Na era da agricultura 4.0, tratores e drones de pulverização são controlados à distância por produtores, enquanto milhares de hectares de terra são monitorados por meio do uso de softwares desenvolvidos para o campo. No entanto, não há a mesma agilidade quando o assunto é o financiamento de títulos de crédito rural. Com a ausência de um padrão das empresas credoras, a insegurança jurídica é grande. Pensando nisso, a Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBMNET) e a Seges Agro fecharam uma parceria com foco inicial na digitalização da Cédula de Produto Rural (CPR), a Bolsa CPR Agro. “Sempre vimos dificuldade de registro cartorial. Há muita burocracia. E os detentores da CPR acabam segurando esses títulos até o prazo limite do vencimento”, destaca Cesar Costa, diretor-geral da Bolsa Brasileira de Mercadorias.

A emissão de CPR foi criada há 25 anos e se tornou um dos principais instrumentos na obtenção de crédito privado aos produtores agrícolas. No entanto, cada empresa acaba personalizando suas exigências no lançamento de títulos, como a produtividade e a área em que determinada fazenda está inserida. Agora, a plataforma eletrônica quer criar um padrão para digitalizar, gradativamente, toda a emissão de títulos do agronegócio brasileiro. Para atingir esse patamar, são cerca de 450 cartórios de registros eletrônicos interligados à Bolsa CPR Agro – não há uma estimativa, mas a tendência é de que esse número cresça nos próximos anos.

“Há muita burocracia. E os detentores da CPR seguram os títulos até o vencimento” Cesar costa Diretor-geral da Bolsa Brasileira de Mercadorias

O emissor pode verificar se a propriedade para a qual o título está sendo emitido fica em uma Área de Preservação Permanente (APP), bioma, zoneamento ecológico ou mesmo se há uma disputa judicial. “Uma vez que o título foi digitalizado, há um padrão. Isso dá qualidade jurídica”, declara Ademiro Vian, sócio da Seges Agro. “As empresas devem questionar se aquele local é o adequado para o tipo de cultura na qual a CPR será emitida”, ressalta Vian.

Para a plataforma funcionar, os documentos utilizados são registrados em câmaras autorizadas pelo Banco Central (BC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Uma das exigências é que os produtores emitam uma ata notarial, espécie de certidão eletrônica com dados como imagens de satélite de determinada área e ainda documento de identidade, CPF e cópia de contrato de arrendamento, caso a terra seja alugada àquele produtor. “O investidor questiona onde fica a área localizada e se é própria para o plantio”, afirma Costa. Caso o produtor concorde, ele pode emitir o título na internet e assinar digitalmente com a criptografia no modelo ICP Brasil, órgão que tem no seu comitê gestor os ministérios da Economia, Justiça, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de representantes da sociedade civil.

MAIS MERCADO Uma das vantagens do registro é a ampliação do mercado secundário – quando uma empresa recebe determinado título e quer repassar aquela mercadoria. A revenda do produto pode ser feita através da plataforma. “Isso é comum, por exemplo, entre as companhias do setor de agroquímicos. Ela recebe o milho ou a soja, mas não tem interesse em ficar com o grão. Ela pode anunciar dentro da Bolsa a venda e repassar direto para quem faz a compra final”, diz Costa, da BBNET.

Com o detalhamento de informações sobre as propriedades, a tendência é de que a CPR digital ofereça mais garantias às instituições financeiras. Como consequência, o crédito ao segmento agrícola deve se tornar mais atrativo. Na plataforma, o produtor pode tomar o crédito de maneira gradativa e sem o pagamento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o que não acontece quando o financiamento é feito diretamente com o banco. “Quando o produtor vai ao banco, ele pega o recurso para a compra de sementes, adubo e tratos culturais de uma só vez e começa a pagar desde o momento em que recebe o montante”, afirma Vian, da Seges. “Com a CPR, ele pode pegar recursos para o que precisar naquele momento. De repente, não há a necessidade de usar todo aquele aporte”, explica.

Há, ainda, outro ponto a ser destacado. Com o nível da taxa básica de juros no menor patamar de sua história desde o começo de agosto, com 6% ao ano, tem-se outro estímulo para que os agentes do mercado financeiro pulverizem seus investimentos e apostem ainda mais no agronegócio, o principal motor da economia brasileira nos últimos anos. Para se ter ideia, a Selic chegou a 14,25% entre julho de 2015 e agosto de 2016, mais do que o dobro do nível atual. “Acreditamos que a CPR responda, hoje, por 50% do financiamento privado do agronegócio. Com a diminuição de recursos públicos, os juros para esses títulos ficam mais interessantes a investidores, inclusive a estrangeiros”, observa Vian.