Para explicar o momento que o setor sucroalcooleiro está vivendo, nada melhor que a brincadeira de criança conhecida como efeito dominó ou efeito cascata. O passatempo consiste em colocar os dominós em pé numa fileira, de modo que, se o primeiro for derrubado, também caem os demais. É isto que está acontecendo no setor e o detonador da sequência de quedas é a crise financeira global. Isso porque muitas usinas se alavancaram em dólar para expansão ou construção de novas unidades e agora estão com dificuldades para quitar suas dívidas. A situação se torna ainda mais grave por causa da escassez de crédito.“As tradings que compram açúcar e costumavam dar crédito ao mercado evaporaram, e as que não sumiram estão cobrando tarifas muita elevadas. O Banco do Brasil entrou com crédito, mas não foi suficiente. Na busca desesperada por dinheiro, teve trading que não pagou usina, usina que não pagou fornecedor”, diz Miguel Biegai, analista de cana-de-açúcar e bioenergia da consultoria Safras & Mercado. Neste cenário, a maioria das usinas ficou sem capital de giro para realizar operações básicas. “As mais apertadas acabaram jogando o álcool no mercado a qualquer preço para fazer caixa. As que não estavam endividadas tiveram que acompanhar e acabaram descapitalizadas”, diz Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV. Só para se ter uma idéia, no ano passado, o álcool chegou a custar menos de 60% do preço da gasolina. Agora, na entressafra, que o preço deveria ter melhorado, o aumento foi muito aquém das necessidades.

“ Teve trading que não pagou usina, usina que não pagou fornecedor ”

MIGUEL BIEGAI, analista de cana-de-açúcar e bioenergia da consultoria Safras & Mercado

De acordo com José Coral, presidente da Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), na região da Grande Piracicaba, que abrange 35 municípios e responde por uma produção de 40 milhões de toneladas, as usinas pagaram corretamente até outubro e, a partir daí, algumas começaram a atrasar o pagamento de fornecedores. “Eles, por sua vez, estão com dificuldades para pagar suas contas e acabam atrasando o salário de seus trabalhadores”, diz. Na região de Ribeirão Preto, a Santelisa Vale, que está refinanciando sua dívida, foi uma das que atrasou o pagamento. Segundo sua assessoria de imprensa, o ocorrido foi uma questão de fluxo de caixa, mas a Santelisa já fez um acordo e parcelou o pagamento com seus fornecedores, que são mais de mil. Outro agravante, segundo Coral, é que o custo de produção da cana-de-açúcar aumentou e o valor pago pela tonelada não acompanhou. “O preço está 35% abaixo do que deveria”, diz.

Com este trio de mazelas – falta de crédito, atraso de pagamentos e preços defasados –, o agricultor está deixando de renovar a área plantada, consequência que será sentida a médio prazo, não nesta próxima safra, mas nas seguintes. “Os produtores costumavam renovar 1/5 da lavoura todo ano, mas estão deixando de fazer isso. Também não estão usando fertilizantes, nem defensivos, o que vai causar uma queda de produtividade”, diz Coral. Na região de Piracicaba já houve uma baixa na produção de cana de 7% na safra 2008/ 2009 e a expectativa é que chegue a 10% no ciclo 2009/2010. A decisão dos produtores de colocar menos tecnologia na lavoura é decorrente do cenário atual. “Geralmente, temos um ano bom, outro médio e outro ruim, mas este é o segundo ano ruim. Deste jeito, o agricultor não aguenta”, diz Coral.

Numa conjuntura como esta, se a Petrobras reduzir o preço da gasolina, como se cogita, pode ser um colapso para o setor. “Não acredito na redução da gasolina de forma drástica. O mais coerente é a Petrobras reduzir o preço do diesel, que tem um impacto direto em todo o setor produtivo, do que mexer na gasolina, o que impactaria negativamente um setor expressivo da economia, como o sucroalcooleiro”, diz Biegai.

RAIO X DO SETOR SUCROALCOOLEIRO

Os fatores que têm levado as usinas a atrasar o pagamento dos fornecedores

Caos financeiro mundial: arrasou as bolsas de valores no mundo e acarretou na desvalorização do real diante do dólar;

Falta de crédito: foi a consequência imediata da crise econômica e provocou o sumiço de trades e agentes financiadores;

Endividamento: as usinas se alavancaram em dólar e com a alta da moeda americana as dificuldades vieram à tona;

Etanol: o baixo preço do combustível piorou a situação das usinas, que deixaram de pagar os fornecedores.