Confinamento sempre foi sinônimo de engorda dos animais no meio do ano para aproveitar os preços outrora compensadores no período de entressafra. Hoje, a realidade mudou. Levar os animais ao cocho pode ser uma estratégia de manejo para maximizar o aproveitamento das pastagens ou uma excelente oportunidade de negócio, abastecendo nichos exclusivos de carne de qualidade, mercado para o qual a clientela não para de crescer. O MAPA DA CARNE DE QUALIDADE , que integra o projeto Desafio 2050, saiu a campo para conhecer as novas faces do confinamento e encontrou o pecuarista Natalino Cavalli Júnior, em Mato Grosso do Sul. Cavalli Júnior, como é conhecido, faz um pouco de cada coisa nas três propriedades que possui no Estado, duas destinadas à recria e engorda e a terceira dedicada à cria, onde confina novilhos precoces. 

O pecuarista mantém 1,6 mil garrotes na fazenda Santo Expedito, em Santa Rita do Pardo, e mais 1,1 mil animais, entre machos e fêmeas, na fazenda Santa Luiza, em Ribas do Rio Pardo, ambas na região centro-oeste sulmato- grossense. Uma parcela desses animais é engordada a pasto, enquanto alguns lotes são apartados e terminados em confinamento. A decisão sobre quem fica na fazenda e quem sobe no caminhão é tomada na entrada da seca. Funciona assim: os animais são pesados e aqueles que estiverem acima de 15 arrobas retornam aos piquetes para serem terminados a pasto. A garrotada que pesar menos de 12 arrobas também fica na fazenda, mas será abatida somente no ano seguinte. O pulo do gato da estratégia está nos animais intermediários, que pesam entre 12 e 15 arrobas e são levados para um dos confinamentos da JBS. “Além de garantir o giro mais rápido, desafogo os pastos para a garrotada mais leve passar a seca com mais tranquilidade”, informa. Ano passado, Cavalli Júnior confinou mil cabeças. 

Para Gustavo Rezende Siqueira, pesquisador da Apta – Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, em Colina (SP), além de ser uma ferramenta que permite aliviar a barra durante a seca, o confinamento
deve ser visto como uma estratégia que garante o melhor aproveitamento do capim durante a estação chuvosa, época em que ele cresce a todo o vapor. “Quem engorda os animais no cocho pode se dar ao luxo de aproveitar ao máximo tudo o que a pastagem produzir”, diz Siqueira. Num sistema de produção em que precise preservar a forragem para os meses de escassez, o pecuarista não pode abusar da lotação.
Uma taxa segura indica 1UA por hectare, que significa uma produção de carne bastante modesta, de até cinco arrobas por hectare, durante o período das águas. Se, no entanto, o produtor puder contar com a retirada dos animais nos meses de seca, é possível “turbinar” o sistema de produção, de modo a “colher” tudo o que a forrageira produzir no período. Dessa forma, dá para colocar no pasto tranquilamente três vezes mais o número de animais, produzindo até 15 arrobas por hectare. “É a arroba mais barata que existe para se produzir, por isso o pecuarista tem de aproveitar”, diz Siqueira.

O aumento da integração lavoura-pecuária também tem favorecido a engorda de animais, especialmente no modelo de semiconfinamento, que vem crescendo no País. “No nosso cadastro de fornecedores, a maior frequência é daqueles que fazem semiconfinamento”, afirma Cristiane Rabaioli, diretora da Celeiro Carnes Especiais, de Rondonópolis ( MT). A empresa tem em seu portfólio quatro linhas de carne bovina – Euro, América, Slim e Gourmet –, que pretendem atender os mais diferentes paladares. A Linha Slim, que tem como base os animais da raça nelore, é destinada, por exemplo, a um público que deseja comer carne com menos gordura. Já a Linha Gourmet, abastecida por gado angus ou hereferd, é focada em restaurantes de alta gastronomia. “Também atendemos chefs de cozinha que precisam de um produto de gramatura padrão destinado a um público mais exigente”, diz Cristiane. São abatidos mais de dois mil animais por mês para abastecer a empresa, que mantém duas lojas em Rondonópolis e um projeto piloto 
de franquia na cidade de Primavera do Leste (MT).

Produzir animais de qualidade superior não só agrada ao paladar, como faz um bem enorme para o bolso. Cavalli Júnior que o diga. Na fazenda Pureza, de Santa Rita do Pardo( MS), onde estão instaladas
três mil matrizes, em sua maioria nelore, o pecuarista fez um teste. Separou um pequeno lote de 100 bezerros recém-desmamados meiosangue angus e colocou no cocho para engordar. A experiência deu
tão certo que virou um negócio permanente. “Acabei com a fase de recria, que é onerosa e ocupa muito espaço na fazenda”, diz. Ao contrário do que acontece na engorda do gado de suas outras propriedades, os machos da  Pureza são alimentados na própria fazenda, com uma dieta de alto grão.

Os animais entram no confinamento aos nove meses, logo após o desmame, pesando em torno de 290 quilos, e vão para o gancho depois de 120 a 150 dias de cocho. Ou seja, 14 meses, no máximo. Com animais tão precoces e bom acabamento, Cavalli Júnior recebe no abate um bônus de R$ 8 por arroba, contabilizando o ágio pelo boi Europa e pela cota Hilton, somada à remuneração extra paga pela Associação Sul-Mato- Grossense dos Produtores de Novilho Precoce (ASPNP) e pelos frigoríficos, por conta do padrão dos animais. O gado é negociado com a JBS e com a Marfrig. A expectativa  para este ano é abater 700 novilhos com 18 arrobas e rendimento de carcaça acima de 57%. Na ponta do lápis, o produtor gasta por animal R$ 550 (custo de produção do bezerro, que inclui o protocolo de IAT F), mais R$ 550 com a dieta no confinamento. Com o preço de arroba (cotação Cepea/USP mais bônus) em R$ 138, Cavalli Júnior recebe por animal de 18 arrobas o equivalente a R$ 2.484. Descontando o custo de produção de R$ 1.100, sobram R$ 1.384. Para o total de 700 bois, o lucro é de R$ 968.800. 

Animais oriundos de cruzamento, especialmente de raças britânicas, são presença cada vez mais frequente nos confinamentos. Segundo Fernando Saltão, diretor de confinamento de bovinos da JBS, resultados de performance indicam que essa categoria ganha até duas arrobas a mais, no mesmo período de confinamento, na comparação com animais “comerciais”, de qualidade inferior. “Este é o maior bônus que o pecuarista pode ter”, diz Saltão. Nos confinamentos da JBS, com pecuaristas parceiros, são engordados em torno de 230 mil animais por ano. Cerca de 15% desses animais são considerados de alta qualidade e vão para as marcas de carne diferenciada. 

Confinamento cresce em 2014

Pecuaristas, profissionais da área e estudantes reuniram-se em Goiânia, entre os dias 15 e 18 de setembro, para a edição 2014 da Conferência Internacional de Confinadores (Interconf). A alta da arroba do boi gordo no segundo semestre do ano atraiu um público excelente, acima de 1,4 mil participantes. Segundo a Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), que organiza o evento, o número de animais confinados deve crescer 4% em 2014, ante os 4 milhões registrados ano passado, totalizando 4,2 milhões de cabeças engordadas no cocho. A expectativa era de crescimento bastante superior, em torno de 14%. “No primeiro semestre, a expectativa  era de alta nos grãos”, diz Eduardo Alves de Moura, presidente da Assocon. No segundo o que atrapalhou foi o alto preço da reposição. Mesmo assim, Moura acredita que o crescimento do confinamento no Brasil é inexorável. “Os grandes  players do mercado internacional, como Estados Unidos e Austrália, oferecem cada vez mais carne de qualidade, que é o que o confinamento produz. É esse o caminho.”