Presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o agricultor e pecuarista Cesário Ramalho traça um panorama sobre o agronegócio e diz que faltam políticas públicas no longo prazo para o País crescer

O Brasil é consistente no fornecimento de alimentos como soja, carne de frango e carne bovina. Com isso, utrapassou a casa dos US$ 100 bilhões em exportações nos últimos 12 meses, batendo um recorde histórico. Mas, para Cesário Ramalho, presidente da Sociedade Rural Brasileira, apesar de o empresariado brasileiro ter se mostrado competente e forte, e o produtor rural seguro em relação à sanidade e às questões ambientais, para o País crescer ainda mais no cenário mundial é preciso antes resolver os grandes entraves que comprometem o agronegócio nacional. “A falta de logística, de armazéns e de mão de obra especializada no campo – além das questões indígenas e de vendas de terras a estrangeiros – precisa de regras claras e políticas públicas consistentes”, diz.

DINHEIRO RURAL – O que falta para o agronegócio do País ganhar de vez os olhos do mundo?
CESÁRIO RAMALHO –
O Brasil só será o centro das atenções quando tiver um conjunto mais forte. O governo federal precisa envolver-se mais no agronegócio do País. O empresariado brasileiro é competente, forte e assume riscos e o produtor rural brasileiro é seguro em relação a várias questões, como o meio ambiente e a sanidade, mas falta o governo se empenhar mais. Não adianta um empresário ir à China, por exemplo, e começar um movimento para vender qualquer produto agropecuário e depois não conseguir entregar. É importante o governo federal caminhar ao lado do poder privado.

RURAL – Como atrair investimentos estrangeiros para o setor agropecuário?
RAMALHO –
Com um Itamaraty mais agressivo. Fazer política de aproximação e de boa vizinhança apenas não adianta. O Itamaraty é o grande representante do País, por isso ele precisa ser mais agressivo na questão dos adidos agrícolas. É incrível o Brasil só ter constituído os adidos agrícolas em suas embaixadas recentemente, em 2010, e somente oito. Faltou discutir a questão cambial e constituir uma política econômica mais firme e mais determinada, com um horizonte mais longo. Tem de pensar na logística. O País vai produzir e vender mais, mas vai conseguir embarcar? O Brasil tem problemas ainda primários, para quem cresceu fantasticamente no agronegócio, porque tem condições climáticas, localização estratégica e empresariado competente. Essas questões precisam ser resolvidas para atrair investimentos de peso.

RURAL – Como está a questão de vendas de terra a estrangeiros?
RAMALHO –
Essa é uma questão atrasada, ainda baseada em ideologias. É preciso encarar a venda de terra a estrangeiros como um negócio. Para isso, basta criar regras que atendam a exigências sociais, como a criação de empregos, regras ambientais que exijam uma produção sustentável e uma regra econômica que vise a satisfazer a rentabilidade das atividades agrícolas e pecuárias do País. Não se deve negar a um americano ou europeu a compra de uma determinada área para desenvolver, por exemplo, um projeto agropecuário. Na Austrália, o estrangeiro não pode comprar a terra, mas, sim, o direito de seu uso por 99 anos. Não se deve vender terras a outros governos, mas a empresários estrangeiros que não tenham o governo como sócio. O embargo inibe investimentos necessários para o Brasil crescer.

RURAL – O País tem algum exemplo recente de perda de investimento relacionado à venda de terras a estrangeiros?
RAMALHO –
Sim. Mato Grosso do Sul perdeu um investimento de US$ 18 bilhões no ano passado. Ele seria feito na área de celulose e cana-de-açúcar, mas não aconteceu porque a terra não podia ser vendida a empresa estrangeira. Outra grande questão relacionada a isso é o financiamento. As tradings como Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, que são empresas globais, emprestam dinheiro para o produtor plantar e como garantia recebem a terra, assim como é feito nos bancos. Mas, se o empresário estrangeiro não pode ter terra, como conseguirá fundos?

RURAL – A liberação de linhas de crédito está fluindo no País?
RAMALHO –
Não. O problema relacionado ao crédito se chama burocracia. O grande problema do Brasil não é dinheiro. É o acesso, que a burocracia emperra. No agronegócio há vários setores endividados, como, por exemplo, o setor da laranja, que tem uma dívida de mais de R$ 1 bilhão. Com inadimplência, o produtor rural não consegue tomar recursos. A questão dos armazéns é outra que está emperrada. Há pedidos de financiamento para isso, desde a época do Plano Safra, em junho, que não saíram. Sem contar ainda que o Banco do Brasil (BB) está com muita dificuldade de lidar com isso. Seu número de clientes cresceu de forma tão grandiosa que tem ficado muito difícil trabalhar com o BB.

RURAL – Como está a questão do seguro agrícola no País?
RAMALHO –
O seguro está sempre atrasado. O governo federal subsidia 50% do seguro, mas as seguradoras avançam em seus contratos e o governo atrasa o pagamento das parcelas. Isso está permanentemente atrasado. Há 20 dias notei que ainda havia atraso de R$ 4 bilhões da safra 2011/2012 e de R$ 132 milhões da safra 2012/2013. As seguradoras têm dificuldade em retirar do governo federal esses recursos do seguro.

RURAL – Como vencer os desafios da produtividade nas lavouras, não só de commodities, mas também do arroz e do feijão?
RAMALHO –
Primeiro é preciso ter crédito atrativo. A taxa de juros nos Estados Unidos é zero; no Japão é 1%; na Europa entre 1,2% e 1,8%; e no Brasil em torno de 3,5%. Tem de haver uma política pública adequada, de acordo com produtos que mais precisam, como o arroz e o feijão. O feijão, apesar das três safras, esgota mais rapidamente. Então, se da primeira safra para a segunda há alguma dificuldade de produção, isso compromete os preços. Os preços do feijão têm explodido esporadicamente porque as safras são menores. Isso acontece por falta de política pública.

RURAL – A pecuária está respondendo ao chamado para que se intensifique e dê espaço à agricultura?
RAMALHO –
Está. Na última safra, em que colhemos 185 milhões de toneladas de grãos, ganhamos 3% de terras novas, terras de pecuária. Isso tem acontecido muito e a demanda pela agricultura de baixo carbono também é crescente. Se tivéssemos o programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) mais solto, irradiado pela rede bancária, com certeza teria se desenvolvido mais. A pecuária brasileira tem uma genética clara e definida. Mas, mesmo assim, ainda falta investimento. O plano safra não existe para a pecuária, que precisaria de um financiamento de pelo menos 20 anos.

RURAL – É possível a agricultura em larga escala e a familiar crescerem no mesmo ritmo?
RAMALHO –
Sem dúvida. Mas falta assistência técnica ao agricultor familiar. Aliás, o Brasil não tem uma assistência técnica nacional. A Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural está falida. A exceção é a entidade no Rio Grande do Sul, ainda ativa. A assistência técnica oferecida hoje aos produtores vem da indústria, que segue os seus parâmetros e metas.

RURAL – Como resolver os entraves logísticos do País?
RAMALHO –
O governo federal deveria ter aberto o País a recursos estrangeiros há muito tempo. Deveria ter construído estradas e portos através das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Agora, o governo quer retomar isso, só que de maneira equivocada. Abre para a iniciativa privada, mas quer comandar o que a empresa vai ganhar. O governo está colocando junto com a iniciativa privada o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) nas questões das rodovias, por exemplo. Isso cria desconfiança. Por isso, teve leilão em que não apareceu ninguém. A questão logística é puramente de governo.

RURAL – É apenas o produtor rural que sofre com os gargalos do País?
RAMALHO –
O grande sacrificado com esse imbróglio, que envolve falta de logística, de armazéns e de mão de obra especializada no campo, primeiro é o produtor rural. A sua renda está sequestrada. Em segundo lugar, perde o consumidor. Os produtos agrícolas exibidos nas gôndolas dos supermercados estão 10% mais caros. Isso porque o fertilizante, que poderia custar R$ 1,1 mil a tonelada, custa R$ 1,5 mil. Sem contar os fretes exagerados. Um navio atracado tem o encargo de US$ 50 mil por dia. Isso tudo onera o negócio.

RURAL – Como tratar as questões indígenas?
RAMALHO –
Essa é uma questão pendente. Ela é tratada erroneamente como um movimento internacional e é financiada por grandes ONGs internacionais. O Brasil teria de resolver as questões indígenas dentro do País. Isso não ocorre porque o governo federal também é omisso nessa questão. A ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, por exemplo, prometeu há seis meses que iria interferir no julgamento dos novos levantamentos das áreas indígenas. Ela iria tirar essa reavaliação única e exclusivamente das mãos da Funai, que sofre a influência direta das ONGs e da Pastoral da Terra, e iria incluir o Ministério da Agricultura, o do Desenvolvimento Agrário e a Embrapa. Isso atenderia 90% das reivindicações, mas não aconteceu.

RURAL – Quem sofre mais com a questão indígena?
RAMALHO –
Sofrem o índio e o produtor rural, por falta de uma regra clara. O Rio Grande do Sul tem uma comunidade de três mil produtores rurais que estão em via de perder suas terras. Produtores que vivem em, no máximo, dez hectares, ou seja, produtor familiar. Se ele for tirado dessa propriedade, não terá indenização. E isso atinge a sociedade como um todo. O Brasil tem praticamente 14% de terras nas reservas indígenas. Se todas as reivindicações forem atendidas, essa área será dobrada. Os indígenas, que são 500 mil no País, terão um quarto de terra do Brasil. Isso representa 240 milhões de hectares. Por outro lado, a agricultura produz em 62 milhões de hectares. E, segundo pesquisa, 68% dos índios querem entrar na faculdade.