“É preciso agregar valor para ganhar mais”

Conhecida por seu rebanho de ovinos, oito vezes maior do que a sua população, a Nova Zelândia também investiu pesado em gado leiteiro nas últimas décadas. Atualmente, o país é o líder de mercado com 36% da produção mundial. Apesar dessa predominância, os neozelandeses estão preocupados com a diminuição da biodiversidade, a partir do desmatamento de grandes áreas para a produção pecuária e, assim como os brasileiros, discutem como agregar mais valor aos produtos agrícolas, em vez de simplesmente se contentar com commodities. No fim de maio, o biólogo David Whitehead, cientistachefe da Landcare Research, principal instituto de pesquisa agropecuária neozelandês, esteve em Brasília para discutir cooperação técnica com o governo brasileiro. Em entrevista à Dinheiro Ruaral, Whitehead afirmou que a Nova Zelândia busca manter seu espaço no mercado internacional investindo em produtos de alta qualidade, em vez de brigar pelo preço. “Precisamos manter as certificações de alta qualidade que já conseguimos”, diz ele. “É o que garante a nossa presença em alguns mercados.” 

RURAL – A partir de seus encontros com integrantes do governo brasileiro, onde o sr. acredita que pode haver cooperação entre Brasil e Nova Zelândia? 

DAVID WHITEHEAD – Existem muitas oportunidades de cooperação e muito interesse dos dois países, pois há várias semelhanças entre suas práticas agrícolas. Por exemplo, por causa da necessidade de proteger a floresta, sabemos que o Brasil tem praticado uma agricultura mais intensiva. É uma coisa que nós também precisamos fazer. 

RURAL – Em que áreas o sr. vê mais oportunidades?

WHITEHEAD – Precisamos estudar maneiras de reduzir o impacto ambiental, mesmo com uma produção mais intensiva. Não apenas em commodities, mas também de outros produtos. Na Nova Zelândia produzimos alimentos de muita qualidade, mas o país não vai se beneficiar totalmente a não ser que também façamos o passo seguinte na cadeia produtiva. Atualmente, exportamos o produto primário para ser processado em outros países. Se pudermos processar dentro da Nova Zelândia, teremos uma exportação de maior valor agregado. Os nossos desafios são aumentar a produtividade, adicionar
mais valor à produção agrícola e estimular nossos pecuaristas e agricultores a adotar as melhores práticas. 

RURAL – No Brasil, também há essa discussão sobre a exportação de produtos primários, embora o agronegócio seja o setor que mais contribui para as exportações.

WHITEHEAD – Temos exatamente o mesmo problema. É muito fácil exportar o produto básico e deixar para os outros países o processamento, mas é preciso agregar valor para ganhar mais. Com o leite, agora estamos exportando o produto em pó, com a nossa marca, e nos tornamos o maior exportador mundial. Mas podemos fazer mais. Fazer outros produtos lácteos e não apenas o leite em pó. Para ajudar os pequenos produtores, já temos uma empresa pública que faz esse processamento, de forma centralizada. 

RURAL Como o sr. vê o atual mercado mundial de alimentos?

WHITEHEAD – No caso do leite, não temos capacidade de produção suficiente para atender os grandes mercados, como China e Índia. Sei que outros países, como Brasil e Chile, também estão aumentando sua produção. Há uma enorme oportunidade de mercado, no momento. Mas isso pode virar contra nós, porque estamos geograficamente isolados. Por isso, para conseguir uma vantagem
competitiva, temos de investir em produtos de alta qualidade. O aumento da produção mundial deve derrubar o preço do produto e a lucratividade deve cair. Isso já aconteceu com a madeira, um mercado no qual há algumas décadas éramos muito competitivos. Depois, outros países entraram no mercado, o preço despencou e hoje a nossa produção de madeira é muito pequena. 

RURAL – No caso do leite, o aumento da produção e a queda do preço já estão acontecendo?

WHITEHEAD – O volume já está aumentando, mas ainda não há sinais de redução do preço. Mas isso pode acontecer dentro de uma década.

RURAL – E o que a Nova Zelândia está fazendo para evitar ser expulsa do mercado?

WHITEHEAD – Primeiro, é necessário manter as certificações de qualidade que já conquistamos. É isso o que garante a nossa presença em alguns mercados. Na China, por exemplo, muitas pessoas preferem o alimento para bebês neozelandês, apesar de mais caro, porque sabem que tem qualidade. 

RURAL – Então, o fator essencial para manter-se no mercado é ter uma marca? 

WHITEHEAD – Isso mesmo. A melhor marca que se pode ter é segurança e respeito ao meio ambiente.

RURAL – Em termos de imagem, o respeito ao meio ambiente é mais importante hoje do que no passado?

WHITEHEAD – Esta preocupação está crescendo. Temos um programa para ajudar os produtores a calcular suas emissões de carbono e o nível de proteção ao meio ambiente, e também concedemos uma certificação. Já contamos com cerca de 500 empresas certificadas. A maioria é neozelandesa, mas também há algumas empresas do Reino Unido, além de produtores de vinho no Chile e de café na Colômbia. Essas certificações ajudam muito nas exportações.

RURAL – A Nova Zelândia também sofre com as barreiras comerciais impostas por outros países?

WHITEHEAD – Enfrentamos barreiras em vários países. Quando isso acontece, tentamos abrir outros mercados. Estamos impedidos de exportar frutas para a Austrália, por exemplo. Mas fechamos um acordo com a China, o que nos dá uma vantagem naquele mercado. 

RURAL – É uma grande vantagem ter um acordo com a China, considerando o crescimento do país?

WHITEHEAD – Sim. E estamos tentando fazer acordos desse tipo com vários países. Ainda não temos com os Estados Unidos, por exemplo, um mercado muito importante. Não temos problemas com o Reino Unido, por causa da Commonwealth, que reúne as ex-colônias britânicas, mas outros mercados europeus tentam colocar barreiras contra nossos produtos alegando o menor impacto da preferência aos produtores locais. Por isso a nossa certificação ambiental é tão importante. 

RURAL – Como está a produção neozelandesa de carne?

WHITEHEAD –A produção de carne bovina está aumentando, em detrimento da carne de cordeiro, que tem um mercado menor, porque não é muito consumida na América do Norte. Por isso, as exportações de carne ovina vêm caindo. Exportamos também para os países árabes, mas é um mercado que oscila, não podemos contar muito com ele. Em relação à carne bovina, nosso maior cliente é a Austrália. Os mercados asiáticos também estão crescendo, e fazemos um grande esforço para aumentar as vendas para esses clientes.

RURAL – A proximidade geográfica dos mercados que mais crescem é uma vantagem da Nova Zelândia em relação ao Brasil? 

WHITEHEAD – É verdade. Estamos a 12 horas de voo dos principais centros asiáticos. Nos últimos anos, temos enviado cada vez mais delegações para abrir novas frene tes de negócios, nesse paises, tanto de produtos in natura quanto industrializados.

RURAL – Até que ponto a Nova Zelândia pode competir com o Brasil?

WHITEHEAD – Estamos competindo, mas é preciso lembrar que a Nova Zelândia nunca vai conseguir produzir o suficiente para satisfazer todo o mercado. O que podemos fazer é atuar em alguns nichos de alta qualidade, para quem pode pagar por isso. 

RURAL – E onde o sr. vê maior colaboração com o Brasil? Na área científica ou na de mercado?

WHITEHEAD – Por exemplo, a agricultura intensiva praticada no Brasil é muito lucrativa, mas tem muitas questões ambientais. Podemos trabalhar juntos para reduzir o impacto ambiental, ao mesmo tempo que mantemos a rentabilidade. Também podemos trabalhar juntos para evitar que a biodiversidade seja reduzida. 

RURAL – Por que a Nova Zelândia, que está entre os três maiores produtores de carne ovina no mundo, juntamente com Austrália e China, está diminuindo o seu rebanho?

WHITEHEAD – Nos últimos anos diminuiu a demanda mundial por carne de cordeiro e também pela lã, que é usada para roupas, tapetes e carpetes. Mas recentemente tem havido uma retomada ligeira da produção, em função do aumento de preço no mundo. 

RURAL – E qual é a tendência para a agricultura?

WHITEHEAD –A agricultura mais intensiva está aumentando. A tradição na Nova Zelândia era de gado de leite criado em pastagens não irrigadas, porque na região central tínhamos uma vegetação muito produtiva para a alimentação animal. Depois, a produção foi ampliada para áreas mais secas, que precisavam de irrigação e de suplementação de nitrogênio para fertilizar a terra. Em consequência, as árvores tiveram de ser removidas e aumentou a monocultura, reduzindo a biodiversidade. Atualmente, existe um sentimento muito forte de que este caminho está errado e de que é preciso mudar para diversificar a produção e colocar a pecuária, a agricultura e a floresta juntas.