Desde que se afastou das tarefas cotidianas na Microsoft, em 2008, o bilionário Bill Gates vem dedicando seus esforços — e uma parte de sua considerável fortuna — para resolver alguns dos problemas da humanidade. E a agricultura tem recebido sua especial atenção nos últimos anos. Além de ser um dos maiores donos de terras dos Estados Unidos ao lado da ex-mulher, Melinda, Gates tem financiado pesquisas e investido em inovações do setor. Recentemente, a elevação da agtech americana Pivot Bio ao status de unicórnio teve participação do visionário da tecnologia. Por meio de seu fundo Breakthrough Energy Ventures, ele foi um dos investidores da empresa, hoje avaliada em US$ 2 bilhões. Com isso, a Pivot Bio entrou para um grupo ainda seleto de empresas que desenvolvem inovações para o campo e que atingiram uma avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão — tão seleto que o Brasil, uma das maiores potências agrícolas do planeta, ainda não tem nenhum representante entre elas. O envolvimento de Gates pode mudar o cenário ao começar a atrair mais investidores e, com eles, agtechs mais preparadas para romper a barreira de bilhão de dólares de valuation.

Apesar da Força do agro, Brasil não tem Agtechs de US$ 1bi

O primeiro unicórnio do campo foi a Climate Fieldview, startup fundada na Califórnia (EUA) em 2006 por dois ex-funcionários do Google que desenvolveram uma plataforma de análise de dados climáticos. A partir deles, insights eram gerados aos produtores. A empresa foi comprada em 2013 pela Monsanto. Hoje, é o braço de agricultura digital da gigante multinacional Bayer, com escritórios em diversos países, incluindo o Brasil. “Na época, diziam que a aquisição não era nem um tiro no escuro, mas um tiro na lua”, disse Abdalah Novaes, líder de negócios da Climate FieldView para a América Latina. “Conseguimos mostrar a importância dos dados para uma agricultura mais rentável, eficiente e sustentável”.

CUBO AGRO Espaço fomenta o desenvolvimento de tecnologias estruturantes que permitirão grandes mudanças no setor (Crédito:Celso Doni)

Outras vieram depois. É o caso das também americanas Indigo, cujas soluções incluem tratamentos biológicos para sementes e ferramentas de crédito ao produtor, e Apeel Sciences, conhecida por desenvolver um revestimento biológico que prolonga a validade de frutas. Recentemente, unicórnios chineses também têm surgido. É o caso dos marketplaces Xingsheng, Meicai e Nice Tuan. Na América Latina, quando se fala de forma mais ampla na cadeia de produção de alimentos, há alguns casos, como aponta Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups. “Tivemos recentemente a foodtech chilena NotCo. Então, enfim, as coisas estão começando a andar”, afirmou. Mas agtech, mesmo, nenhuma, nem mesmo no Brasil, berço de mais de 1500 startups do agro, segundo dados do levantamento Radar Agtech 2020-2021.

Agtechs que miram o status de unicórnio devem focar em soluções escaláveis
e disrutivas  para atrair investidores

CONTEXTO Ao contrário de outros setores conhecidos por suas startups bem capitalizadas, como o mercado financeiro, o agronegócio é descentralizado. O Brasil é muito grande, com perfis diferentes de produtores e regiões com climas distintos. Com isso, algumas soluções desenvolvidas pelas startups funcionam bem em locais específicos, mas têm potencial menor de escalabilidade em outros. Há também uma questão cultural, segundo Gustavo Araujo, co-fundador e CEO no Distrito. “O fazendeiro, dono do campo, está distante dos grandes centros urbanos, onde a tecnologia vem sendo adotada de maneira muito mais rápida”, disse.

Francisco Jardim, co-fundador da SP Ventures, concorda. “Conectividade, penetração mobile e alfabetismo digital foram elementos fundamentais para criar unicórnios no meio urbano, como a 99, por exemplo”, afirmou. “Isso demorou para chegar ao agro. Mas a pandemia acelerou demais e agora é só uma questão de tempo.” O próprio ecossistema de inovação no campo vem se desenvolvendo. Já existem fundos de venture capital que fazem aportes em startups em estágio inicial. À medida que elas crescem, cheques maiores são necessários para escalar o negócio, e a participação de fundos internacionais passa a ser mais importante.

Nesse cenário, as primeiras empresas do agro brasileiro a superar US$ 1 bilhão em valor de mercado devem ser aquelas que desenvolvem soluções e plataformas com um alcance maior. Uma delas é a Traive, aposta de João Kepler, CEO da Bossa Nova Investimentos. A startup usa ferramentas tecnológicas para facilitar o acesso dos agricultores ao crédito. “Ela tem uma pegada de fintech e vem chamando a atenção desse mercado”, afirmou. “Acredito que ela vai virar um unicórnio em três anos. Depois dela, virão outras.”

Outras candidatas são as plataformas de agricultura digital, que podem ser adaptadas para diferentes culturas, como a Solinftec, que já atua em dez países, incluindo Estados Unidos e Canadá, e a Agrosmart, que já tem escritório na Argentina e quer expandir a atuação na América Latina. “Vemos muitas tendências, como pecuária hightech, uso de blockchain e robótica. Mas, na nossa cabeça, a Solinftec tem chances de se tornar o primeiro unicórnio”, disse Gustavo Araujo, do Distrito.

CRIADOURO Alguns players estão dispostos a acelerar a caça a esses ‘animais’ tão raros. É o caso do Cubo Itaú, hub de inovação localizado na cidade de São Paulo (SP) que já atua em 17 verticais, incluindo logística e finanças. No final de julho, anunciou o lançamento do Cubo Agro, em parceria com a Corteva Agriscience e a Usina São Martinho. O objetivo, segundo Pedro Prates, co-head do espaço, é fomentar o desenvolvimento de tecnologias estruturantes que vão permitir grandes mudanças no setor. “O potencial do mercado é gigantesco. Estamos juntando dois Brasis que dão certo: o agronegócio e as startups”, afirmou Prates. Segundo ele, a capilaridade dos parceiros vai ajudar os empreendedores baseados em São Paulo a entender as dores reais do produtor e centralizar os esforços em encontrar soluções. “Não tenho a menor dúvida que veremos muitos unicórnios do agro nos próximos 10 anos”, disse Prates. “Queremos que elas ganhem tração mais rápido. Que em vez de demorar cinco anos, o processo demore só três”. E assim, reflita no mercado de inovação a liderança que o campo tradicional brasileiro já conquistou no mundo.