No final de 2015, quando o empresário Marcos Molina, controlador do grupo frigorífico Marfrig Foods, se sentou na mesa de negociação para comprar de Alexandre Grendene a Agropecuária Jacarezinho, uma propriedade de 46,2 mil hectares no oeste da Bahia, foi junto no pacote um bem intangível: o executivo inglês Ian David Hill, na época com 62 anos. A proposta de Molina tinha um motivo muito simples: Hill não poderia ficar fora do negócio porque ele sempre foi o coração do projeto de pecuária de Grendene, desde o seu início em 1991. Em duas décadas, Hill transformou a Jacarezinho em referência no melhoramento genético da raça nelore. “Agora, estou na melhor fase de minha carreira”, diz Hill. “Nos próximos anos vamos mudar muito a pecuária do grupo.” Por isso, aos 64 anos, desacelerar o ritmo ou pensar em aposentadoria não faz parte da agenda de Hill, CEO das empresas rurais de Molina. Além da Bahia, as propriedades estão localizadas nos Estados de São Paulo e Mato Grosso, totalizando 125 mil hectares, um rebanho de 150 mil bovinos e 300 funcionários. Hill quer dobrar a atual produção anual de touros, com a meta de colocar no mercado quatro mil animais, coletar 600 mil doses de sêmen e gerar 20 mil embriões. “O clima econômico do País está desafiador, mas chegaremos muito próximo desse resultado”, afirma. Hoje, a Agropecuária Jacarezinho vende 1,6 mil touros por ano, 350 mil doses de sêmen e cinco mil embriões. Em 2016, a receita foi de R$ 300 milhões.

A tarefa, que pode parecer ousada para qualquer administrador iniciante, para Hill já faz parte de uma rotina desde a juventude. A primeira vez que veio ao Brasil, em 1975, tinha 22 anos. Ficou no Paraná por cinco meses, em uma empresa de sementes da inglesa Royal Dutch Shell. Até um ano antes, Hill era estudante de administração e economia rural na Royal Berkshire College of Agriculture, na Inglaterra. Em 1977, seu passaporte de volta ao País foi através do grupo inglês Vestey, controlador do antigo frigorífico Anglo e depois dono da Agropecuária CFM. “Fui contratado por já ter trabalhado no Brasil”, diz Hill.

Para Caio Arnaes, gerente de divisão sênior da americana Robert Half, uma das grandes empresas de recrutamento para cargos de alto escalão, uma boa universidade é uma porta de entrada no mercado de trabalho, mas não basta. “É preciso que o profissional entregue resultados”, afirma o executivo. “Desse ponto de vista, permanecer por um longo tempo em uma empresa não é negativo.” No caso da pecuária, o tempo é fundamental. O setor tem ciclo longo entre o nascimento e o abate de um animal, e mais longo ainda se a meta for o melhoramento genético, com resultado medido em gerações. Traduzindo: não dá para entregar amanhã o que foi planejado ontem, mas também não é possível ficar parado. “O importante é o profissional não passar todo o tempo batendo no mesmo carimbo”, afirma Arnaes. “Os bons, que não encontram um ambiente de desafio, são propensos a mudar de empresa.”

No caso de Hill, a equação entre tempo e execução de projetos no campo o levou a permanecer 16 anos no gru­po da família Vestey e mais 24 anos no grupo de Gren­de­ne. Com Molina, sua agenda imediata de trabalho está pautada para os próximos cinco anos. Com a família Vestey, por exemplo, Hill estruturou o maior projeto de produção de animais vendidos com Certificado Especial de Identificação e Produção (Ceip). Emitido pelo Minis­té­rio da Agricultura, o Ceip assegura a procedência, a produtividade e o potencial genético de um animal. A fazenda, que começou com 160 bovinos nas suas mãos, chegou a 11 mil animais, faturando R$ 11 milhões por ano com a venda de touros. No gado de leite, Hill im­­plan­­tou um sistema produtivo que culminou em uma produção de cerca de 20 mil litros por dia. “Fiz a propriedade sair do zero, praticamente”, diz ele. Foi exatamente essa entrega que levou Grendene a contratá-lo. Com Hill, a Jacarezinho se tornou a segunda maior vendedora de touros com CEIP do País, além de se embrenhar em pesquisas genômicas em gado de corte.

Mas a rotina de Hill também acontece fora das quatro paredes de seu escritório na capital paulista, de onde comanda os negócios, ou em viagens pelas fazendas. O executivo sempre encontrou na agenda tempo para outras atividades. Ele, por exemplo, é um dos diretores executivos e já foi presidente da Conexão Delta Gen, programa de melhoramento genético que reúne cerca de 50 rebanhos nelore em nove Estados, onde estão 300 mil animais na base de seleção. É diretor também da câmara de pecuária na Sociedade Rural Brasileira desde 2009, além de participar de vários conselhos, entre eles o da Nuffield Trust Brasil que fomenta pesquisa no exterior, para jovens profissionais do agronegócio. “Decidi ser brasileiro porque achei muito dinâmica a área de pecuária e de agricultura”, afirma Hill. “Vim, porque percebi que o País tinha um potencial muito grande.” A mais recente missão de Hill começou em abril deste ano, quando foi eleito conselheiro do Marfrig Foods, grupo que faturou R$ 10 bilhões em 2016.