Uma volta ao passado e há cerca de um ano a taxa básica de juros do Brasil (Selic) estava em um dos patamares mais baixos da história: 2%. Exatos 365 dias depois, o País virou o ano com o juro-base em 9,25%. Se as previsões do mercado se confirmarem, daqui a outros 365 dias será de 11,75%. Para o produtor rural, a notícia é péssima. Sobretudo porque com a demanda global por alimentos em alta, uma pressão cada vez mais intensa por boas práticas de sustentabilidade e o sempre tão almejado aumento da eficiência produtiva, modernizar máquinas e equipamentos é uma condição sine qua non para garantir a competitividade no mercado. Com juros nas alturas e com o preço do equipamento impulsionado pela alta do dólar e da inflação, atualizar a frota tornou-se um desafio. É nesse cenário que o consórcio entra. Em 2021, a modalidade cresceu 100% na indústria do campo. deu tão certo que, aos poucos, outras empresas que têm na agroindústria clientes relevantes passaram a aceitar essa ferramenta como forma de pagamento. Agora, o produtor agrícola pode, por exemplo, comprar um carro. Ou um avião. Com grãos.

Normalmente, a operação em seu modelo tradicional envolve o produtor agrícola, os fabricantes de insumos e as tradings, que se comprometem com a compra dos grãos, em uma negociação que tende a beneficiar todas as pontas dessa cadeia. Parte da segurança para os produtores — e também para as empresas que vendem insumos — está atrelada à perspectiva de custo pré-fixado. “Por ser uma negociação antecipada, o produtor estabelece sua paridade, que é o volume de commodity pelo pedido de insumos, no ato da compra”, afirmou Pollyana Morais, gerente da mesa de operações de barter da divisão agrícola da Bayer no Brasil. “Assim, mitiga-se o risco das oscilações de preços e câmbio, e a empresa tem a garantia de recebimento por meio da entrega da commodity ao final da safra.”

Já é possível concluir que, se em tempos de estabilidade econômica a modalidade já tinha espaço garantido, em um cenário de variações dos preços das commodities e do dólar, de restrição de crédito pelas instituições financeiras e de falta de previsibilidade econômica, o barter tem ganhado ainda mais força como uma alternativa segura aos produtores. É exatamente o que está acontecendo na safra em curso.

“O que explica esse interesse é o aumento constante dos juros e a falta de crédito” Guilherme Reis Jacto (Crédito:Divulgação)

ALÉM DE INSUMOS A ferramenta é tão segura no Brasil, que indústrias tradicionais como a automotiva começaram a enxergá-la como uma oportunidade de se aproximar do campo e aumentar suas vendas. Desde o último mês de agosto, a Toyota passou a aceitar grãos como forma de pagamento para alguns de seus modelos 0 km, como a Hilux, SW4 e Corolla Cross. A decisão foi tomada devido à representatividade do agronegócio que já participa com 16% das vendas diretas da montadora no Brasil. O projeto-piloto para testar a viabilidade do uso do barter começou em 2019 e ganhou escala desde o lançamento com operações já em andamento em nove estados, incluindo Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. Em breve, estará em outras regiões, como Paraná e São Paulo.

A Toyota não foi a única a dar esse passo. Em maio deste ano, antes mesmo da Toyota colocar em prática a ideia, a Stellantis, dona das marcas Fiat, Jeep e RAM, também passou a aceitar grãos como pagamento para a compra de veículos novos. Agora produtores já podem adquirir Renegade e Compass com suas commodities agrícolas, mas, por enquanto, somente com milho e soja e em oito estados da Federação, incluindo Goiás, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. A expectativa da montadora é ampliar o alcance e as culturas aceitas.

Do total de cotas ativas, 50% são para fazendas de até 50 hectares

Com pouco tempo em operação, ainda é difícil saber o retorno que as montadoras estão alcançando com o uso da nova modalidade de pagamento. Sem números, uma evidência de que o negócio deve ser de fato vantajoso é que até mesmo a indústria aeronáutica – tão ou mais tradicional do que a automotiva – também está de olho nessa modalidade. A Timbro, que detém 25% do mercado de importação de aeronaves executivas e deve fechar o ano com mais 30 aeronaves importadas, está aceitando grãos na aquisição de aviões e helicópteros. Como também atua como exportadora de commodities, a empresa oferece o serviço adicional para produtores que já são clientes. Pode ser uma estratégia para fidelizar o cliente, mas também pode ser uma nova fonte relevante de recursos. É cedo para saber.

De certo, é possível afirmar que as oportunidades são infinitas e podem, inclusive, ajudar o campo a se tornar mais sustentável. Esse foi o caminho escolhido em uma iniciativa inédita comandada pela Basf e pela 3tentos. Em vez de usarem barter para comercializar produtos, as empresas desenvolveram um modelo de operação com emissão de créditos de descarbonização (CBIOs). Cada tonelada de CO2 que deixa de ser emitida gera um crédito de carbono. Ou seja, a troca passa a ser vinculada à sustentabilidade. Luciana Florêncio de Almeida, professora da pós-graduação em administração da ESPM, vê isso como um amadurecimento do modelo de operação. “O barter pode trazer ainda mais inovações se pensarmos no mercado voluntário de carbono”, disse ela. “E, quem sabe, com a aprovação do PL 528/21, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), possa se abrir um novo capítulo para o barter no financiamento do produtor.”

DEMOCRATIZAÇÃO Com o crescimento do interesse pelo barter, as instituições financeiras começam a adaptar suas operações de olho na demanda atual e no potencial que a operação pode ganhar ao passar a atender também os pequenos produtores. É o caso do Santander, que no ano passado comprou 80% da agfintech Gira. A startup nasceu em 2015 para estruturar operações de crédito. A partir de 2018, assinou um contrato com uma trading e passou a assumir alguns riscos do produtor, criando um modelo de barter que permite maior liberdade ao produtor para negociar insumos com diferentes fornecedores.

Para expandir sua atuação, o Gira está inaugurando lojas físicas. São duas, em Confresa e Matupá, ambas no Mato Grosso. O objetivo é ter seis, atendendo à região Centro-Oeste, além dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Tocantins e Pará. “Devemos financiar entre 250 a 300 produtores”, afirmou Gianpaolo Zambiazi, CEO do Gira. Para 2022, a expectativa da empresa é atender mais de dois mil. “Costumamos dizer que o nosso modelo é agnóstico, pois queremos que o produtor acesse os melhores produtos”, disse Zambiazi, CEO do Gira. Assim, explica o executivo, a ferramenta alcança produtores menores que teriam dificuldade em fazer negócios com as grandes tradings. Inclusão e segurança para centenas de agricultores que lutam diuturnamente para colocar alimento na mesa dos brasileiros
variações dos preços das commodities e do dólar, de instabilidade econômica, restrição de crédito das instituições financeiras e falta de previsibilidade, o barter tem ganhado ainda mais força como uma na B3, a bolsa de valores brasileira, desde o início de agosto. As primeiras emissões já apontam uma captação de R$ 1,4 bilhão, mas o valor pode superar R$ 3 bilhões com a chegada de novas ofertas que já estão em preparação. Há um clima de otimismo generalizado em relação ao sucesso do Fiagro. Um dos motivos de empolgação dos analistas do mercado é a base regulatória já bastante