Se, atualmente, o Brasil é capaz de produzir 193,6 milhões de toneladas de grãos, é porque o desenvolvimento da agricultura no País começou a ser pensado há pelo menos quatro décadas. Um tempo em que o agronegócio nacional engatinhava, envolvia práticas que datavam do descobrimento, era carente tecnologicamente e pouco profissionalizado. Pesquisadores como Alfredo Scheid Lopes, hoje com 77 anos, uma das maiores autoridades mundiais em recuperação de solos e áreas degradadas; Romeu Kiihl, 72 anos, especialista reconhecido em melhoramento de soja; Herbert Bartz, 76 anos, pioneiro da técnica de plantio direto na palha; e Alysson Paolinelli, que neste mês completa 78 anos e foi um dos principais responsáveis pela implantação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ajudaram a transformar o agronegócio brasileiro numa potência global. Mas esses pesquisadores, que já fizeram a sua parte e que poderiam estar gozando de uma justa aposentadoria, ainda são procurados por produtores rurais, estudantes e pesquisadores mais jovens, com a mesma reverência dos tempos passados. É que eles, nas suas sabedorias, ainda contribuem para pensar o agronegócio brasileiro para as próximas décadas. 

Por isso, o projeto Desafio 2050 da DINHEIRO RURAL também foi ouvi-los. “Pesquisamos muito e oferecemos soluções à agricultura do País”, diz Lopes. Nascido no município de Mindurí (MG), em 1937, Lopes, autor de 16 trabalhos científicos e sete livros, atualmente é consultor técnico da Associação Nacional para Difu-são de Adubos (ANDA), em São Paulo, e professor na Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais. “Mas ainda há muitos gargalos e mitos a se eliminar no agronegócio”, diz. Para ele, são três os mitos que precisam ser desfeitos, sob pena de comprometerem o futuro da agropecuária nacional. O primeiro é pensar equivocadamente esse setor da economia como um segmento aberto apenas a grandes produtores e somente para as culturas de exportação, entre elas soja, milho, algodão, laranja e açúcar. “É preciso entender que além da agricultura empresarial existem a familiar e a de subsistência, e que elas também são parte do agronegócio”, diz Lopes. “Entre as dez principais culturas no Brasil, apenas as exportações de soja e milho são maiores do que o consumo interno.” 

O segundo mito é uma ideia equivocada muito difundida na sociedade. Boa parte dela ainda acredita que a produção de alimentos é a grande vilã ecológica, responsável pelo desmatamento de florestas. Em sua opinião, é justamente o contrário: o aumento da produtividade foi um instrumento fabuloso de preservação ambiental. “A evolução da produtividade agrícola nos últimos 30 anos passou de 1,4 toneladapor hectare para 4,5 toneladas no ano passado”, diz Lopes. “Isso poupou o desmate mais de 100 milhões de hectares.” Mas, para ele, os ganhos poderiam ser ainda maiores, caso as pastagens degradadas, estimada em 100 milhões de hectares, fossem rapidamente incorporadas ao processo produtivo. “Com um terço dessa área seriam produzidas quatro toneladas de grãos por hectare”, diz Lopes. “Isso representaria um acréscimo de 120 milhões de toneladas à atual produção.” O terceiro mito a ser quebrado é a crença geral de que os benefícios sociais do modelo agrícola brasileiro são ínfimos. Outro equívoco, segundo Lopes. Nas últimas décadas, o custo da cesta básica de alimentos se reduziu a um terço do que era na década de 1970. 

Às pesquisas de Lopes sobre o solo brasileiro, na década de 1970, enquanto desvendava como melhorar as terras ácidas do Centro-Oeste, juntou-se o conhecimento de Romeu Kiihl sobre o cultivo de soja, angariado em anos de pesquisa nos Estados Unidos. De volta ao País, Kiihl desenvolveu mais de 150 cultivares da oleaginosa adaptadas ao clima tropical. Para ele, que atualmente é diretor científico da Tropical Melhoramento & Genética (TMG), empresa parceira da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), embora o País tenha se destacado na produção de soja, com cerca de 86 milhões de toneladas colhidas na 2013-2014, ainda restam alguns obstáculos a serem eliminados no campo, como a falta de assistência técnica aos produtores. “Nas duas últimas décadas, talvez por falta de estratégia dos governos federal e estaduais, as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) foram esquecidas e quase sucateadas”, diz. “Agora, o governo federal criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), mas ela é almente é diretor científico da Tropical Melhoramento & Genética (TMG), empresa parceira da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), embora o País tenha se destacado na produção de soja, com cerca de 86 milhões de toneladas colhidas na 2013-2014, ainda restam alguns obstáculos a serem eliminados no campo, como a falta de assistência técnica aos produtores. “Nas duas últimas décadas, talvez por falta de estratégia dos governos federal e estaduais, as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) foram esquecidas e quase sucateadas”, diz. “Agora, o governo federal criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), mas ela é de uma propriedade. Nesse cenário, uma maior interação entre a iniciativa privada e a pública seria fundamental para que agropecuária brasileira ganhasse  ainda mais musculatura. “Essa filosofia passa, necessariamente, pela transferência do conhecimento”, afirma Kiihl.

Passar o conhecimento para o campo também norteou a vida de Herbert Bartz, que, ao contrário de Lopes e Kiihl, não era agrônomo, mas sim agricultor e engenheiro hidráulico. Bartz, que ainda hoje cultiva grãos no Paraná, diz que falta planejamento de longo prazo no agronegócio brasileiro. Bartz sabe do que está falando. Por muitos anos, durante a década de 1970, ele foi chamado de “o alemão louco de Rolândia”, município onde ainda vive, por causa de suas inúmeras experiências sobre plantio direto na palha. A técnica desenvolvida por Bartz, inspirada na experiência do americano Harry Young, e que hoje está presente em 75% das lavouras de soja brasileiras, protege os solos contra a erosão e mantém os microorganismos da terra, proporcionando economia de adubo e de agroquímicos, além de aumentar sua fertilidade. “Investimento em pesquisa de novas tecnologias não dá retorno imediato, ele vem com o tempo”, diz Bartz. “Estamos no meio do caminho, porque já fizemos muito, mas ainda falta um olhar mais atento por parte do governo federal às necessidades do campo.” 

O ex-ministro da agricultura Alysson Paolinelli, que também é mineiro, como Lopes, pensa o agronegócio nos mesmos moldes de Bartz: no longo prazo e o que é preciso fazer nas próximas décadas. “A criação da Embrapa foi uma decisão política que deu certo na década de 1970 e nas seguintes”, diz Paolinelli, atual presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). “Porém, atualmente, sinto falta de uma participação mais efetiva de universidades, de instituições científicas e da iniciativa privada nos investimentos em ciência e tecnologia.” Para ele, parece haver um descasamento de interesses. 

Quando a Embrapa foi criada, o Brasil aplicava 3% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia. De lá para cá, esse percentual foi caindo, até chegar aos atuais pífios 0,6%. “Um País que não investe em conhecimento não quer crescer”, diz Paolinelli. “É preciso pensar seriamente no que queremos para o futuro.”