O juiz britânico que negou o prosseguimento de uma ação coletiva sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), justificou a decisão com base em discussões que vão de abuso de procedimentos da Corte, entraves com a tramitação de processos parecidos no Brasil e até as dificuldades linguísticas entre o português e o inglês. A ação coletiva foi movida em nome de 200 mil vítimas para responsabilizar a BHP Billiton, dona da Samarco, pelo desastre que matou 19 pessoas em 2015 e causou o maior desastre ambiental do País.

O caso começou a ser julgado em julho em Manchester, no noroeste da Inglaterra, e a sentença só foi publicada nesta segunda, 9.

Ao longo de 76 páginas, o ‘Justice’ Mark Turner descreve que o caso apresentado aos tribunais britânicos se enquadraria em um ‘abuso dos procedimentos da Corte’, termo usado para ações movidas contra algo que já foi ou que está sendo julgado em outras instâncias ou jurisdições. Segundo o magistrado, mais de 154 mil vítimas que assinam a ação coletiva já receberam algum tipo de indenização da Fundação Renova e há diversos processos semelhantes em tramitação no Brasil.

“A decisão dos requerentes em prosseguir com pedidos de indenização nas jurisdições brasileiras e britânicas simultaneamente é uma iniciativa cujas consequências, se não forem verificadas, podem impor às Cortes britânicas o maior elefante branco da história das ações coletivas”, apontou o juiz. “Não posso deixar de enfatizar que não estou tentando minimizar o sofrimento das várias vítimas do rompimento da barragem, mas o que elas precisam e merecem é um mecanismo para obter uma compensação justa”.

Turner cita empecilhos que dificultariam à tramitação, mesmo se ele aceitasse dar prosseguimento à ação. Um deles seria justamente os efeitos de decisões tomadas nos tribunais brasileiros nas decisões britânicas, e vice-versa, visto que qualquer nova mudança e nova evidência teria que ser apresentada em ambos os processos.

“Os desafios consideráveis que isso apresenta tanto para a Corte quanto para as partes dão apenas uma amostra da magnitude dos problemas (na minha opinião, insuperáveis) provocados caso o processo continue a tramitar na Inglaterra”, apontou, destacando ainda o risco de que, uma vez vitoriosos no Brasil, algumas das vítimas desistissem de seguir como parte da ação coletiva nos tribunais britânicos.

“Em todas as circunstâncias, eu estou inteiramente convencido de que os pedidos não seriam apenas desafiadores, mas irremediavelmente incontroláveis caso tenham permissão para continuar a tramitar nesta jurisdição”, continuou Turner.

Os entraves provocados pelo fato da maioria das vítimas e testemunhas só falaram português também pesou na decisão do juiz, que considerou que toda a tramitação da ação seria ‘inevitável e muito significativamente longa’ e cara, pois as partes e o próprio magistrado precisariam fazer uso de tradutores.

“Não há dúvidas que o litígio no Reino Unido iria requerer a tradução de uma quantidade considerável de documentos do Português para o Inglês. Os custos da tradução seriam altos e os atrasos, significativos”, afirmou Turner.

“Além disso, é muito improvável, pela lei brasileira, que qualquer requerente ou testemunha possa ter a permissão de apresentar uma evidência a uma Corte britânica de forma remota do Brasil. Ainda mais improvável seria um juiz inglês ter a permissão de atuar no Brasil”, listou o ‘Justice’ Turner. “É preciso concluir também que o tempo e os gastos para transportar os requerentes e testemunhas para a Inglaterra, acomodá-los aqui, e levá-los de volta seria altíssimo. A real possibilidade de medidas de quarentena por causa da pandemia de covid-19 tem o potencial, ao menos no curto prazo, de exacerbar esses desafios”.

Recurso

O escritório PGMBM, que representa as vítimas, declarou que irá recorrer. A ação visa garantir indenização da BHP por danos estimados em 5 bilhões de libras (cerca de R$ 35 bilhões).

“A BHP conseguiu, mais uma vez, atrasar o provimento de uma indenização integral para as vítimas do pior desastre ambiental da história do Brasil”, afirmou Tom Goodhead, sócio administrador do escritório PGMBM, por meio de nota. “A artimanha jurídica da BHP tanto na Inglaterra como no Brasil resultou em um julgamento fundamentalmente falho, do qual pretendemos recorrer imediatamente. Elementos desse julgamento não tem fundamento próprio nem no Direito inglês e nem no europeu, tanto que estamos confiantes de que o julgamento será reformado”.

O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, também se manifestou por meio de nota e disse acreditar que a decisão será revertida pelos tribunais recursais ingleses. “Este caso representa as esperanças e os direitos de cada individuo em Mariana e além. A BHP não respeitou nossos direitos no Brasil. Agora, esse caso na Inglaterra deverá forçá-la a reconhecer os nossos direitos”, afirmou. O município é coautor da ação.