, como seguro rural e apresentação de garantias reais para financiamentos, o FPR do agro deveria ser similar ao do setor imobiliário, defende a CNA. O risco superestimado leva bancos a fazerem um provisionamento excessivo de recursos atrelados ao setor, o que resulta em menor disponibilidade de crédito a juros livres.

“Dois bancos consultados pela CNA, com expressiva participação na concessão de crédito rural, afirmam que o risco da carteira de crédito rural pode ser equiparado ao do setor imobiliário. Se fosse aplicado o mesmo FPR, seria possível ampliar os financiamentos direcionados ao setor em R$ 60 bilhões”, afirma a CNA no documento. Para tanto, a entidade solicita a revisão das circulares 3.644/2013 e 3.809/2016 do Banco Central para reavaliação do FPR aplicável ao crédito rural, em geral relacionadas a pessoas físicas. Também pede ajustes nas Resoluções 2.682/1999 e 4.557/2017, que dispõem sobre estruturas de gerenciamento de riscos e de capital.

O segundo ponto defendido pela CNA na proposta apresentada à ministra nesta tarde, já demandado na safra passada, é a revisão dos custos administrativos e tributários (CAT) recebidos pelos bancos autorizados a operar crédito rural, os chamados “spreads” cobrados pela instituição financeira além do custo de captação do dinheiro (atrelado à Selic ou outras taxas). O CAT afeta o montante de recursos que o Tesouro Nacional precisa prever para equalizar taxas de juros e garantir taxas mais baixas aos produtores.

A CNA quer a definição de critérios técnicos para diferenciar o CAT conforme a finalidade do empréstimo – custeio, investimento, comercialização e industrialização -, os programas, itens financiáveis, projetos etc. A entidade chama atenção, por exemplo, para o fato de que os CAT cobrados por cooperativas de crédito são bem mais baixos que os do Banco do Brasil, assim como os vinculados a linhas de custeio do Pronaf (programa para a agricultura familiar) superam os cobrados no crédito de custeio do Pronamp (programa focado em médios produtores) e agricultores de maior porte. Nas operações de crédito para investimentos de grandes produtores, o “spread” na safra 2020/21 foi de 2,8%, enquanto nas linhas de investimento para agricultores familiares o spread chega a 5,5%.

No sentido de tornar mais barato o crédito concedido ao setor, a CNA propõe também uma série de medidas para desburocratizar e diminuir os custos intrínsecos das operações de crédito rural, como a redução dos gastos cartorários, diferentes de um Estado para outro. Tal proposta já havia sido levada ao Ministério da Agricultura no ano passado, para a safra 2020/21. “No caso dos produtores enquadrados no Pronaf, o custo efetivo das operações chega a mais de três o valor da taxa de juros anunciada no Plano Agrícola e Pecuário. Para os médios produtores, o custo efetivo das operações chega a 2,6 vezes a taxa anunciada e, para os demais produtores, a 2,3 vezes”, expõe a CNA no documento.

Além dos gastos cartorários, contribuiriam para tal redução, segundo a CNA, o aprimoramento da análise de riscos dos produtores rurais, de modo a beneficiar os que adotam ferramentas de gestão de riscos, bem como maior transparência sobre as exigências dos bancos nas concessões de crédito rural – por exemplo, a prática de venda casada de produtos, reportada há alguns anos e considerada abusiva.

Com relação ao crédito rural,, a CNA solicita que o governo mantenha em 27,5% o porcentual de depósitos à vista em bancos que deve ser destinado ao crédito rural, revogando o artigo 5º da Resolução 4.829/2020, que estabelece redução para 25% a partir de 1º de julho de 2021. Também demanda a manutenção em 59% do porcentual de exigibilidade sobre a poupança rural. Entre outros pontos, a entidade pede, ainda, que se eleve de 35% para 50% o porcentual de recursos captados por meio de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) direcionados às operações de crédito rural e a continuidade da isenção de Imposto de Renda (IR) sobre as emissões de LCAs.

No caso específico do crédito de custeio, a CNA quer que o limite de renda bruta anual para enquadramento de produtores rurais no Pronaf suba de R$ 415 mil para R$ 550 mil. Já para o enquadramento dos agricultores no Pronamp, a demanda é por elevação do limite de R$ 2 milhões para R$ 2,65 milhões. Além disso, pede que se aumente o limite de crédito de R$ 250 mil para R$ 350 mil para os produtores beneficiários do Pronaf, de R$ 1,5 milhão para R$ 1,8 milhão para os do Pronamp, e de R$ 3 milhões para R$ 3,6 milhões para os demais produtores. “O limite está sem atualização desde a safra 2016/17 e os custos de produção aumentaram mais de 100% nesse período, dependendo do insumo”, argumenta a entidade.

Com relação às linhas para investimento, o setor agropecuário ouvido pela CNA definiu como prioridades aquelas voltadas a pequenos e médios produtores (Pronaf e Pronamp), dos programas para construção de armazéns (PCA), irrigação (Moderinfra), bem como investimentos necessários à incorporação de inovações tecnológicas nas propriedades rurais (Inovagro) e o Programa ABC. Há demanda também por aumento do limite de crédito de algumas destas linhas, tanto por beneficiário como do porcentual financiável. A entidade propõe, além disso, que o governo incentive bancos de montadoras a utilizarem operações estruturadas lastreadas nos seus recebíveis com produtores rurais para captar recursos no mercado privado, a exemplo do que já fazem revendas de insumos e indústrias químicas por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).

A CNA pede, além disso, o repasse “efetivo” de recursos dos fundos constitucionais a outras instituições financeiras, especialmente cooperativas de crédito, ao invés de concentração nos bancos administradores dos fundos.

No capítulo dedicado ao seguro rural, a CNA pede, entre outros pontos, reajuste de 25% no valor do limite de subvenção por produtor por ano no PSR, aumento da subvenção para soja de 20% para 25%, do milho primeira safra de 20% e 25% para 35%. Sobre o pedido de R$ 1,6 bilhão para o programa, a entidade argumenta que o montante permitirá segurar R$ 68 bilhões e 20,2 milhões de hectares. Para o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), a CNA demanda aumento do limite de cobertura de R$ 300 mil para R$ 500 mil por produtor em cada safra.

A entidade destaca a necessidade de haver previsibilidade na execução do orçamento destinado ao PSR, tendo em vista as reduções nos montantes nos últimos anos, em virtude de cortes no orçamento. Solicita, além disso, a implementação de um sistema para conceder a subvenção diretamente a produtores rurais. Cobra, ainda, que o volume de recursos anunciados no próximo Plano Safra para crédito rural seja “condizente com a real disponibilidade de recursos das instituições financeiras e com a capacidade de equalização de taxa de juros pelo Tesouro Nacional”.

No início do mês, após o corte na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada no Congresso, bancos tiveram de congelar R$ 9,5 bilhões do Plano Safra 2020/21 que incluem linhas de custeio e investimentos, conforme apurou o Broadcast Agro.

Os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) também são abordados na proposta da entidade, que solicita a derrubada dos vetos presidenciais à lei que criou os Fiagro (Lei 14.130/2021). Segundo a CNA, os vetos conferem “tratamento tributário diferente em relação aos Fundos de Investimento Imobiliário (FII), que contam com regime especial de tributação”.

O documento com propostas do Sistema CNA para o Plano Agrícola e Pecuário 2021/22 representa as demandas de federações de agricultura do País e outros agentes do setor ouvidos, e será entregue à ministra Tereza Cristina nesta tarde pelo presidente da CNA, João Martins, pelo presidente da Comissão Nacional de Política Agrícola da CNA, José Mário Schreiner, o diretor-geral do Senar, Daniel Carrara, o diretor técnico da entidade, Bruno Lucchi, e pela assessora de Política Agrícola, Fernanda Schwantes.