Entrevista com Glauco Arbix, presidente da Agência Brasileira de Inovação

Embora seja o segundo maior produtor de alimentos do mundo, o Brasil não possui empresas agrícolas de destaque global. Para complicar, a quase totalidade dos insumos do agronegócio, como sementes e agroquímicos, é produzida por multinacionais. Para tentar reverter esse cenário e tornar a indústria brasileira mais competitiva, o governo federal, por meio da Agência Brasileira de Inovação (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, vem lançando uma série de programas. O mais recente deles é o Inova Agro, que deverá contar com R$ 3 bilhões. “O agronegócio é um exemplo de eficiência, mas ainda há muito a ser feito”, diz Glauco Arbix, presidente da Finep. “Os empresários precisam ser mais ousados e sair de sua zona de conforto.”

RURAL – Já há resultados concretos dos programas federais de estímulo à inovação?
GLAUCO ARBIX –
Sem dúvida. A Finep é uma das financiadoras da maior planta industrial de etanol de segunda geração em atividade no Brasil, o projeto da GranBio, da família Gradin, que prevê produzir etanol a partir da celulose com investimentos de R$ 300 milhões, em Alagoas. O mesmo está acontecendo em outras áreas como as de energia e de fármacos, por exemplo.

RURAL – Quais são as vantagens desse modelo?
ARBIX –
A principal delas é que passamos a atuar com a modalidade de crédito competitivo. Como os recursos são subsidiados, as empresas precisam disputá-los entre si. O que posso dizer é que a ambição tecnológica, a relevância dos projetos e sua complexidade estão aumentando. E isso é extremamente positivo. O segundo ponto é que esses programas oferecem uma porta única para as empresas, que passam a ter acesso a recursos em várias áreas governamentais. No caso do Inova Agro, envolve verbas do Ministério da Agricultura, do BNDES e até da Embrapa.

RURAL – Qual é a inspiração para esse modelo?
ARBIX –
Olhamos muito o que acontece no mundo inteiro. Especialmente em países como Cingapura, Coreia do Sul, China e Japão, mas também a Inglaterra, onde vem sendo feito um esforço muito grande para flexibilizar as instituições de fomento e apoio à tecnologia. Aprendemos que, para inovar, a empresa precisa ter à disposição um conjunto de ferramentas que lhe permita desenvolver as suas potencialidades. No total, o programa Inova Empresa, anunciado em março, prevê investimentos de R$ 32,9 bilhões para o período 2013-2014 e tem como foco o setor privado. Não é segredo para ninguém que a economia brasileira ainda é pouco inovadora. A forma como os mecanismos da economia são estruturados não é muito amigável nesse sentido.

RURAL – O que é possível fazer para melhorar a situação?
ARBIX –
Hoje, cobrimos vertentes como o custo de capital e a redução do risco tecnológico, mas também atuamos como sócio para mitigar o risco financeiro. Além disso, como os processos se dão de forma colaborativa com universidades e centros de pesquisa, as empresas passam a ter acesso a um conhecimento do qual não dispunham. Essa química é positivamente explosiva, pois ajuda o setor privado a dar um salto, tornando-se gerador de tecnologia e não apenas usuário ou comprador. Mas também devemos valorizar o que temos hoje – salve os produtos padronizados e as commodities. O Brasil é o segundo maior produtor de alimentos e possui chances concretas de se tornar o primeiro. Isso foi construído com muita tecnologia, envolvendo melhoria de sementes e biotecnologia, organismos geneticamente modificados, etc. Mas precisamos também ampliar esse cardápio. Disseminar o uso da tecnologia como uma injeção de inteligência em nossos produtos e em nossas empresas nos dará acesso a cadeias produtivas de maior valor agregado.

RURAL – A maior parte das grandes empresas que investem em pesquisa e produzem insumos é estrangeira. Não é um contrassenso para um país protagonista no mercado agrícola global?
ARBIX –
O Brasil é um país aberto e sempre recebeu muito bem os estrangeiros. E é assim que deve continuar. Contudo, não podemos perder de vista que precisamos ter empresas locais, geradas aqui e controladas por empresários daqui, capazes de dominar e desenvolver novas tecnologias. É um ponto-chave para qualquer país.

RURAL – E como isso pode ser feito?
ARBIX –
O empresário tem de assumir o papel de protagonista. Infelizmente, a falta de iniciativa não ocorre apenas no campo. Se observarmos a indústria de petróleo e gás e energia em geral, veremos que boa parte das 200 grandes fornecedoras da Petrobras e de outras produtoras é de capital estrangeiro. O mundo da tecnologia avançada ainda está dominado pelos países mais ricos. Isso lhes dá uma capacidade muito maior de se recuperar de crises mais rapidamente e de uma maneira muito mais tranquila que o Brasil, por exemplo.

RURAL – Muitos especialistas do agronegócio dizem que da porteira para dentro muita coisa já foi resolvida. O que a Finep e o governo poderiam fazer no âmbito externo?
ARBIX –
Da nossa parte, temos apoiado tecnologias que poderão representar um salto em diversas áreas, inclusive na logística. Uma delas, tocada em parceria com a Universidade de São Paulo, possibilita o rastreamento, com uma espécie de raio X, do que é colocado dentro de um contêiner. Com isso, alguns produtos já poderiam sair alfandegados da porteira da fazenda.

RURAL – Os empresários citam a burocracia como um dos componentes do chamado custo Brasil. O sr. diria que estamos evoluindo também nesse quesito?
ARBIX –
Sabemos que nem sempre as instituições públicas conseguem atender com presteza às demandas das empresas e dos cidadãos. Por isso, minha prioridade, desde que assumi a Finep, em 2011, foi rever os ritos de análise dos projetos. Conseguimos reduzir para uma média de 112 dias o que era feito em 400 dias. Mas ainda não estou satisfeito. A partir de julho, o enquadramento de todos os projetos será feito em até 30 dias.

RURAL – A carga tributária, na sua avaliação, ainda funciona como uma inibidora dos investimentos em inovação?
ARBIX –
Não é segredo para ninguém que o Brasil possui uma carga tributária muito elevada, que amarra as estratégias empresariais. Somam-se a isso os gargalos na infraestrutura. Mas é preciso dizer que muitas coisas vêm melhorando. O programa Inova Agro, por exemplo, oferece recursos com taxa de juros anual entre 2,5% e 5%, com uma carência de até quatro anos e 12 anos para amortização dos recursos, que chegam a até 90% do total. Dificilmente você vai encontrar uma condição dessas em qualquer lugar do mundo. Estamos trabalhando com taxas fixas, melhores até que na Europa.

RURAL – O Brasil possui três centros de pesquisa ( USP, Unesp e Unicamp) entre os 50 melhores do mundo. Por que não conseguimos fazer com que esse conhecimento se transforme em inovação e que a academia dialogue melhor com o setor privado?
ARBIX –
É preciso destacar que a relação universidadeempresa é delicada em qualquer lugar do mundo. Apesar disso, temos no Brasil alguns exemplos muito importantes. A Embraer não existiria se não fosse o ITA e o CTA. A Petrobras tem mais de três mil contratos de parceria com centros de pesquisa e universidades. A Embrapa também possui diversos acordos na área da agricultura e da pecuária. O Brasil não pode dispensar inteligência. A ideia de uma universidade fechada e alheia à sociedade não tem mais vez.

RURAL – Quase a metade das exportações agrícolas do País são produtos como soja, café e algodão, que agregam pouco em tecnologia. Como seria possível evoluir nessa área?
ARBIX –
A resposta a essa questão não é simples. É preciso lembrar que passamos 50 anos com uma economia fechada e autárquica, que deixou os empresários mal-acostumados e abrigados debaixo das asas do protecionismo. Precisamos dar um salto e isso só se faz com educação de qualidade, inovação e tecnologia, além de ter como peça-chave a dinâmica do crescimento da economia. Investimos cerca de 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Pode ser pouco, quando comparado à Finlândia, onde a taxa chega a 3,6% ao ano, ou aos Estados Unidos, com 3%. Mas é bem acima do que fazem a China e a Índia. A diferença está na qualidade do investimento. As empresas precisam ser mais ambiciosas e ousadas, indo até as fronteiras tecnológicas.

RURAL – Nesse contexto, o sr. considera que a agricultura pode dar um salto, a partir do Inova Agro?
ARBIX –
Sem dúvida. Poderemos crescer muito em agricultura e pecuária. O programa é o começo de uma estratégia que une o setor público, por meio da Finep e das universidades, e as empresas privadas. Já passamos da época de achar que o governo ou os empresários, de forma isolada, têm condições de resolver os problemas do País. Um precisa do outro.