O mercado de capitais tem sido um dos setores mais dinâmicos da economia brasileira nas duas últimas décadas. Basta olhar para apenas uma de suas facetas, a bolsa de valores. Nos últimos anos, a chegada de novos segmentos e novas empresas atraiu 3,5 milhões de investidores pessoas físicas. Esse dinamismo vem passando ao largo do agronegócio, apesar de sua importância para a economia. A dificuldade de obter informações padronizadas, a possibilidade de risco catastrófico e um histórico de inadimplência em alguns setores têm mantido os bancos de investimento à distância. No entanto, uma decisão anunciada no início de abril pode contornar essa dificuldade. O Ministério da Agricultura está estimulando o lançamento de títulos de renda fixa garantidos pelas atividades do agronegócio. Para atrair os investidores, os papéis terão uma vantagem inédita, a garantia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Há várias vantagens em termos de políticas públicas. Os recursos virão totalmente da iniciativa privada, sem passar pelo Orçamento do governo. E não terão direcionamento compulsório. Poderão ser usados tanto para custeio quanto para investimentos. A garantia do BNDES pretende blindar os investidores dos riscos inerentes ao agronegócio, que têm mantido os investidores arredios. Especialmente nessa que é uma das atividades mais importantes do mercado de capitais, a captação de dinheiro com garantia em pagamentos futuros.

“Garantia amplia o papel do banco no desenvolvimento de serviços complementares ao financiamento tradicional” Petrônio Cançado BNDES

Parece complicado, mas não é. O exemplo mais comum é uma prática tradicional do comércio e da indústria, conhecida como desconto de duplicata. O empresário vende para receber em 30, 60 ou 90 dias. Como precisa do dinheiro, ele vai até o banco e “vende” o comprovante de pagamento – antecipa os recursos concedendo um desconto. As garantias com pagamentos futuros, cujo nome técnico é antecipação de recebíveis, são uma prática semelhante. A diferença é que os prazos são mais longos e as estruturas são mais complexas. Em vez de descontar as duplicatas individualmente, o empresário agrupa esses recebíveis e usa os fluxos futuros como garantia de um título de longo prazo, que é vendido aos investidores.

O mercado imobiliário já abraçou a ideia. Os chamados Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), que são os títulos emitidos com base em aluguéis futuros, movimentaram R$ 36,3 bilhões entre o início de 2019 e abril de 2021. No entanto, o volume dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que são iguais aos CRI, movimentaram bem menos, R$ 19 bilhões.

GARANTIAS O início foi modesto. O primeiro CRA com garantia do BNDES captou R$ 29 milhões e foi emitido com base em Cédulas de Produto Rural (CPR) de produtores de trigo da cidade gaúcha de Não-Me-Toque ligados à cooperativa Cotrijal. Os papéis têm dois anos de prazo e pagam juros de 3,15% ao ano. Segundo o superintendente financeiro da Cotrijal, Marcelo Schwalbert, a cooperativa pode securitizar até R$ 200 milhões em recebíveis.

A emissão do título tem várias fases. As CPR dos produtores vinculados à Cotrijal foram transformadas em CRAs pela empresa de securitização Ecoagro. Os certificados serão oferecidos aos investidores pelo Banco Alfa, e contam com isenção de imposto de renda se forem comprados por pessoas físicas. A garantia do BNDES vai valer para a maior parte da emissão, em um total de R$ 17,4 milhões. “O BNDES Garantia amplia o papel do banco no desenvolvimento de serviços complementares ao financiamento tradicional,” disse o diretor de Crédito e Garantia do BNDES, Petrônio Cançado.