Servir o chef Alex Atala, do paulistano D.O.M., considerado um dos melhores restaurantes do mundo, é para poucos. Francisco Ruzene, produtor de arroz numa área de 170 hectares, em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, é um deles. Chicão, como é mais conhecido odono da marca Ruzene, garante a receita de arroz vermelho do sertão com queijo coalho e legumes assados, prato que custa R$ 58 no restaurante Dalva e Dito, a segunda casa de Atala, em São Paulo. O mais famoso chef de cozinha brasileiro é também fã do arroz negro da Ruzene, antigamente chamado de o grão proibido pelos imperadores chineses. Mais: Chicão desenvolveu com exclusividade para a Retratos do Gosto, empresa da qual Atala é um dos sócios, o seu miniarroz.

A parceria do produtor com o chef começou em 2005. Na época, Chicão mandou uma amostra do arroz negro para o D.O.M., como fez com vários restaurantes paulistanos. Atala provou a iguaria, gostou, e mandou um e-mail para o produtor, pedindo para conhecê-lo. “Fiz uma pesquisa na internet para saber quem era o Atala”, lembra Chicão. “Quase cai para trás. Fui até lá e não tive coragem nem de sair do carro.” O chef, mais descolado do que ele, foi até a porta do restaurante na rua Barão de Capanema, nos Jardins, receber o tímido produtor. Na primeira conversa, soube que o arroz negro era desenvolvido em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e que uma grande empresa já tinha proposto ao agricultor comprar todo o seu arroz, desde que pudesse comercializar com a sua marca fantasia.

Atala convenceu Chicão a recusar a proposta comercial que, num primeiro momento, sanearia suas dívidas, e a apostar em sua própria marca. Também começou a divulgar o produto entre seus amigos cozinheiros. “Não há incentivo para os pequenos produtores, que fazem um trabalho diferenciado”, afirma Atala. Chicão, por sua vez, aproveitou o incentivo do chef, fez novas parcerias com o IA C, estudou o tema a fundo e até se arriscou a plantar outras variedades. Hoje, além do negro e do vermelho, Ruzene trabalha com dez tipos de arroz, como o jasmine, o cateto e o arbóreo, cultivos que vêm escasseando, em função da perda de espaço nas lavouras para o popular agulhinha.

A proximidade com Atala também rendeu a Chicão o convite para fornecer o primeiro produto da Retratos do Gosto (Atala detém uma participação de 25% da empresa). Fundada no início deste ano, a empresa tem o objetivo de ajudar a desenvolver e promover produtos, de qualidade superior, sempre fornecidos por pequenos produtores. E também de apoiar esses agricultores, mediante uma remuneração justa e de uma distribuição mais efetiva. “A ideia não é ter produtos gourmet, mas aqueles de uso cotidiano”, afirma Atala.

Além do miniarroz, a Retratos do Gosto lançou, em outubro, uma linha de granolas doces e salgadas, em parceria com a chef Heloisa Bacellar, do restaurante Lá na Venda, em São Paulo. Para a criação, Heloisa trabalhou com o cacau produzido de maneira sustentável por Diego Badaró, no sul da Bahia. Há outros produtos para sair do forno, muitos deles em parceria com outros chefs de destaque na cena gastronômica de São Paulo – Alberto Landgraf, do Épice, é um deles. Os chefs que apoiam a empresa não recebem contrapartida financeira.

Atala já sabe que não chegará aos dez lançamentos previstospara o primeiro ano da Retratos do Gosto, mas espera  chegar a um portfólio de 20 itens no final de 2013. “Enfrentamos os mais diversos tipos de problemas”, diz ele. Um exemplo é o de uma farinha de milho. Quando estava tudo pronto para o lançamento, alguém chamou a atenção para o fato de a semente ser transgênica. A Retratos do Gosto, explica Atala, não quer ser orgânica ou biodinâmica, mas quer ter o máximo de coerência com o pequeno produtor e promover a agrodiversidade. E, nessa filosofia, não há lugar para os transgênicos. É uma prerrogativa do chef, que abre mão do seu lucro na empresa, para que estes recursos sejam aplicados em pesquisa e na própria produção. “A remuneração mostra para nós, produtores, que vale a pena apostar nesse arroz e em outros ingredientes diferenciados”, afirma Chicão. 

Animado, o dono da Ruzene revela que não esperava tanto reconhecimento como produtor. Quando começou, apenas queria parar de trabalhar com uma commodity, no caso o arroz agulhinha, e cultivar um ingrediente de maior valor agregado. Essa visibilidade do agricultor, acredita Atala, é consequência do maior reconhecimento da cozinha brasileira e também, digamos, de certa nostalgia gastronômica. “As pessoas começam a se lembrar de suas referências de infância, querem recuperar sabores, memórias. E, para criar essas receitas, os chefs acabam recorrendo aos pequenos produtores”, diz Atala. São eles que conseguem trazer a diversidade de sabores. Aos cozinheiros, cabe criar as receitas.