Após o governo federal ter reduzido ainda mais a verba destinada à realização do Censo Demográfico deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o sindicato de servidores do órgão alerta que os preparativos estão ameaçados, o que pode inviabilizar a coleta em campo em 2022, ou seja, o levantamento ficaria apenas para 2023.

Dos R$ 2 bilhões previstos, apenas R$ 71 milhões foram aprovados pelo Congresso Nacional no mês passado. No entanto, o orçamento sancionado e publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira traz um veto do presidente Jair Bolsonaro que reduz esse valor para apenas R$ 53 milhões, o que inviabiliza até os preparativos para o levantamento ir a campo em 2022, afirma o sindicato nacional dos servidores do IBGE, o Assibge.

O texto aprovado no congresso previa R$ 53 milhões de custeio e outros R$ 17,750 milhões de investimento, que acabaram vetados pelo presidente, ressalta o sindicato.

“A gente avalia que precisaria de pelo menos R$ 239 milhões para manter o censo vivo e que ele pudesse ser executado ao menos em 2022. Desses R$ 53 milhões aprovados, calculamos que R$ 20 milhões já foram gastos, então realmente o que nos preocupa não é o censo não realizado em 2021, mas que ele não ocorra em 2022. Se os recursos necessários para os preparativos só vierem na LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2022, significa que ele só será realizado em 2023”, alertou Dalea Antunes, coordenadora do Núcleo Chile do Assibge.

A verba é necessária para a manutenção dos contratos de trabalhadores temporários que já preparam o levantamento censitário e de serviços e licitações em curso, aponta o sindicato.

“Queremos que a direção do IBGE consiga mais cerca de R$ 200 milhões como orçamento preparatório para que haja censo em 2022. Do jeito que está o orçamento, o governo não só adiou o censo, ele inviabilizou que haja censo nessa gestão”, disse Dalea.

O corte no orçamento do censo gerou uma crise na direção do IBGE. No último 26 de março, dia seguinte à aprovação pelo congresso da redução no orçamento do levantamento censitário, a presidente Susana Cordeiro Guerra informou ter pedido exoneração do cargo. Ela permaneceu à frente do órgão por mais duas semanas, até 9 de abril, quando foi substituída interinamente pela então diretora executiva do órgão, Marise Ferreira, servidora de carreira do IBGE há 37 anos.

O Ministério da Economia, a quem o IBGE é subordinado, não emitiu qualquer nota até esta sexta-feira comentando nem o corte no orçamento do Censo Demográfico nem a mudança na direção do órgão. Há pouco mais de uma semana, no dia 14, o instituto anunciou que o atual diretor de Pesquisas, Eduardo Rios Neto, foi indicado pelo Ministério da Economia para assumir a presidência, mas sua nomeação ainda não foi publicada no Diário Oficial.

O IBGE informou que se manifestaria sobre o novo cronograma do Censo Demográfico, sobre o concurso em aberto para seleção de recenseadores e sobre a nomeação do novo presidente apenas depois que os atos fossem publicados no Diário Oficial da União.

Procurado novamente pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o IBGE não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.

Realizado a cada dez anos, o Censo Demográfico deveria ter ido a campo em 2020, mas foi adiado para 2021 em função da pandemia do novo coronavírus. O IBGE terá que cancelar pelo segundo ano consecutivo o concurso público aberto para preencher as mais de 200 mil vagas temporárias de recenseados e agentes censitários que trabalhariam no levantamento. As provas presenciais que seriam realizadas este mês já estavam canceladas, sem nova previsão de data.

O IBGE recebeu até o mês passado as inscrições de um processo seletivo para preencher 204.307 vagas temporárias de recenseadores e agentes censitários para trabalhar na organização e na coleta do levantamento censitário. Um concurso anterior tinha sido aberto pelo órgão em 2020, mas acabou cancelado, e o dinheiro das inscrições foi devolvido.

Os contratados no novo processo seletivo visitariam todos os cerca de 71 milhões de lares brasileiros entre agosto e outubro deste ano, nos 5.570 municípios do País. O órgão esperava que mais de duas milhões de pessoas se inscrevessem no processo seletivo, que tinha as provas objetivas presenciais marcadas para o dia 18 de abril para as vagas de agentes censitários e 25 de abril para os recenseadores.

Quando ainda era preparado, o censo foi orçado pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões, mas Susana Cordeiro Guerra anunciou em 2019 que faria o levantamento com R$ 2,3 bilhões. Em meio às restrições orçamentárias, a direção do órgão decidiu que o questionário do censo seria reduzido, o que ajudaria na economia de recursos. Com o adiamento de 2020 para 2021, o governo federal enxugou ainda mais o valor destinado ao levantamento no orçamento deste ano enviado ao congresso, para R$ 2 bilhões. Quando o novo corte na Lei Orçamentária Anual (LOA) foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento (CMO), o IBGE divulgou nota em que alertava sobre a impossibilidade de realizar o censo com tais recursos, e ganhou apoio de um grupo de ex-presidentes do órgão.

“A expectativa é que, em agosto, o Brasil já tenha saído ou esteja saindo da epidemia da covid, e o IBGE vem se preparando para realizar o trabalho fazendo uso de protocolos estritos de proteção sanitária de entrevistadores e entrevistados”, dizia um manifesto assinado por Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti.

“Como ex-presidentes do IBGE, instamos aos senhores Senadores e Deputados, membros da Comissão Mista do Orçamento, que preservem os recursos do censo e não deixem o país às cegas”, apelava o texto.

Dezenas de entidades de pesquisa divulgaram carta aberta em defesa do censo, mas demandando também o adiamento do levantamento para o ano de 2022, em função do recrudescimento da pandemia de covid-19 no País. Entre os signatários estavam a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege). Os pesquisadores demonstravam preocupação com a sucessão na presidência do órgão e recomendavam o adiamento da coleta do censo para o ano que vem, “de maneira a garantir a segurança não apenas dos recenseadores e todos os demais nele envolvidos diretamente, mas também da população brasileira”.

A Comissão Consultiva do Censo Demográfico demandou em carta aberta a recomposição do orçamento do levantamento censitário, sob pena de prejuízos à condução de políticas públicas, como a distribuição de recursos financeiros entre estados e municípios e até de vacinas, que deveriam levar em consideração a quantidade de moradores e faixa etária de habitantes de cada localidade.

“As decisões estão fundamentadas em dados que já estão ultrapassados. Nós somos favoráveis à realização do censo”, defendeu à época o geógrafo Claudio Egler, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e integrante da Comissão Consultiva do Censo Demográfico. “Tem que ter garantia de que se consiga fazer o censo. A necessidade é premente, mas não tenho condições de afirmar que tenha condições de ser feito este ano. A discussão de data não está muito clara para mim”, ponderou o integrante da comissão, lembrando que as condições da pandemia de covid-19 precisam ser avaliadas.