A 58ª Assembleia-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), encerrada nesta sexta-feira, 16, foi marcada por cobranças ao presidente Jair Bolsonaro, principalmente em relação à pandemia. Na mensagem ao povo brasileiro, o episcopado criticou o negacionismo e o desprezo às medidas sanitárias que caracterizaram as ações do governo federal durante a crise sanitária. Os bispos disseram que o momento exige “competência e lucidez” dos governantes e cobraram “auxílio emergencial digno pelo tempo que for necessário”. Também defenderam o respeito às restrições impostas pela pandemia.

Segundo a CNBB, o País vive uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia, que traz consequências mais desafiadoras na vida dos pobres e fragilizados. Nesta sexta-feira, o Brasil chegou a 369.024 mortos pela covid-19 e a 13,8 milhões de pessoas infectadas. Os bispos destacaram o papel da Igreja de, por exigência do Evangelho, assumir posicionamento em questões sociais, econômicas e políticas e disseram não poder se calar “quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a Justiça corrompida e a violência instaurada”.

Para a entidade, “são inaceitáveis discursos e atitudes que negam a realidade da pandemia, desprezam as medidas sanitárias e ameaçam o estado democrático de direito”, numa referência também aos ataques do bolsonarismo a outros poderes. “É necessária atenção à ciência, incentivar o uso de máscara, o distanciamento social e garantir a vacinação para todos o mais breve possível”, defendeu a CNBB.

Judicialização

Os bispos dedicaram várias horas à discussão da posição da Igreja frente às medidas restritivas às missas e atividades religiosas presenciais devido à pandemia. Conforme o presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, prevaleceu o respeito às normas. “O anúncio do evangelho é essencial, mas tem compromisso com a vida em todas as etapas”, disse. Ele criticou o uso político da religião e sua manipulação para atender interesses particulares, de seitas ou de grupos fechados. “Não podemos deixar crescer as polarizações ou a judicialização das questões religiosas.”

Na semana passada, o STF julgou contra um pedido do PSD, partido aliado de Bolsonaro, para suspender decreto do governo paulista que impedia missas e cultos presenciais devido ao aumento nos casos de covid-19. Nesse tema, não houve consenso total entre os clérigos, mas ampla maioria defendeu as restrições.

A preservação da Amazônia voltou ao debate no conclave do clero, no momento em que o presidente Bolsonaro afirma estar disposto a cumprir as metas ambientais do país no Acordo de Paris, desde que o Brasil seja remunerado pelos serviços ambientais. “Esperamos que os representantes do povo cumpram aquilo que de fato dizem. Não basta dizer, é preciso comprovar (o cumprimento)”, disse dom Walmor.

É a primeira vez que uma assembleia geral da CNBB, que reúne cerca de 480 participantes, acontece de forma virtual. No ano passado, o conclave não foi realizado devido à pandemia. Conforme o vice-presidente dom Jaime Splenger, o sistema online permite tratar questões que não exigem de forma radical a presencialidade. “Estamos aprendendo também a usar as novas tecnologias, sempre no sentido de respeito à vida e às pessoas.” Foram cinco dias de debates para nortear os rumos do clero católico.

Mensagem papal

Na quinta-feira, 15, o papa Francisco enviou mensagem de vídeo ao episcopado brasileiro reunido na assembleia, pedindo que a Igreja brasileira se mantenha unida para servir de inspiração aos governantes. Depois de manifestar solidariedade às centenas de milhares de famílias que perderam entes queridos na pandemia, Francisco disse que os governantes devem trabalhar juntos “para superar, não só o coronavírus, mas também outro vírus que há muito tempo infecta a humanidade, o vírus da indiferença que nasce do egoísmo e gera injustiça social”.

Em julho do ano passado, mais de 150 bispos e arcebispos da Igreja Católica assinaram uma carta com críticas pesadas ao presidente Jair Bolsonaro. No texto, os religiosos afirmaram que o governo demonstrava “omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres”, além de “incapacidade para enfrentar crises”. O documento apontava demonstrações de raiva do governo pela educação pública, apelo a ideias obscurantistas e erros grosseiros na escolha de ministros. Na época, a CNBB informou que o documento representava a opinião dos signatários.

A reportagem pediu um posicionamento do governo Bolsonaro sobre as críticas da CNBB, mas o Palácio do Planalto não se manifestou até a publicação deste texto.