O mercado de alimentos brasileiro vem passando por grandes transformações. Com mais acesso à informação, os consumidores estão exigindo produtos mais saudáveis, com melhor qualidade e por um preço justo. Também começam a crescer as exigências por boas práticas sociais, trabalhistas e com o meio ambiente. Como se adaptar a essa nova realidade? Para os dirigentes da Cooperativa Central Aurora Alimentos, de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, a resposta atende pelo nome de gestão da cadeia produtiva. Essa prática esta enraizada no DNA da Aurora, que cuida não só da parte industrial e comercial, mas também acompanha de perto seus fornecedores de matéria-prima, os produtores rurais. Assim, a companhia que atua com o processamento e a comercialização de aves, suínos e lácteos pretende chegar ao final de 2014 com um faturamento superior a R$ 6,6 bilhões, resultado 17% maior que os R$ 5,6 bilhões esperados para este ano.

“Sem essa gestão da cadeia produtiva não conseguiríamos resultados tão positivos”, diz Mário Lanznaster, presidente da companhia, vencedora da Medalha de Ouro por sua Gestão de Cadeia Produtiva de AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. “Prova de que estamos no caminho certo é que, apesar de termos mais de 40 anos de mercado, ainda crescemos a taxas superiores a 15% ao ano.”

Crescer em setores já consolidados, como o de aves e o de suínos, não é fácil, garante Lanznaster. Para se ter uma ideia, o Brasil abate por ano 32 milhões de suínos – a Aurora é responsável por mais de 10% desse total, com 3,6 milhões de abates. Já no setor de aves, no qual a atuação da catarinense não é tão forte, são processados, no Brasil, 5,3 bilhões de frangos por ano, mercado em que a Aurora detém quase 4%, com a comercialização de 176 milhões de unidades. Segundo Lanznaster, para crescer em mercados tão disputados, as empresas precisam se adequar às exigências dos consumidores e se preocupar com a qualidade do produto oferecido. Para isso, ou as companhias produzem a própria matéria-prima – tarefa quase impossível – ou se unem aos produtores rurais, trabalhando a quatro mãos com eles para que adotem todos os cuidados de sanidade e qualidade demandados. “Em um futuro próximo, fazer a gestão da cadeia produtiva será uma regra”, diz o presidente da cooperativa.

Na opinião do economista José Luis Tejon Megido, conselheiro do Instituto Universal de Marketing em Agrobusiness (I-Uma), esse futuro não está tão distante assim. Para ele, daqui a uma década, o consumidor exigirá de todas as empresas esses cuidados com os alimentos, com os trabalhadores e com o meio ambiente. “Em 2023, a companhia que não se preocupar com a cadeia produtiva não conseguirá sobreviver”, diz Tejon, que também é coordenador do núcleo de agronegócio da ESPM e consultor de As Melhores da Dinheiro Rural. “O gasto com a implantação é infinitamente menor que os possíveis prejuízos.”

No quesito da gestão da cadeia produtiva, há exemplos a serem seguidos e modelos que não servem como lição. Segundo Tejon, um exemplo negativo da falta de gestão pode ser observado na citricultura brasileira. Atualmente, as três grandes indústrias do setor no País, responsáveis pelo processamento de mais de 90% do suco produzido, estão em pé de guerra com seus fornecedores de frutas, que as acusam de formação de cartel em um processo que já se estende por anos nos tribunais brasileiros. Qual é o reflexo dessa falta de sintonia entre indústria e produtores? O cultivo de laranjas é maior do que a demanda, sobram frutas e falta qualidade, o custo de produção é elevado e o manejo sanitário não está em sintonia com os padrões internacionais. “O consumidor já começou a substituir o suco por outras bebidas”, diz Tejon. “A indústria, por sua vez, não cresce como deveria.”

Já o exemplo positivo da gestão de cadeia pode ser visto no setor de fumo. A despeito das campanhas e leis contra o hábito de fumar, que estão reduzindo o número de consumidores ano a ano, não existem produtores preocupados com isso no campo. Nas plantações, a regra é produzir com qualidade e bem-estar. Os fabricantes de cigarros e os exportadores de fumo possuem seus parceiros, que nunca ficam com um quilo sequer da matéria-prima nas mãos. Com o dinheiro que ganham na atividade que tem um cliente cativo, os agricultores ainda investem na melhoria de suas propriedades. “Os fumicultores produzem com qualidade, atendem às exigências das processadoras de fumo e vivem muito bem, obrigado”, diz José Otávio Menten, presidente do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS). “Com isso, os fabricantes brasileiros também ganham competitividade no mercado.” Não por acaso a Souza Cruz, ao lado da BRF e da Syngenta, recebeu a Medalha de Prata nessa categoria (veja tabela ao lado).

No caso da Aurora, o investimento não chega a ser tão grande quanto o retorno que as parcerias com os produtores trazem à cooperativa, diz Lanznaster. Para garantir que as 12 cooperativas associadas, que agregam mais de 60 mil famílias, recebam a atenção e os cuidados necessários, a Aurora mantém em campo uma brigada de 500 técnicos agrícolas que ajudam os produtores no manejo adequado das granjas e fazendas, assim como na parte de alimentação e sanidade dos animais. “Imagine se essas 60 mil famílias dessem uma colher a mais de ração do que o necessário, quanto custaria no final”, diz Lanznaster. “Ou se um lote de animais apresenta problemas e tem que ser descartado. O prejuízo é certo.”

Segundo o presidente da Aurora, a ideia principal da gestão da cadeia produtiva é que todos ganhem. Os produtores sabem o que devem produzir e quanto irão ganhar, a indústria tem ideia de quanto vai  processar e para quem irá vender, e o consumidor fica tranquilo, pois tem a informação de como e onde a carne que comprou foi tratada. A prova de que a gestão da cadeia funciona surgiu há um ano, quando as cooperativas associadas procuraram a Aurora para que as ajudasse a encontrar uma forma de comercializar o leite produzido nas pequenas fazendas. Sem titubear, a Aurora transformou uma pequena fábrica de suco de laranja, pouco rentável, em uma unidade de lácteos. Uma primeira providência foi pedir aos interessados que adequassem sua produção para atender às normas sanitárias, condição necessária para iniciar a compra do leite de seus associados. “Na agricultura familiar, o leite é um alimento básico, e ao mesmo tempo é uma forma de ganhar dinheiro um pouco mais rapidamente”, afirma Lanznaster. “O leite pode até não dar um grande retorno financeiro, mas traz essa ajuda social importante.”

Assim como acontece em relação aos suínos e aves, a Aurora implantou o sistema de rastreabilidade na sua produção de 400 milhões de litros de leite por ano, para atestar a qualidade da bebida para o consumidor. Por força do destino, na semana que concluiu a implantação do sistema, no começo deste ano, surgiu o escândalo do leite adulterado, no Sudeste do País. A demanda pelo leite da Aurora foi tão grande que surpreendeu a todos. “De um mês para o outro, nossas vendas cresceram 50%”, diz o presidente da Aurora. “Essa foi a maior recompensa que poderíamos receber.”

Com a qualidade e o volume de matéria-prima garantidos, Lanznaster afirma que o restante fica por conta da empresa, que investe por ano em média R$ 300 milhões na ampliação, manutenção, modernização e abertura de novas unidades, como a de Joaçaba, em Santa Catarina, que recebeu R$ 68 milhões para modernizar e reabrir a planta, que terá capacidade de processar 3 mil suínos por dia, voltados exclusivamente às exportações. “Estamos vendendo mais suínos para o Japão e queremos uma planta nova para isso”, diz Lanznaster. “E vamos seguir investindo em nossa cadeia produtiva, que garante a qualidade dos produtos.”