Maycon Miller, 23 anos, é um dos principais guias de esportes radicais de Nova Fribugo, município da região serrana do Estado do Rio de Janeiro. O rapaz é referência para trilhas e escaladas de desafio. Tamanho respaldo não é à toa. Ele aprendeu as técnicas do esporte com os amigos Sérgio Tartari e Alexandre Portela, hoje os principais atletas do alpinismo brasileiro. Miller poderia ter seguido os mesmos passos da dupla, se aventurando pelo mundo, mas preferiu continuar onde sempre esteve: na sua terra natal. Isso porque ele tem outra paixão além dos esportes radicais: o agronegócio. Miller cultiva hortaliças e acredita no futuro do negócio. E como filho de agricultores, ele quer fazer da terra a sua fonte de renda. “Os passeios são para momentos ocasionais, mas a agricultura é todo o ano”, diz Miller. “Esse é o negócio que quero.”

VETERANO: Altair Rocha, 32 anos, apresenta sua produção de rúcula orgânica. Com esse mercado, o agricultor vem faturando mais (Crédito:Marco Ankosqui)

A história de Miller destoa da fatal realidade de que o campo vai abrigar cada vez menos pessoas no futuro. Em 2017, a população rural brasileira estava estimada em 28,6 milhões, 16,6% a menos do que há 20 anos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). Essa queda continuará nas próximas décadas. Por isso, é cada vez mais importante compreender quais os motivos que levam jovens, como Miller, a escolherem o campo em detrimento de uma vida urbana. Suas razões podem ser a chave para um agronegócio cada vez mais sustentável, do ponto de vista social e econômico. É o que mostra uma pesquisa do Instituto Souza Cruz (ISC), realizada no segundo semestre do ano passado. Foram entrevistados 224 produtores, entre 20 anos e 30 anos de idade, nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. A maioria, 197 deles, 88%, prefere o campo à cidade e querem empreender. Ainda, 195 desses jovens, 87%, têm planos de dar continuidade aos negócios da família. Para o advogado Renato Casarotti, presidente do ISC, braço de ações sociais da brasileira Souza Cruz, empresa controlada pela britânica British American Tobacco (BAT), é preciso trabalhar com as diversas realidades do campo. “A pesquisa apontou uma oportunidade”, diz ele. “Uma vez capacitados e com ferramentas de gestão, os jovens escolhem o campo como ambiente de geração de renda.”

VIVEIRO DA MODA: Camila Resende, 22 anos, poderia ter escolhido a carreira de modelo, mas escolheu ser viveirista e hoje cultiva mudas de hortaliças em Nova Friburgo (Crédito:Marco Ankosqui)

É nesse nicho, o da resistência dos pequenos produtores, que o ISC vem apostando. Em 2017, foram investidos R$ 1,5 milhão em ações sociais. Entre elas estão projetos educativos e de cultivo de hortas em escolas públicas, além de outros que estimulam a juventude rural a criar uma geração de valor no campo. Desde 2012, por exemplo, foram investidos R$ 3 milhões no programa Novos Rurais, em parceria com escolas técnicas agrícolas. A iniciativa consiste em dez meses de aulas, nas quais 40 participantes recebem capacitações teóricas e práticas em gestão e administração de startups. Ao final, cada aluno recebe R$ 3 mil para iniciar seu o negócio. O programa já formou 2,3 mil estudantes nos três Estados do Sul, onde a pesquisa foi realizada, mais o Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará. Esse grupo já criou 746 startups, gerou cerca de duas mil toneladas de alimentos e um movimento financeiro de R$ 21 milhões. “Ao promover geração de renda, o programa incentiva a sucessão familiar e a independência financeira”, diz Casarotti. Hoje, a iniciativa é reconhecida pela FAO como uma boa prática para o desenvolvimento sustentável.

Miller se formou na turma dos Novos Rurais de 2014. Saiu da escola para deixar para trás o modelo de negócio da família, que ainda faz cultivo convencional. Em uma área de terceiros, ele passou a produzir 20 variedades de hortaliças orgânicas, entre elas tomate cereja, brócolis, cenoura, beterraba, repolho e espinafre. Em 2017, Miller inovou mais uma vez. Em vez de vender a granel, ele passou a oferecer a produção através do aplicativo Whatsapp, em caixas com 12 itens da lavoura direto para a casa do consumidor. Hoje ele faz 50 entregas semanais. No ano passado, a receita foi de R$ 40 mil, um negócio ainda pequeno, mas que deve tomar fôlego. A meta de Miller é entregar 100 caixas por semana. Seu espelho é o amigo Altair Rocha, 32 anos, formado na primeira turma dos Novos Rurais, em 2012. Na época, seu negócio rendia R$ 70 mil, por ano. Em 2017, foram cerca de R$ 170 mil, a partir de uma lavoura de quatro hectares tocada em parceria com dois sócios. Foram colhidas 140 toneladas de hortaliças, quase todas vendidas na cidade do Rio de Janeiro. “Na média, nos últimos anos, temos crescido 20% ao ano”, diz Rocha. “O mercado tem crescido junto.”

Mas os alunos dos Novos Rurais não estão apenas na produção direta ao consumidor. A técnica agrícola Camila Schuenck Resende, 22 anos, viu no cultivo de mudas uma oportunidade de negócio. Sua startup é um viveiro de hortaliças convencionais, como couve-flor, brócolis, tomate, alface e rúcula. A receita foi de R$ 90 mil em 2017. Mas sua história poderia ter sido bem diferente. Em 2014, o mesmo ano em que cursou os Novos Rurais, Camila também fez um curso em São Paulo para ser modelo de passarela. “Passei uma semana nesse curso, mas preferi ficar mesmo foi no campo.” Hoje, ela possui cinco estufas para mil mudas e atende 30 produtores. “A ajuda do Novos Rurais foi essencial”, diz ela. “O programa não me deixou desistir do campo.” Foi também com a ajuda do ISC que ela conseguiu acessar uma linha de R$ 30 mil do Programa Nacional para a Agricultura Familiar (Pronaf) para montar o negócio. “Fui a primeira jovem a conseguir essa linha aqui na região”, afirma Camila.

GAÚCHOS Já em Canguçu (RS), os irmãos James e Jaderson Bunde Roschildt, de 21 e 23 anos, respectivamente, também formados em 2014, montaram em 2017 uma oficina mecânica para reparos de máquinas agrícolas. “Hoje consigo resolver pequenos problemas”, diz Jaderson. “Mas quero me especializar em sistemas elétricos e motores de equipamentos mais avançados, como colhedeiras de grãos.” A meta dos irmãos é faturar cerca de R$ 40 mil por ano com a oficina, um negócio paralelo aos cultivos de fumo, soja, milho e à ordenha de 60 vacas leiteiras. “No campo temos tudo que precisamos”, diz James. “Em lugar algum teríamos a mesma qualidade de vida.”

OVOS DE OURO:com um aviário, Caroline Steffenmunsberg, 23 anos, fatura mais do que se estivesse trabalhando em um emprego formal na cidade (Crédito:Marco Ankosqui)

Os irmãos são um exemplo de que a qualificação faz a diferença. Canguçu é o município que possui o maior número de minifúndios do País. São cerca de 14 mil propriedades rurais com foco na produção do fumo e o programa Novos Rurais está mostrando que a diversificação da produção local pode ser um bom caminho para fixar os jovens no campo. Como é o caso de Pablo Kickofel, 26 anos, que fez um resgate da ovinocultura tocada por seu pai, Evaldo Melchek, 53 anos. “Com a ajuda financeira do programa melhorei a genética do rebanho”, diz Kickofel. “Espero fazer dessa atividade a principal fonte de renda da família.” O rebanho, que era de 30 animais da raça texel, hoje é de 100 animais. Com uma genética mais apurada, a produção de carne saiu de 15 quilos, por animal, para 17 quilos. A meta é ter 150 texel, produzir 25 quilos de carne por animal e faturar R$ 20 mil por hectare. O valor se equipara aos ganhos com o fumo.

IRMÃOS À OBRA James, 21 anos, e Jaderson Roschildt (à dir.), 23 anos, abriram uma oficina mecânica para máquinas agrícolas (Crédito:Marco Ankosqui)

Caroline Steffenmunsberg, 23 anos, também fez muitas contas antes de tomar a decisão de permanecer no campo. Uma delas a convenceu, definitivamente. Hoje, sua atividade é criar 270 galinhas caipiras para vender ovos. Em seu aviário, ela ganha exatos R$ 8,78 por hora trabalhada. Em um emprego formal na cidade de Canguçu, na melhor das hipóteses, de acordo com suas contas, ela ganharia R$ 5,19. “Além disso, tenho a vantagem de trabalhar menos horas, porque o trato alimentar das galinhas é matinal”, diz ela. “O resto do dia posso estudar.” Caroline iniciou sua granja no final de 2016 e desde então já colheu 4,4 mil ovos. Agora, ela quer melhorar o manejo para que as galinhas não deixem de botar no inverno, período em que a produção cai e falta ovos na região. Ela já experimentou esse processo no inverno passado. “Já deu para ver que posso ganhar mais, porque o preço do ovo sobe nessa época”, diz ela. “O negócio precisa render.”

SALTO GENÉTICO: o produtor Pablo Kickofel, 26 anos, com seu rebanho de ovelhas texel, quer produzir até 25 quilos de carne por animal (Crédito:Marco Ankosqui)