A pecuária já foi acusada de ser a maior emissora de gases do efeito estufa. Mas agora duas novas pesquisas colocam a atividade no patamar de arma de combate ao aquecimento global. A primeira é da Organização das Nações Unidas para Agricultura (FAO) e afirma que boas pastagens armazenam 30% mais carbono no solo do que áreas de florestas e arbustos. O segundo estudo é da Embrapa Gado de Corte e defende que, se há cinco árvores em crescimento em uma pastagem, elas captam todo metano liberado pelo rúmem do animal. “No Brasil, 80% das pastagens têm quatro ou cinco árvores por hectare, então nossa pecuária teria que ser premiada, ganhar royalties por sequestrar carbono”, defende Armindo Kishel, pesquisador da entidade.

Isso prova o quanto a verdade, nos dias atuais, não é absoluta. O que hoje é proclamado alto e bom tom como a mais flagrante realidade, amanhã pode ser decretado como falácia. Foi o que aconteceu com a pecuária. Por causa da emissão de metano, oriundo dos gases emitidos pelos bois, a atividade foi colocada na berlinda e responsabilizada como a maior emissora de gases do efeito estufa. Tanto é que os adeptos do vegetarianismo, como Paul McCartney, aliados a ecoxiitas aproveitaram a oportunidade para bradar: “Salve o planetaplaneta, não coma carne.” Eles se basearam num relatório da FAO de 2006 que atribuía 18% das emissões de gases do efeito estufa à pecuária, uma porcentagem maior que qualquer outro setor da economia. De lá para cá, a atividade continuou sofrendo ataques.

O último deles veio à época da COP-15, em Copenhague, na Dinamarca. Enquanto o mundo discutia medidas para restringir o aumento da temperatura em 2ºC, no Brasil um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) deixou a pecuária nacional numa situação delicada. O documento culpava a atividade pelo desmatamento do Cerrado e atribuía ao boi a responsabilidade por 50% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. Em outras palavras, um nocaute no momento em que o setor tentava se recuper das restrições da União Europeia. “É um absurdo. Por que não colocam na conta quanto a pastagem capta?”, questiona Frederico Tanure, pecuarista em Alto Garça, em Mato Grosso.

Mas a própria FAO reviu seu estudo e absolveu a pecuária a pasto. E, no Brasil, outros estudam apontam para o potencial “salvador” da atividade. De acordo com Kishel, “um hectare de pastagem cultivada produz dez toneladas de matéria seca na parte aérea e outras quatro toneladas na parte radicular. Num bom manejo, o boi come cinco toneladas, ou seja, sobram nove toneladas de matéria seca que correspondem a quatro toneladas de carbono. Meia tonelada é sequestrada pelo solo e as outras 3,5 toneladas voltam para a atmosfera”. Além disso, por ano, as emissões de metano por boi seriam entre 300 e 500 quilos, ou seja, uma vaca emite menos do que ela consome. Para Cesário Ramalho, pecuarista e presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), “os ataques, na verdade, são estratégias para instaurar novas barreiras alfandegárias, porque o mundo tem medo da competitividade brasileira”. Tanto é que a SRB está elaborando, em parceria com pesquisadores brasileiros e gringos, um dossiê para provar ao mundo que a pecuária brasileira é inocente e não pode ser responsabilizada nem pelo desmatamento nem colocada como vilã do aquecimento global.

O boi a pasto representa 93% da Pecuária nacional. Nos EUA, o percentual é de apenas 25%

Para Kishel, o erro do documento veiculado na época da Cop- 15 é considerar a queima de pastagem todo ano, além de pegar dados de pastos degradados e não considerar o sequestro de carbono quando o capim cresce. “A pecuária está concentrada no Centro-Oeste, Sudeste e Sul e 99% dos pecuaristas não utilizam as queimadas. Elas só são feitas em novas áreas, regiões de fronteira agrícola, mas há muito pouco de pecuária nessas localidades”, diz Kishel.

Trocando em miúdos, com os novos estudos, a pecuária brasileira sai da berlinda e ganha o status de arma no combate ao aquecimento global. Isso porque apenas 7% do rebanho nacional é confinado, todo o restante é criado a pasto. Uma grande vantagem em relação aos EUA, que têm um percentual de confinamento de 75%. Agora, o desafio é transformar 100% do pasto em pastagens bem cuidadas. Essa premissa, aliada a um bom manejo dos animais (1,4 boi por hectare), ao contrário do que muitos dizem, ajudaria a manter a fertilidade do solo (por causa do estrume) e ainda neutralizar carbono. Neste contexto, o boi de capim produzido no Brasil pode ser a salvação do planeta. E, para o bem da humanidade, talvez alguns vegetarianos tenham que passar a comer o seu bifinho semanal.

Confinamento X Pastagens

Grãos como base da alimentação

O boi cresce mais rápido e emite menos metano, mas no final do processo a produção de carbono é maior

Pastagem como base da alimentação

Animais em pastos bem cultivados ajudam a fixar carbono no solo e aumentar a fertilidade da área