No dia 4 de julho, a unidade paulistana do Blue Note, clube de jazz fundado em 1981 em Nova York, recebeu 400 convidados para um evento fechado. Na ocasião, celebravam o Dia da Independência dos Estados Unidos, com uma vista de ponta a ponta da Avenida Paulista, o centro econômico da capital. Uma bebida de origem brasileira, de cor caramelo brilhante, o espevitado rabo de galo, não passou despercebido entre os requintados drinques gringos servidos na festa.

O som, como tinha de ser, foi o jazz, que nasceu da junção de ritmos afro-americanos, como o rabo de galo, que tem na sua origem a imigração italiana misturada aos nativos dos bairros paulistanos. Nasceu em meados dos anos 1950, quando a colônia e seus descendentes adicionaram à boa cachaça o vermute, um licor originário da Europa e feito à base de vinho. Batizaram a bebida de “cocktail”. Na tradução, acabou como rabo (tail) de galo (cock). “O rabo de galo expressa muito bem as raízes da cultura brasileira”, afirma o bartender baiano Derivan Ferreira de Souza, de 62 anos.

Mestre Derivan, como é conhecido, é uma espécie de celebridade no mundo da coquetelaria de alto padrão. Está no segmento há 46 anos. Há 3 anos, ele organiza o Concurso Nacional de Rabo de Galo, evento que deu corpo a esse movimento e que serve para premiar a melhor combinação de cachaça e vermute. “O que estamos propondo é que cada profissional tenha a possibilidade de interpretação e releitura, para que se comunique de modo mais pessoal com o seu cliente”, afirma. “O rabo de galo está na memória de todo mundo. O avô, o pai ou o tio de alguém já experimentou.” Mas anote: no Rio de Janeiro e na Bahia ele se chama traçado.

Evandro Weber, da Weber Haus, acha que o coquetel é uma oportunidade.

Derivan não está sozinho nessa empreitada para destacar o rabo de galo na coquetelaria nacional. O evento paulistano deu o pontapé a um movimento em ascensão da indústria de bebidas, para colocar o drink no menu da Associação Internacional de Bartenders (IBA, na sigla em inglês), com sede em Singapura. A IBA reúne 63 países, incluindo o Brasil. Neste mês de novembro, quando acontece mais uma reunião da entidade, o rabo de galo passa a ser tema na mesa de negociação. A caipirinha já figura em seu menu desde 1994. “Como a cachaça está em 60 países e o vermute em mais de 200, fica muito fácil fazer um rabo de galo em qualquer parte do mundo”, diz Souza.

De carona

A entrada de drinques, como o rabo de galo, na lista de bartenders internacionais atende ao propósito dos produtores de cachaça para que a bebida faça parte das novas experiências do consumidor. “A caipirinha tem um forte apelo cultural, mas ela não oferece muita variedade se o limão for siciliano e o gelo, em cubo, por exemplo”, diz Mestre Derivan. “Então, o caminho é diversificar.”

Para Carlos Lima, diretor-executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça, os produtores da bebida acreditam em uma maior visibilidade, caso consigam pegar carona nesse movimento. “Ao contrário de alguns destilados, como a tequila no México, o whisky no Reino Unido ou o champagne na França, a cachaça ainda não conquistou o seu lugar como nosso símbolo nacional”, afirma Lima. “Por isso, ainda há espaço para o País explorar e os drinks nativos são uma saída.” Os números desse mercado dão a medida da participação do Brasil e de outros países no segmento de destilados. Ao México, por exemplo, o comércio de 224 milhões de litros de tequila rendeu US$ 1 bilhão. Já o Brasil, com 8,4 milhões de litros de cachaça no mundo, faturou US$ 15,6 milhões.

Para Evandro Weber, dono da marca Weber Haus, cachaçaria construída por imigrantes alemães em 1948, na cidadezinha de Ivoti, interior gaúcho, seria um diferencial ter o rabo de galo no menu de drinques internacionais. “O rabo de galo é uma boa oportunidade para mostrar cachaças de qualidade”, afirma Weber. “Uma coisa é você tomar uma dose. Outra, bem diferente, é o produto cachaça entrar em um menu, com uma mistura”. Neste ano, a Weber Haus deve produzir 320 mil litros, 8% acima do ano passado e 25% acima de 2017. Com 68 cachaças de valores entre R$ 40 a R$ 5 mil a garrafa, exporta para 22 países, entre eles Estados Unidos, China, Itália e Japão.

A onda desse movimento da coquetelaria não está restrita apenas ao vermute na composição do rabo de galo. Ela também tem atraído empreendedores de outros tipos de bebidas. A San Basile é um exemplo. A marca foi criada em junho deste ano por Renato Chiappetta, 39 anos, herdeiro de um dos empórios mais famosos de São Paulo, aberto em 1933. Nasceu com 4 licores destinados às variáveis de misturas para um rabo de galo: o Bitter Vermelho, o Fernet, o Artichoke (amargo de alcachofra) e o Amaro Stomático. No total, são 16 produtos San Basile. “Sou apaixonado pela caipirinha. Mas, como drinque, o rabo de galo é único”, diz Chiappett. “Ele é um pouco a cara do Brasil, ao misturar ingredientes locais com os de fora, caracterizando muito bem o que foi a imigração no nosso País.”