Antonio Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec)

Exportar carne bovina in natura para os Estados Unidos é um projeto que há décadas está sobre a mesa da Abiec. Por vários  motivos, sanitários principalmente, o Brasil, que exporta regularmente o produto industrializado, jamais teve acesso àquele mercado, conhecido por suas regras rígidas de controle da cadeia produtiva. Mas tudo indica que a resistência americana está prestes a cair. Para falar sobre esse e outros temas do setor, a DINHEIRO RURAL entrevistou Antonio Camardelli, presidente da Abiec. “Os Estados Unidos vão abrir mercados para nós, de graça”, diz Camardelli. “Junto com os americanos, outros países que hoje se alinham a eles virão ao País comprar carne.” Em 2013, a receita total das exportações de carne bovina, totalizou US$ 6,6 bilhões.

DINHEIRO RURAL – Pela primeira vez, os Estados Unidos estão perto de liberar a importação de carne bovina in natura do Brasil. Quando isso pode acontecer?
ANTONIO CAMARDELLI –
Desde 2012, quando as conversas entre os dois países recomeçaram, as tratativas evoluíram de forma consistente, o que não havia ocorrido das outras vezes. Desde dezembro do ano passado, estamos realmente vivendo a expectativa da abertura do mercado americano. Acredito que isso possa acontecer a qualquer momento, ainda neste primeiro semestre.

RURAL – O que falta para que o Brasil comece a exporter a carne in natura aos americanos?
CAMARDELLI –
Da parte do Brasil não falta nada. O setor já passou por várias avaliações técnicas, no ano passado. Acontece que, nos Estados Unidos, o pedido brasileiro deve ser submetido à consulta pública junto aos produtores locais. São eles que vão dizer às autoridades do país se existe algum risco para a produção americana com essa abertura. Inicialmente, os americanos informaram que a consulta terminaria em fevereiro,
mas, devido a problemas de agenda deles, o prazo foi prorrogado até abril.

RURAL – O Brasil se tornou o maior exportador mundial de carne bovina com um produto barato. Importar essa carne poderia gerar um impacto  negativo aos americanos?
CAMARDELLI –
Tenho certeza de que não vamos gerar problemas para os produtores americanos. Os estudos que se tem a respeito do impacto econômico dessa abertura não apresentam nenhum ponto de atenção. Os Estados Unidos definirão uma cota de compra de carne para o Brasil, assim como fazem com outros países. Estaremos submetidos a esse regime de cotas.

RURAL – Qual o volume de carne que os americanos poderiam comprar no Brasil?
CAMARDELLI –
A Abiec fez um estudo para saber qual o potencial do mercado americano para nós, mas qualquer informação passada nesse momento poderia atrapalhar a consulta pública. No entanto, há um desdobra mento positivo para o Brasil, que vai muito além do que os americanos possivelmente comprarão no País. Os Estados Unidos vão abrir mercados para nós, de graça. Outros países, que hoje se alinham a eles e que sempre resistiram ao produto brasileiro, virão ao País comprar carne. Teremos acesso a mercados importantes, como o Nafta, bloco econômico composto pelos países da América do Norte, além de países da América Central, como a Jamaica. Pensamos, inclusive, nos países africanos, que vêm melhorando seu padrão de consumo, mas que, por não contarem com um serviço de inspeção organizado, se protegem de eventuais problemas sanitários utilizando a lista dos importadores americanos.

RURAL – Por que o Brasil não abriu o mercado americanoanteriormente?
CAMARDELLI –
Nós nunca deixamos de negociar a abertura desse mercado. Mas sempre que estávamos próximos de um acordo aparecia algum contratempo, como em 2005, quando foram detectados focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul. Quando isso aconteceu, pedimos para suspender o processo, pois os Americanos não poderiam avaliar direito sem que nós resolvêssemos aquele problema.

RURAL – Mas por que essa demora de nove anos entre um fato e outro?
CAMARDELLI –
Não é demora, porque não colocamos um prazo. Quando detectamos a aftosa, em 2005, nós mesmos pedimos para adiar o processo. Na sequência, em 2008 e 2010, vieram as crises internacionais, que
geraram reflexos na economia americana até o final de 2011. Em 2012, retomamos as tratativas.

RURAL – A presença de uma empresa brasileira como a JBS, no mercado americano, tem contribuído para quebrar as resistências à carne brasileira?
CAMARDELLI –
As empresas têm suas estratégias comerciais que não interferem no processo de abertura de mercado. A relação com os americanos sempre foi entre governos e entidades do setor.

RURAL – O status sanitário brasileiro, principalmente em relação à febre aftosa, continua sendo um problema para os exportadores de carne bovina?
CAMARDELLI –
Acho que não. Para se ter uma ideia, em 2005, com a aftosa, em dois dias 56 países fecharam suas portas para o Brasil. Em 2012, quando houve uma suspeita não confirmada da doença da vaca louca no Paraná, cerca de dez países embargaram as exportações brasileiras. O caso foi resolvido com rapidez porque o governo brasileiro enviou imediatamente relatórios e informações para a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Isso mostra que não podemos vacilar na comunicação, um ponto fundamental nas negociações.

RURAL – Como o Brasil está lidando com as barreiras comerciais impostas pelos países importadores?
CAMARDELLI –
Muitos países, principalmente aqueles não ligados à OIE, acabam travestindo as barreiras comerciais com barreiras sanitárias e técnicas, como é o caso atual da Indonésia. Já provamos que não temos nenhum problema sanitaria e, mesmo assim, eles insistem em nos bloquear. É mais ou menos o que a Rússia tem feito com a carne suína. Estamos sugerindo a abertura de uma discussão sobre o tema na Organização Mundial do Comércio (OMC).

RURAL – Quais as expectativas de exportação de carne para este ano?
CAMARDELLI –
A previsão é superar os US$ 8 bilhões e bater mais um recorde. Em 2013, as exportações brasileiras cresceram quase 15% em receita, totalizando US$ 6,6 bilhões para um volume de 1,5 milhão de toneladas. Vamos crescer porque a Abiec e os ministérios da Agricultura( Mapa) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) vêm trabalhando em conjunto para analisar os balanços mensais das exportações. Se, em um determinado mês, algum cliente deixa de comprar, vamos atrás do motivo e tomamos decisões para tentar alterar esse quadro.

RURAL – De que forma essas informações ajudam a ampliar as exportações?
CAMARDELLI –
Entendendo a razão pela qual os países reduzem o volume de compras, podemos oferecer um pacote de produtos mais adequado às necessidades no momento. Um exemplo é a Europa, que já não tem mais o mesmo poder aquisitivo de antes, devido à crise financeira. Países que consumiam apenas filé-mignon, após a crise passaram a comprar outros cortes, como o contrafilé. Quem consumia contrafilé passou a comprar coxão mole, e quem consumia coxão mole passou a comprar patinho. Essa ótica na estratégica de venda fez com que nos mantivéssemos no topo do mercado.

RURAL – A Abiec está mantendo conversações com algum novo cliente?
CAMARDELLI –
A ultima visita técnica para abertura de mercado foi a Mianmar, Camboja e Tailândia. Nossas tratativas já estão bem avançadas com esses países. Seus representantes foram convidados a estar no mês que vem em Cingapura, que já é nosso cliente, para um churrasco que a Abiec promoverá em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex). Queremos, de uma só vez, ampliar nossas vendas a Cingapura e, de quebra, mostrar aos demais a qualidade de nossa carne.

RURAL – O que ajudaria a indústria frigorífica brasileira a exportar mais?
CAMARDELLI –
Menos burocracia. Esperamos que a modernidade facilite nossos processos, daqui para a frente. O Ministério da Agricultura já encaminhou um novo regulamento de inspeção sanitária para a Casa Civil, algo que se adapte ao novo ambiente de negócios, que chamamos de autogestão. Pelo novo regulamento, quanto mais o frigorífico demonstrar que é capaz de gerir as condições sanitárias de seu produto, mais o ministério facilitará os processos burocráticos. É semelhante ao que acontece nos Estados Unidos. Se tudo estiver normal, o processo segue. Caso contrário, a empresa perde o status e terá de passar mais uma vez pelo longo processo de validação de suas práticas sanitárias.