Um robusto eucalipto do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, foi atingido por um raio e tombou, em 2010. A árvore, que tinha 23 metros e pesava mais de 15 toneladas, tornou-se um problema, aparentemente sem serventia e abandonada no espaço público. Mas, em vez de ir parar no lixo, sua madeira foi reaproveitada: nas mãos do designer gaúcho Hugo França, foi esculpida e virou arte, transformada numa espécie de playground, um túnel envolto por uma trama de cordas que diverte crianças e adultos. A obra, batizada de “Lúdica Teia”, é a preferida do artista. “A árvore ganhou uma nova vida”, diz França. “Gosto muito dela, porque é uma das peças que mais interagem com o público.”

A criançada se diverte, mas possivelmente não faz ideia do que a “Lúdica Teia” representa. Juntamente com outras 15 peças espalhadas pelo principal parque da capital paulista, ela é assinada por um dos maiores expoentes do design contemporâneo nacional e por carregar um forte conceito sustentável. No Brasil e no Exterior, França é conhecido por transformar árvores mortas em luxuosas e rústicas peças de mobiliário, nas quais nada é descartado.

O artista observa cuidadosamente troncos ocos, toras maciças, galhos e até mesmo raízes desenterradas – sem qualquer valor comercial – e os transforma em peças exclusivas que chegam a custar R$ 100 mil. No País, há obras suas expostas em acervos permanentes de museus, como o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, o Centro Cultural Correios e o Museu do Açude, no Rio de Janeiro, e o Inhotim Instituto Cultural, em Minas Gerais. Nos Estados Unidos, ele é representado pela R 20th Century Gallery de Nova York.

Em 15 anos de trabalho, França já produziu mais de duas mil peças, principalmente bancos e mesas, e participou de 36 exposições no Brasil e no Exterior. Ainda neste ano, vai trabalhar na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, para transformar jaqueiras em bancos. Em Nova York, ele está negociando um projeto com a prefeitura da cidade para reaproveitar as árvores descartadas em locais famosos, como o Central Park. “Como artista, atingi um patamar que me satisfaz”, diz. “Meu trabalho é reconhecido como estética e conceito.”

Com a carreira consolidada, França pretende, agora, transpor a barreira da arte e alcançar o âmbito educacional, com a bandeira do ecodesign. Sua intenção, na verdade, é educar, para combater o desperdício de madeira. “Quero mudar a mentalidade de que árvore caída é lixo”, diz. Ele calcula que, somente na cidade de São Paulo, mais de três mil árvores tombam a cada ano, seja por força de ventos e raios, seja por velhice mesmo. “Toda essa matéria-prima pode ser reaproveitada e voltar para o mesmo local, em forma de mobiliário público”, afirma França. Para difundir aos quatro cantos esse conceito, o artista diz que vai se dedicar à busca de parcerias com o governo e empresas privadas. Ele sonha alto e cogita criar uma escola de marcenaria especializada no reaproveitamento de resíduos florestais. Além disso, pela primeira vez, França está disposto a trabalhar sob encomenda, em qualquer lugar, onde a madeira estiver. Isso significa que árvores mortas em qualquer propriedade rural poderão ser usadas pelo artista. “A ideia é termos, em no máximo cinco anos, um ateliê móvel”, diz.

França pretende multiplicar experiências como a protagonizada pelo pernambucano Ricardo Pessoa de Queiroz, que cultiva cana-de-açúcar na fazenda Baixinha do Jacuípe, uma propriedade de 160 hectares, em Água Preta, a 130 quilômetros do Recife. Em janeiro deste ano, o fazendeiro convidou-o para conhecer sua propriedade. Na fazenda, o artista transformou quatro árvores mortas – jaqueiras e eucaliptos –, em uma chaise-longue, três bancos, uma escultura, gamelas e outras peças. “O trabalho rendeu muito mais do que eu esperava”, diz Queiroz. “Ele deu uma função nobre às árvores que não tinham valor algum.” A maioria das obras permanecerá na fazenda, outras vão decorar o apartamento de seu dono, na capital do Estado. “Adorei o resultado, valeu a pena”, diz Queiroz, sem revelar quanto pagou pelo trabalho de França. “Virei um admirador dele.”

Nos próximos anos, França também espera uma mudança sensível na rotina de seu trabalho. Até aqui, a maior parte de suas peças foi confeccionada com o pequi vinagreiro, também chamado de pequiá, uma árvore de madeira superresistente, de boa oleosidade natural, que não apodrece facilmente e sobrevive a queimadas. A madeira é encontrada em Trancoso, no litoral sul da Bahia, onde ele morou por mais de uma década e hoje mantém um ateliê. No entanto, lembra, a disponibilidade de pequi  não será eterna. “Eu já trabalho com outras espécies, como oiticica e baraúna”, diz. “Espero diversificar ainda mais a matéria-prima e expandir meu trabalho a outras regiões.”

Atualmente, nove artesãos trabalham com França. Um deles atende pelo nome de Jailton Procópio, baiano de Trancoso, que ajuda o designer no ateliê, em Louveira, interior de São Paulo. “Adoro o que eu faço”, diz Procópio. “É um trabalho minucioso, que exige muita atenção.” Sem o uso de pregos ou emendas, os móveis de madeira maciça são lixados e envernizados e depois são expostos e comercializados num showroom no bairro Vila Olímpia, em São Paulo.