Rural. Nas telas de seus notebooks, que estão sempre à mão, planilhas de Excel, balancetes, questionários e pesquisas fazem parte de um aprendizado que está transformando as suas vidas e a vida de suas famílias.

Assim como o grupo que recebeu a reportagem da DINHEIRO RURAL no mês passado, integrantes de um projeto de pesquisa em parceria com a Embrapa, outros 90 jovens são alunos da escola Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves (CFR-PTN). Entre os principais mantenedores da escola estão a Fundação Odebrechet, a Mitsubishi Corporation do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os jovens saem dessa escola rural qualificados como técnicos agrícolas, ao concluírem os três anos de estudos relativos ao ensino médio. 

Nesse período, são preparados para uma dupla missão: tornarem-se protagonistas de seus próprios destinos e influenciar a comunidade na qual vivem. “O objetivo é formar donos de seus próprios negócios porque Daniele Brito Vanessa dos Santos Souza Alessandra de Souza Vandeilton Santos Turma da pesada: jeans e laptops são acessórios obrigatórios dos futuros empreendedores todos eles são filhos de agricultores”, diz o agrônomo Quionei Araújo, diretor de ensino executivo da CFR-PTN. “A ideia é que eles, ao retornarem às suas comunidades, sejam propagadores de informações inovadoras no modo de gerir uma propriedade rural.” 

A filosofia de ensino é baseada em uma ideia desenvolvida na França, na década de 1930, conhecida como pedagogia de alternância. Os alunos permanecem por uma semana internados na escola, com aulas teóricas e práticas, e duas semanas em suas comunidades, aplicando na prática o que aprenderam nas salas de aula. Segundo a pedagoga Sirléia Rossi, para modular as aulas são usados conceitos didáticos que mesclam as teorias do educador brasileiro Paulo Freire, do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky e do suíço Jean Piaget. “Em resumo, o que esses cientistas sociais diziam é que mais do que a escola é a sociedade que desenvolve o aluno”, afirma Sirléia. 

Não por acaso, Adilson Jesus dos Santos e seu sócio Lucas Rocha, ambos com 20 anos, não tinham a menor ideia em relação ao seu futuro quando iniciaram os estudos, de acordo com suas próprias palavras. “Eu sabia apenas que queria estudar”, afirma Adilson. “No início tinha medo de me tornar um empresário, mas com o tempo fui aprendendo.” Hoje, os dois cultivam em parceria uma área de 15 hectares, onde plantam mandioca, banana e abacaxi. “Nosso projeto é arrendar mais 20 hectares”, diz Lucas. Para tocar o projeto, eles dão emprego a quatro trabalhadores locais que os ajudam na labuta diária, além de já terem influenciado dois amigos de suas comunidades a fazer parceria para produzir. 

O espírito empreendedor não faz distinção de sexo. As amigas Vanuse dos Santos Sousa, 18 anos, e Itamara dos Santos, 19, têm planos ainda mais ousados. Elas também arrendam terras, mas querem se tornar proprietárias de seus negócios. Por enquanto, tocam seus projetos em terras arrendadas ou nas da própria família. “Nosso sítio de dez hectares tem muito morro e já está ocupado com cacau, banana e cravo-daíndia”,  diz Itamara. “Vou comprar uma terra plana para plantar mandioca e abacaxi.” Ela diz que já tem metade do dinheiro e que o restante estuda captar via Pronaf, o programa de crédito do governo federal para a agricultura familiar. Vanuse, que controla suas contas na ponta do lápis, acredita que até 2016 vai ter recursos para adquirir seu pedaço de chão. Ela conseguiu faturar R$ 16 mil brutos por safra, nos últimos dois anos, em uma área de 0,9 hectare arrendada de um tio. “Era só mato no lugar”, diz. “Agora, está uma beleza.”

Os estudantes conseguem  se planejar porque, além das disciplinas obrigatórias a todos os alunos do País, e dos temas de base, como produção de culturas e sanidade animal e vegetal, fazem parte da grade curricular da CFR os chamados temas transversais. Entre eles estão economia, gestão corporativa e financeira, administração, meio ambiente e sustentabilidade. “É o que eles respiram”, diz o agrônomo Marcos Novais, professor da escola. A professora Helen Nunes, também formada em agronomia, afirma que todo o conteúdo serve para o plano de negócios que cada aluno desenvolve individualmente ao longo do curso. “Cada um deles tem o seu próprio projeto e vai até aonde o braço alcança.”

A história de Jean Rangel ilustra com perfeição o que pode acontecer quando um projeto bem-feito não sai dos trilhos. A presença de Jean na escola mudou radicalmente a vida da família formada pela mãe, Maria Glória Queiroz de Santana, que apenas sabe escrever o nome, e quatro filhos. Donos de dez hectares com cacau, maracujá, cravo, pimenta-doreino e mandioca, toda a produção da safra era vendida a atravessadores. “Vendia por caminhão”, diz Maria Glória. “Por exemplo, a R$ 10 o quilo de cacau.” Em maio, por influência de Jean, Maria Glória se associou à Cooperativa dos Produtores Rurais do município (Coopatan). “Já recebi duas visitas técnicas”, afirma. “Agora, vou saber o que gasto e quanto ganho, tudo bem anotadinho pelo Jean.” A produção, agora controlada, não mais acabará nas mãos de atravessadores, mas irá para a cooperativa. 

ÊXODO – A assistência às famílias, além da orientação técnica, inclui alguns serviços. O mais importante, porque alavanca a produção dessas pequenas propriedades, é a análise do solo. Em 2010, a escola montou um laboratório próprio e atualmente realiza 1,5 mil análises por ano. “Saber o potencial da terra e sua estrutura é a condição mínima para se fazer agricultura”, diz Adilton do Nascimento, ex-aluno da escola, responsável pelas análises. “Quanto mais produção, melhor para a cooperativa.” Maria Glória, por exemplo, nunca soube quanto de adubo era utilizado em sua lavoura. “Era de mão, pegava e jogava o que tinha, sem saber se era o que a planta precisava”, diz.

A cooperativa e a Casa Rural estão ligadas indissoluvelmente. A cooperativa, fundada há 14 anos, nasceu de um grupo de 30 produtores de mandioca da região do Baixo Sul baiano. Mas, apesar de organizados, eles viram que não conseguiam dar conta do principal problema das famílias locais: o êxodo dos filhos, do campo para a cidade. “O grande objetivo da cooperativa, além da justa remuneração, era perenizar o negócio”, diz Araújo. “Por isso, em 2006, depois de dois anos de estudos, nasceu a CFR.” Atualmente, a Coopatan, que tem 320 cooperados, com propriedades de cinco

hectares, em média, e renda mensal de R$ 1,8 mil, estende a possibilidade aos jovens que não são filhos de agricultores associados. A cooperativa processa 20 toneladas de mandioca, por dia, e comercializa seus produtos, como farinha, a mandioca para consumo in natura, além de frutas e hortaliças vendidas para algumas redes varejistas, entre elas as regionais GBarbosa e Ebal, na Bahia e em Sergipe, e em lojas da gigante americana Walmart.