A grande campeã

O gaúcho Jairo Santos Quartiero completou 70 anos em 2018. Ainda na ativa, o empreendedor, que construiu do nada uma empresa forte no setor do agronegócio, passa boa parte de seu tempo em meio a relatórios, estudos de mercado e ponderações sobre o futuro e os impactos das decisões tomadas e daquelas que ainda estão por vir. Jairo Quartiero, que raramente concede entrevistas, pode ser encontrado na sede da Camil Alimentos, na zona Oeste de São Paulo, empresa que ajudou a criar e da qual é o presidente do conselho de administração. Mas ele pode ser encontrado apenas na parte da manhã, num processo lento de desaceleração, rumo a uma aposentadoria que parece ainda estar longe de acontecer. Não é uma tarefa fácil, depois de 55 anos defendendo um projeto que levou a Camil a se tornar a maior empresa processadora de grãos inserida no mercado varejista. Isso num setor extremamente sensível aos solavancos do mercado interno, como é o caso do arroz e do feijão, os dois produtos básicos da dieta alimentar brasileira e que ainda são seus carros-chefes, embora a companhia tenha diversificado seu portfólio e internacionalizado sua presença. Hoje, a Camil atua em quatro segmentos: arroz, feijão, açúcar e pescados. E está no Uruguai, Peru e Chile. “Meu pai está aprendendo a parar”, diz Luciano Maggi Quartiero, 44 anos, CEO da Camil Alimentos e um dos três herdeiros de Jairo.

Luciano fala com admiração do processo de aposentadoria do pai. “É interessante assistir a essa transição. Ele é uma pessoa muito ativa”, diz. Ativa e compentente. No ano passado, a Camil faturou R$ 4,6 bilhões, o dobro da receita de cinco anos atrás. Pela história construída no mercado interno, o desafio de se tornar internacional e o desempenho em criar e fortalecer marcas identificadas com um consumidor que busca alimentos saudáveis para uma dieta básica, a Camil Alimentos é a Empresa do Ano no Agronegócio do prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2018. A premiação é a única do setor na qual empresas e cooperativas precisam se inscrever e prestar informações detalhadas para que sejam avaliadas por seu desempenho financeiro e corporativo. Nesta edição, a Camil Alimentos sagrou-se campeã na categoria Agronegócio Direto – Grupo Especial, com a maior pontuação entre as participantes (confira a metodologia na pág 98). Nesta categoria, para receitas anuais de até R$ 5 bilhões, a companhia venceu em Gestão Financeira e ficou em quarto lugar em Gestão Corporativa. Além disso, foi a vencedora no setor Grãos, no qual é levado em conta apenas a gestão financeira.

Sempre em frente: um dos armazéns da Camil; no dia em que a empresa abriu capital na Bolsa; e Jairo e Luciano Quartiero (pai e filho), com alguns produtos da companhia (Crédito:Divulgação)

Assim como o pai, Luciano Quartiero é um executivo reservado. Até concorda em expor os muitos desafios pelos quais a empresa passa, mas não é afeito a falar sobre a sua trajetória de executivo. Mas ela existe. E começou quando ele era um adolescente de 17 anos, no dia em que colocou os pés pela primeira vez na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), para cursar administração de empresas. Estudou quatro anos no período noturno, porque não havia outra opção. “Meu pai disse que o primeiro dia de faculdade seria também o primeiro dia de trabalho”, lembra Luciano. E assim foi feito. Ele começou no chão de fábrica da Camil, no setor de expedição. Carregou caminhão, dirigiu empilhadeira, empacotou e classificou arroz, passando por todos os setores operacionais. Depois de formado, ainda no setor de expedição, foi fazer MBA em finanças e um curso de extensão, também em finanças, na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Quando retornou ao Brasil, entrou no setor de administração financeira da companhia. O cargo de CEO veio em 2011, quando a Camil iniciou o processo de abertura de capital na Bolsa de Valores B3, fato consolidado no ano passado.

Hoje, a agenda de Luciano Quartiero, casado há 17 anos e pai de uma adolescente de 14 anos e de dois meninos, inclui inúmeras reuniões não mais na área operacional, onde formou sua base profissional, e sim na executiva. E faz muitas viagens pelo País e pelo exterior. A Camil possui 25 unidades de processamento, produção e distribuição de alimentos. Luciano visita cada uma delas pelo menos uma vez por ano. As mais importantes recebem até duas visitas. Além disso, há viagens com gerentes regionais de venda para reuniões com clientes, as necessárias nos processos de consolidação das aquisições e aquelas a potenciais investidores na companhia. Hoje, a Camil tem clientes em 60 países, 3,5 mil funcionários no Brasil e
2 mil no exterior. Sem contar os produtores rurais parceiros: são 1,5 mil no Brasil, 400 no Chile e 200 no Uruguai. “Como minha origem está no operacional, às vezes parece que chego ao fim do dia e não fiz nada”, diz. “Mas a rotina é muito corrida.”

Entender os movimentos da família Quartiero é um exercício de compreensão de para onde caminha a Camil e como ela vem sendo desenhada para o futuro. A gestão do negócio tem na inquietude uma de suas armas para atuar no mercado. “Meu pai sempre foi um empreendedor nato. Sempre saiu da zona de conforto buscando expor-se aos desafios”, afirma Luciano. “E nós crescemos assim.” Do início do transporte de arroz produzido por agricultores cooperados, em 1963, à abertura de capital na Bolsa de Valores, no ano passado (confira os passos da empresa no quadro ao lado), a companhia mantém três valores em sua governança: disciplina, transparência e simplicidade. E eles estão estampados pelos corredores da empresa. Exemplo dessa tríade comportamental se deu na década de 1990, quando a Camil aceitou ter seu primeiro sócio, o TCW, fundo americano de capital privado. “Termos esse fundo como primeiro sócio foi um aprendizado. Isso trouxe muito conhecimento para nós, como família, de como tocar o negócio”, diz o executivo. “Foi essencial para olharmos o mercado de uma forma mais estratégica e pensar em crescimento, não somente pela via orgânica, mas também via aquisições”, analisa.

Não por acaso, o período que vai dos anos 2000 até hoje pode ser considerado um único movimento. Foi a partir daí que começou a internacionalização da companhia. Em 2007, ela foi para o Uruguai. Dois anos depois, para o Chile. Em 2011, chegou ao Peru e aportou na Argentina em 2013. Sempre comprando empresas detentoras de marcas fortes, como a peruana de grãos Ormus, da marca Hoja Redonda. No Brasil, ocorreu o mesmo movimento. A Camil comprou as marcas de açúcar União e da Barra, e as marcas de pescados Coqueiro, Alcyon e Pescador. Atualmente, olhando as oportunidades para novos vôos, os executivos da companhia têm dois desejos: entrar no segmento de cafés especiais e na cadeia do trigo. “Esse desejo é latente e não é de hoje”, diz Luciano Quartiero. “Vamos usar a mesma receita para entrar em novos setores, sempre por meio de aquisições de marcas fortes, como fizemos com pescados e com açúcar.” O plano é comprar a primeira ou a segunda marca mais importante do segmento. Dependendo do setor, até a terceira.

O importante é seguir crescendo.