O homem mais importante do agronegócio nacional não tem um único hectare de terra. Não planta, não cria gado e leva uma vida eminentemente urbana. Mas hoje, no Brasil, não há quem tenha poder de fogo igual ao seu. Senão, vejamos:

a cada segundo, a empresa que ele comanda abate 22 frangos. São 1,3 mil unidades por minuto, 85,6 mil por hora ou 703 milhões de aves num ano.

todos os dias, ele capta quase 3 milhões de litros de leite. Por ano, são 910 milhões de litros, numa operação que envolve mais de 35 mil pecuaristas leiteiros em todo o País.

na suinocultura, o abate de animais chega a 2,3 mil cabeças/dia e estão integrados à empresa mais 15 mil produtores rurais. Na pecuária, o abate é de 3 mil bois/dia.

para dar conta da alimentação de um rebanho tão grande, ele compra 5 milhões de toneladas de grãos – o que representa 21,2% da safra de Mato Grosso ou 3% da produção brasileira.

“O OBJETIVO DA PERDIGÃO É SER UMA EMPRESA DE CLASSE MUNDIAL E NUNCA ESTIVEMOS À VENDA “

NILDEMAR SECCHES

O personagem em questão é um homem de fala mansa, absolutamente discreto e que não gosta de exaltar seu poder. Estamos falando de Nildemar Secches, que desde 1994 comanda a Perdigão. Seu momento de glória aconteceu no mês de outubro deste ano, quando sua empresa comprou a Eleva, conhecida pelos frangos da Avipal e o leite da marca Elegê, tornando-se assim o maior grupo de alimentos do Brasil, com uma receita global de R$ 8,2 bilhões. Se isso não bastasse, Nildemar sonha mais alto. Ele quer o mundo. Aos diretores da empresa, ele disse que a Perdigão terá de se transformar na “Vale do Rio Doce dos alimentos”, o que passa necessariamente pela expansão internacional.

Assim como a Vale, a Perdigão é também controlada por um conjunto de fundos de pensão, liderados pela Previ, do Banco do Brasil. O mais interessante, na estrutura acionária, é o fato de não haver um controle absoluto, mas sim uma pulverização das ações. Com esse modelo, a Perdigão tem facilidade para acessar o mercado de capitais e financiar seus projetos de expansão, como ocorreu no caso da Eleva. Ao fazer a aquisição, Nildemar mostrou que, embora discreto, é um galo de briga. O negócio fez sua empresa ultrapassar a Sadia, que dizia querer comprar a Perdigão. “Nunca estivemos à venda e sempre fomos compradores”, diz Nildemar. Os próximos passos, ao que tudo indica, ocorrerão fora do Brasil. A expansão global prevista tem como foco a Ásia e o mais provável é que a China receba uma unidade industrial da Perdigão. Quando isso acontecerá? Tudo dependerá das oportunidades, mas há quem aposte em 2008.

Enquanto esse momento não chega, a Perdigão vem tocando, sob a batuta de Nildemar, um ousado programa de investimentos, cujo valor se aproxima de R$ 1 bilhão. Depois de criar grandes pólos agroindustriais em Goiás, especialmente nas cidades de Rio Verde e Morrinhos, a Perdigão escolheu o Nordeste para a próxima fase de sua expansão. A localidade escolhida foi a cidade de Bom Conselho, em Pernambuco, onde será implantado o mesmo modelo de integração dos produtores. “Nosso modelo é de interiorização do desenvolvimento”, diz Nildemar.

Ao criar pólos integrados de produção agrícola e industrial, onde a Perdigão compra aves de milhares de granjeiros localizados perto de suas fábricas, a empresa acaba criando movimentos políticos. Isso ficou claro ao longo de 2007 quando os prefeitos das cidades de Rio Verde e Morrinhos lançaram leis para conter o avanço da cana-deaçúcar em Goiás. Como os fornecedores da Perdigão necessitam de soja, milho e sorgo para engordar seus animais, os prefeitos agiram em nome da coletividade – mas previstambém dos interesses da própria Perdigão. Nos bastidores, a empresa agiu para convencer os prefeitos de que, se não fosse feita uma lei de zoneamento da cana, as unidades da Perdigão poderiam ter de reduzir a produção, com risco de milhares de demissões. Azar da cana.

A saga da Perdigão, que foi criada pela família Brandalise em 1934 no Estado de Santa Catarina, tem contribuído para mudar a configuração do agronegócio nacional. Assim que se instala em uma cidade, a empresa promove uma série de parcerias com produtores locais. O que pouca gente sabe é que a sede de crescimento da Perdigão faz parte de um bem desenhado planejamento estratégico, o P11, iniciado em 2004, que visa fazer dobrar o faturamento até 2011. Ou melhor, visava. Isso porque, dos itens programados três anos atrás, praticamente todos foram cumpridos e as metas estão sendo todas revistas para cima.

Os principais pontos do P11, ao qual DINHEIRO RURAL teve acesso, dão conta das seguintes ações: ampliação na área de frangos, suínos e bovinos, assim como lácteos. Por fim, o início do processo de internacionalização da companhia, que já começou com a compra da holandesa Pushfood e logo chegará à China. Em função do sucesso do plano estratégico, os executivos da empresa começam a traçar os planos para os próximos anos. No horizonte está o ainda distante ano de 2020. Nessa data, a Perdigão acredita que será uma empresa global, capaz de lutar com gigantes globais como Unilever, Cargill e Tyson Foods. “Nossa filosofia é ser uma empresa de classe mundial”, diz Nildemar. Note-se que, embora não goste de alfinetar seus concorrentes, o presidente da Perdigão pouco se refere à Sadia. No seu radar estão rivais de fora do Brasil.

Na análise da Perdigão, caso a economia brasileira continue em ritmo de crescimento, os próximos anos serão bastante prósperos. Isso significa que a companhia prosseguirá em sua linha de lançamentos e diversificação de produtos. Assim como a Eleva, a empresa Batávia, as marcas Doriana, Delicata e suas respectivas unidades de produção foram compradas neste ano. Tudo para garantir o crescimento orgânico e diluir custos. “Compramos empresas que complementem o nosso negócio”, diz Nildemar.

NAS SUAS UNIDADES INDUSTRIAIS, A PERDIGÃO ABATE 22 FRANGOS A CADA SEGUNDO

Outro fator de competitividade da Perdigão é sua infraestrutura logística. Quando da elaboração do P11, a empresa entendeu que levar peito de frango para o Amapá, por exemplo, custava o mesmo que levar peito de peru, iogurte, leite, queijo, margarina e quantos outros produtos resfriados ou c o n gelados existirem.

Afinal, existe à disposição uma frota com mais de mil veículos refrigerados, divididos entre carros de longa e curta distância. Isso significa que uma suposta padaria que receba leite, no Amapá, agora poderá receber toda a linha de produtos da Perdigão, Eleva e Batávia. A logística também funciona na hora de produzir. Se Nova Mutum, em Mato Grosso, é uma grande produtora de soja, por que não abater os frangos ali perto? Foi pensando nisso que a empresa comprou, na mesma cidade, o abatedouro Mary Loise, com capacidade para duas mil unidades diárias. É essa a lógica de Nildemar: buscar produtividade, investir e crescer. É assim que a Perdigão espera ser, em poucos anos, tão reconhecida no Brasil e no mundo como é a Vale do Rio Doce.