Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, diz que não tem fundamento a ameaça dos Estados Unidos de não pagar parte dos US$ 830 milhões que devem ao Brasil

No dia 7 de agosto, o secretário de agricultura dos Estados Unidos, Tom Vilsack, declarou que seu país pode suspender os pagamentos mensais de US$ 12,3 milhões ao Brasil, definidos após o acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC) para encerrar o contencioso do algodão. Os pagamentos fazem parte do processo iniciado pelo Brasil, em 2002, contra os subsídios americanos, considerados ilegais. Ficou definido que o governo americano pagaria ao País um total de US$ 830 milhões – desse total, US$ 480 milhões já foram quitados. Como não poderia deixar de ser, a ameaça provocou forte reação entre os produtores brasileiros, que estiveram reunidos no Clube da Fibra, evento promovido pela FMC, empresa de agroquímicos, no Guarujá (SP). “Não pagar é inadmissível”, afirmou à Dinheiro Rural Gilson Pinesso, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). “A declaração desse secretário mostra o quanto os americanos são arrogantes.”

DINHEIRO RURAL – O contencioso do algodão na OMC era um caso dado como resolvido, mas após a declaração do secretário de Agricultura dos EUA, Tom Vilsack, não é o que parece. Quanta água ainda vai correr por debaixo dessa ponte?

GILSON PINESSO – Espero que a declaração pública do secretário americano, de que não vai pagar mais nada ao Brasil, não passe de uma colocação infeliz, porque, se isso realmente acontecer, haverá reflexos nas relações comerciais entre os dois países. O contencioso do algodão foi emblemático e representa um marco nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Com certeza, nós, produtores, não aceitaremos uma decisão unilateral de um país que foi condenado na OMC. E veja que contradição: foram eles mesmos os maiores incentivadores da criação da OMC, na década de 1990, pregando o livre comércio e o combate aos subsídios e ao dumping.

RURAL – E se for mais do que uma declaração infeliz do secretário americano?

?PINESSO – Aí, vamos pressionar o governo brasileiro e exigir que nossas autoridades sejam mais duras do que seriam, caso tivéssemos exigido que o pagamento fosse feito integralmente lá atrás. Não pagar é inadmissível.

RURAL – É uma arrogância esse tipo de atitude que pode colocar por terra todo o esforço de anos de negociação?

PINESSO – Totalmente. É arrogância pura e muita prepotência de certos grupos americanos. Na verdade, nós, produtores brasileiros, não queríamos que esse litígio chegasse tão longe. Na época, antes de entrarmos com a ação na OMC, fomos conversar com as associações de produtores de algodão dos EUA e dissemos a eles: ‘Vocês precisam diminuir a prática de subsídios, porque eles estão abalando o mercado mundial e alterando o ritmo do comércio. Os subsídios praticados por vocês são absurdos’. Aí, eles disseram simplesmente o seguinte, e com todas as letras: ‘Se vocês querem discutir esse assunto, vão até a OMC’. E nós fomos. Contratamos advogados, gastamos milhões de dólares. Eles foram condenados, recorreram até a última instância e depois de condenados ainda ficaram dez meses sem pagar nada, decidindo se iam cumprir ou não. Agora vêm e simplesmente dizem ‘talvez, nós não iremos pagar mais nada’, como se fosse coisa simples descumprir uma decisão judicial.

RURAL – Em outubro, autoridades brasileiras estarão em Washington para uma visita de Estado. A diretoria da Abrapa já pensou na hipótese de esse assunto fazer parte da agenda da presidenta Dilma Rousseff com o presidente Barack Obama?

PINESSO – Essa declaração é um fato novo, num cenário que parecia bastante calmo. Logo após o secretário Vilsack abrir a boca, o ex-ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, declarou que o Brasil, com certeza, poderá adotar as retaliações cruzadas que tem o direito de fazer, caso essa história vá em frente. Espero que no encontro da presidenta Dilma com Obama, pelo menos esse tema seja levado à pauta, em algum momento, e que dali saia algo de bom senso do governo americano. Obama tem sido um presidente até admirável. O problema é o Congresso americano, onde a Farm Bill – a lei agrícola do país – vem sendo discutida. Eles estão decidindo se haverá ou não corte de subsídios para os agricultores locais e assim, automaticamente, na concepção deles, seriam cortados também os pagamentos ao Brasil. Não queremos prejudicar os produtores americanos, mas também não queremos ser prejudicados.

RURAL – Como está hoje a relação da Abrapa com os produtores americanos??

PINESSO – O contencioso, num determinado momento, nos afastou. Mas, no mercado internacional, queremos voltar a trabalhar juntos com eles para divulgar as vantagens do algodão como fibra natural. O algodão tem um apelo de sustentabilidade que faz parte de uma carta conjunta que assinamos há pouco com a associação americana, que tem como um dos pontos principais justamente a volta dessa parceria. Os americanos são muito importantes no cenário global, porque foram eles que criaram padrões e desenvolveram sistemáticas na fiação dessa cultura, que são seguidas atualmente no mundo inteiro.

RURAL – Por falar nisso, o sr. tem propriedades na África. Como é produzir nesse continente?

?PINESSO – Na primeira vez que fui convidado pelo ministro da agricultura do Sudão para conhecer a África, minha resposta foi: ‘O senhor está louco’. O país está em guerra civil, sob embargo americano, e se o próprio presidente sair do Sudão ele será preso por causa do genocídio de Darfur, onde morreram milhares de pessoas. Mesmo concordando que parte disso era verdade, esse ministro me disse para que eu fosse ao seu país dar uma olhada. De tanto ele insistir, um ano depois, voltando de uma viagem à China, passei pelo Sudão e fiquei apaixonado. O país é realmente lindo.

RURAL – O que o sr. construiu na África??

PINESSO – Estou no Sudão há quatro anos e tenho 100 mil hectares de terras, dos quais 15 mil já são cultivados. Mas estamos aumentando essa área ano a ano. Nesta safra de algodão são dez mil hectares, de milho são três mil, outros três mil são de sorgo e mil de girassol. Agora, vamos para as áreas irrigadas e nelas produziremos ainda mais.

RURAL – Pela sua experiência, os brasileiros deveriam investir mais nos países africanos?

PINESSO – Devíamos ter um programa do governo do Brasil para a África, na parte agrícola. Poderíamos ter convênios entre os dois países para que os produtores brasileiros ajudassem a África a sair da miséria e da fome. Milhares de pessoas morrem de fome nesse continente, que tem um solo maravilhoso. O Sudão, por exemplo, tem terras maravilhosas, planas e clima bom. O que falta é conhecimento e tecnologia. Nas minhas terras, colho dez vezes mais que eles, numa mesma área.

RURAL – A China também está de olho na África. O sr. tem vizinhos de porteira chineses?

?PINESSO – Tenho sim. Um dos donos da algodoeira em que beneficio parte da fibra colhida nas fazendas, porque não conseguimos fazer todo o serviço, é chinês. A semente de algodão que estou utilizando neste ano é de procedência chinesa. Eles, de fato, estão espalhados por toda a África, mas mais focados em infraestrutura e petróleo. Produzir no campo é com a gente.

RURAL – Em 2013/2014, a expectativa para o algodão é de queda da safra mundial e de aumento da produção no Brasil. Esse é o melhor dos mundos??

PINESSO – Na verdade, o que houve na safra passada foi uma redução muito grande da área plantada no Brasil. Até porque a soja e o milho estavam em um cenário muito mais rentável e, naquele momento, os produtores decidiram alterar os rumos do que seria plantado. Neste ano, estamos olhando o cenário e pretendendo recuperar um pouco da nossa participação de mercado, até porque o País, ao longo dos últimos dois anos, adquiriu uma importância muito grande no cenário internacional da commodity. O Brasil figurou, no ano passado, como o terceiro maior exportador mundial da fibra.

RURAL – Quais são as possibilidades reais para que as exportações continuem firmes? A China está no radar, como está para a soja e o milho??

PINESSO – O Brasil exporta algo em torno de 350 mil toneladas de algodão para a China e 180 mil toneladas para a Indonésia. A Coreia também é um grande mercado e o Vietnã e o Paquistão passaram a ser bons clientes. O negócio é diversificar porque a indústria têxtil mundial se adaptou, definitivamente, ao uso do algodão brasileiro. Em julho, estivemos na Indonésia, na Tailândia e no Vietnã, em missão da Abrapa, e o setor industrial desses países nos informou que deseja elevar o patamar de utilização do algodão brasileiro a 25% do total consumido, um excelente percentual no mix para padronizar tecidos e fiações de uma fábrica.

RURAL – O que o produtor brasileiro deve fazer para ter tranquilidade na safra que começa a ser plantada neste mês?

PINESSO – O produtor precisa vender uma parte da safra já, aproveitando os atuais patamares de R$ 70 a arroba. Deve, por exemplo, travar todos os custos da cultura que são em reais. No algodão, isso representa 60% do custo total da produção, o resto é em dólar. É necessário olhar, também, o câmbio futuro. E investir no controle de pragas. No nosso site há um programa que o produtor deve acessar, para ter uma ideia de manejo, principalmente da largarta helicoverpa. Mas não é só ela. A mosca branca também pode causar um estrago muito grande na qualidade do algodão porque ela danifica a fibra e compromete a fiação na indústria. A vida no campo não é mole não.