Não se sabe onde nem quando essa história começa, e isso não importa. Esta semana, um exemplar de Confissões de Uma Garota Excluída, Mal-amada e um Pouco Dramática, de Thalita Rebouças, chegou à casa da estudante Emelly Gomes, de 13 anos, no Jardim Olinda, na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Doado para a Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, o livro foi separado pelas integrantes do Achadouras de Histórias depois de o pedido chegar por WhatsApp. Higienizado e embalado, ele foi entregue na casa de Emelly, de moto, por Mayara Leite, que atua no coletivo.

A ação faz parte do projeto Ligue e Leia, criado para que os moradores continuassem tendo acesso a livros durante a pandemia e o fechamento da biblioteca. As entregas são feitas duas vezes por semana e há um cardápio literário para ajudar na escolha. Naquele dia em que Emelly recebeu sua próxima leitura, foram entregues ainda obras como Nunca Desista de Seus Sonhos, de Augusto Cury; A Revolução dos Bichos, de George Orwell; As Meninas, de Lygia Fagundes Telles; gibis da Turma da Mônica; e o mangá Saintia Sho.

“Não existe palavra para descrever o quão incrível é esse projeto. Ele é maravilhoso para quem não tem boa condição de comprar livro, como eu. Vem tudo com muito amor e carinho”, diz a jovem leitora.

Não muito longe dali, também no Campo Limpo, Binho, criador do Sarau do Binho, um dos mais tradicionais da cidade, tem dois projetos de circulação – e tanto quem se deparar com a Bicicloteca pelas ruas ou passar por um ponto no dia do Livro no Ônibus pode pegar um ou mais títulos para levar para casa. Não precisa devolver, é doação. E para que eles possam seguir doando livros, precisam receber obras.

A Biblioteca Djeanne Firmino integra a rede LiteraSampa e também faz suas doações. Quando chegam livros repetidos, o grupo que gere o espaço faz questão de doar para outras bibliotecas em formação.

Vida que muda

“Estou nesta área há décadas e é emocionante ver o que acontece. Um livro pode mudar a vida de uma pessoa. E sua presença é transformadora para toda a família”, diz Bel Santos Mayer, do Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (Ibeac) e da rede LiteraSampa. “A leitura é um direito e não pode ser um privilégio. Tem de ser para toda a gente. Nós, que estamos da ponte para cá, temos a oportunidade de fazer essas histórias se multiplicarem, e precisamos fazer isso.”

Além das bibliotecas comunitárias, geralmente situadas em regiões periféricas, as bibliotecas e instituições públicas aceitam livros e outros itens afins. É preciso entrar em contato oferecendo a doação, informar os dados técnicos, e esperar que aceitem para então encaminhar.

Segundo Pierre Ruprecht, diretor executivo da SP Leituras, organização social que administra a Biblioteca Villa-Lobos e a Biblioteca São Paulo, existe uma carência de bons livros com temáticas atuais e de lançamentos – e é isso o que as pessoas costumam buscar, como nas livrarias. “Nós sempre aceitamos doações, mas não aceitamos qualquer doação. Livro didático, algumas biografias, livros em condições ruins ou publicados antes do acordo ortográfico (a não ser que muito raros ou únicos) não são aceitos”, explica Pierre.

“Para uma biblioteca ser relevante para sua comunidade, ela precisa ter literatura contemporânea e obras infantis e juvenis. E é sempre muito difícil receber livros para crianças em boas condições.” São geralmente exemplares muito usados, rasgados, faltando página, que foram parar na boca dos pequenos leitores. Um sinal de que a criança está aproveitando o objeto, de que ele não está inalcançável, e isso é bom e pode fazer a diferença na sua formação leitora.

Doação de livro

Para ajudar a construir esse acervo para a infância, mas não só, entra aqui uma sugestão de Pierre: “Se quiser doar livros que façam realmente sentido, compre um exemplar para si e outro para uma biblioteca pública ou comunitária. O público que frequenta a biblioteca quer ler as mesmas coisas que nós. A doação que vem com esse pensamento faz uma diferença enorme”.

As bibliotecas São Paulo e Villa-Lobos têm verba para aquisição, mas recebem em média 1.500 exemplares por ano – quando não entram em seus acervos, são enviadas para o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas e ficam disponíveis numa espécie de loja virtual, com centenas de obras doadas por editoras, para que as mais de 600 bibliotecas possam escolher e levar aos seus leitores.

Dicas para quem quer doar livros

O que doar?

Livros de interesse geral, como ficção e não ficção e obras infantis e juvenis em bom estado e, preferencialmente, atualizados de acordo com o Acordo Ortográfico. Títulos recentes são bem-vindos.

O que não doar?

Documentos, apostilas, enciclopédias antigas, livros danificados pelo uso, pelo tempo ou por pragas, fotocópias, obras sobre empresas ou biografias sem valor literário. São raras as bibliotecas que aceitam livros didáticos.

Como doar?

Entre contato com a biblioteca ou projeto escolhido, informe os títulos que deseja doar e, se forem aceitos, providencie o envio. No caso de doação para unidades do Sistema Municipal de Bibliotecas, a orientação é levar diretamente a uma das 106 bibliotecas da rede. Também funciona assim a doação para as cinco unidades das Fábricas de Cultura.

Por que doar?

Um livro que você já leu, ou que não leu, mas não quer mais, pode ser útil para outra pessoa. Bibliotecas comunitárias conseguem fazer compras pontuais quando contempladas por editais, mas geralmente são formadas a partir de doações. Bibliotecas públicas têm verba para aquisição, o que nem sempre é suficiente para manter o acervo atualizado e atrativo.

Para onde doar na Grande SP

Rede LiteraSampa

São 18 bibliotecas comunitárias em SP, Mauá, Guarulhos e Santo André, incluindo a Caio F. Abreu, na Casa 1, que acolhe jovens LGBT+ expulsos de casa. Veja a lista: www.literasampa.com

Bicicloteca e Livro no Ponto

Projeto de doação de livros usados para os moradores de Campo Limpo (saraudobinho@gmail.com)

Biblioteca Djeanne Firmino

Ela está reabrindo aos poucos, mas segue atendendo crianças, jovens e adultos do Jardim Olinda e arredores via delivery (WhatsApp: 11 97359-5991)

Ateliescola Acaia

Biblioteca busca livros infantis específicos. Confira a lista em www.ateliescola-acaia.medium.com/minha-primeira-biblioteca-932d2cdf284

Biblioteca de São Paulo

Primeira biblioteca da cidade inspirada nos modelos colombiano e chileno, funciona onde era o Carandiru (contato@bsp.org.br)

B. Parque Villa-Lobos

Como na SP, doações ficam no acervo ou vão para outras bibliotecas do Estado (contato@bvl.org.br)

Bibliotecas municipais

Doação local. Veja a lista: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/fale_conosco/

Museu da Língua Portuguesa

Livros recebidos são doados em ações na Luz e Bom Retiro (centrodereferencia@mlp.org.br)