Em tempos de protestos, produtores agrícolas também tomaram as ruas para se manifestar contra um problema que vem tirando o sono de ruralistas há décadas: a condução da política indigenista no Brasil. No dia 14 de junho, eles se uniram em passeata em várias regiões do Brasil, com o apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), de sindicatos de produtores e da Sociedade Rural Brasileira (SRB), entre outras entidades. “Distribuímos mais de 20 mil panfletos nas estradas e o movimento vai continuar”, diz Rogério Beretta, diretor de relações institucionais da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul).

A pressão das lideranças do agronegócio e dos produtores surtiu efeito. No fim de junho, o governo anunciou que poderá comprar a Fazenda Buriti, em Sidrolândia, que virou um símbolo dos conflitos em Mato Grosso do Sul. Foi nessa propriedade, invadida em maio deste ano, que o índio Oziel Gabriel morreu, durante a reintegração de posse da área. Até agosto, o governo fará uma proposta de compra da terra ao dono, o ex-deputado estadual Ricardo Bacha, cuja propriedade de 302 hectares foi adquirida por sua família em 1927. Mesmo assim, a história ainda parece estar longe do capítulo final. Mais de 70 fazendas foram invadidas no Estado, casas e lavouras foram destruídas, e o clima continua  tenso na região. “O sentimentogeral é de impunidade”, diz Beretta. “Mas, mesmo indignado, o produtor respeita as populações indígenas e aguarda uma solução.”

O problema é que, em muitos casos, se a Justiça reconhece que uma terra não é indígena, há resistência durante a reintegração de posse da propriedade. Segundo Gustavo Passarelli, assessor jurídico da Famasul, existe aí um complicado embate entre o conceito antropológico e o jurídico. “Devemos garantir o direito dos índios, mas também precisamos respeitar o direito de propriedade”, diz Passarelli. “Para resolver a questão, será preciso acabar com a insegurança jurídica.”

O cenário é permeado por suspeitas de que os laudos antropológicos da Fundação Nacional do Índio (Funai), que determinam as decisões de demarcação das reservas, são fraudulentos. Além disso, os produtores dizem que entidades como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e outras ONGs estimulam invasões de terras e incitam a violência. “Os índios estão sendo manipulados por essas organizações ”, diz Beretta. “E o produtor fica no meio desse fogo cruzado.” Agora, a reivindicação se concentra no pedido de que a política indigenista seja repensada e o modelo de demarcação de reservas passe a envolver entidades ligadas ao agronegócio, como o Ministério da Agricultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Embrapa. Enquanto isso não acontece, os produtores seguem preocupados. No município de Sete Quedas (MS), que tem uma área total de 85 mil hectares, indígenas estão reivindicando a demarcação de 12 mil hectares desde 2008. Segundo o presidente do Sindicato Rural da cidade, Orlando Vendramini Neto, os proprietários moveram uma ação e conseguiram embargar o processo, mas os índios permanecem na área, onde está localizada a aldeia Sombrerito. “A invasão nos deixa revoltados. Os produtores estão nessas terras há mais de 50 anos, com títulos emitidos pelo Estado”, diz. “Se a Funai for demarcar tudo que deseja, o Brasil inteiro vai virar uma reserva indígena.”

Em Tacurú (MS), terras invadidas há mais de 15 anos foram demarcadas e hoje abrigam as aldeias Sassoró e Jaguapiré. De acordo com a presidente do Sindicato Rural de Tacurú, Maria Neide Casagrande, a população convivia de maneira pacífica com os índios, mas o cenário recente é de muita tensão em todo o Estado. “Não temos mais segurança no campo”, diz Maria Neide. “Os índios invadem, incendeiam fazendas, e são os produtores que levam o prejuízo.” Tacurú é vizinho da invasão entre a reserva Sassoró e a Fazenda Cambará, que resultou em conflito durante a reintegração de posse determinada pela Justiça, no ano passado, quando os índios da etnia guarani-caiová ameaçaram suicídio coletivo. “Vivemos uma guerra que não faz sentido”, diz Maria. “Alguns líderes indígenas dizem que eles não precisam de mais terras. O que eles querem é assistência, habitação, educação, saúde, saneamento.” No Paraná, os produtores se dizem ainda mais injustiçados. Na região de Terra Roxa e Guaíra, 18 propriedades foram ocupadas por índios. Mas um relatório da Embrapa divulgado em junho questionou os dados da Funai para demarcar essa áreas. O documento, baseado em imagens de satélite, informou que as terras foram ocupadas por índios apenas a partir de 2007. Para o antropólogo Hilário Rosa, o cenário é agravado pela ocupação de índios que não são genuinamente brasileiros. “A legislação indígena brasileira é muito generosa. Por isso, índios do Paraguai e da Bolívia estão vindo em busca de terra”, diz Rosa. “Eu defendo o índio, mas o que vejo hoje é uma farra antropológica e injustiças contra o produtor rural.”

O produtor de soja e milho Roberto Weber sentiu na pele o problema. Ele tem uma propriedade de mil hectares em Terra Roxa, comprada pelo pai em 1979. Desde agosto de 2012, uma área de 150 hectares está ocupada. “Índios surgiram do nada e invadiram a fazenda”, afirma Weber. “Nunca imaginei viver um pesadelo desses.” O produtor calcula prejuízos acima de R$ 450 mil e teme que o grupo avance ainda mais na propriedade. Para lutar por seus interesses e de outros produtores, Weber assumiu a presidência da Organização Nacional de Garantia de Direito à Propriedade (Ongdip), criada em março, que já conta com mais de 500 associados. “O produtor precisa de defesa e apoio”, diz. “Estamos lutamos pela paz e pela justiça.”