Lembre-se como era uma colhedeira de soja ou de milho dez anos atrás. Ou de café ou cana-de-açúcar. E também como funcionava a mais moderna fazenda de bois, de aves, de suínos, de fruticultura ou de criação de peixes. Naquela época, a utilização de drones, internet 4G, dieta de precisão, agropecuária de baixo carbono, mapas de colheita e até o velho GPS eram quase peças de ficção no campo. As exportações, o cartão postal mais vistoso do agronegócio, rendiam ao País US$ 58 bilhões, ante US$ 84,9 bilhões em 2016. O crescimento foi de 46%. Não por acaso, o saldo da balança comercial até o mês passado era de US$ 45 bilhões para 2017, graças ao agronegócio. Agora, imagine como poderão ser os negócios movidos pelo campo dentro de uma década, duas ou três, em um caminho de inovações tecnológicas irreversíveis. Máquinas autônomas, computação em nuvem, robótica, internet das coisas, nanotecnologia, experiências baseadas em RCTs (randomized controlled trial, do inglês ensaios controlados randomizados), Crispr-cas system para a edição de genomas, big data e muito mais estarão na essência dos modelos de negócio. Mas como fica o material humano?

Jairo Arenazio: o gerente geral da Cobb-Vantress diz que um funcionário daempresa hoje é muito diferente de quatro anos atrás (Crédito:Kelsen Fernandes)

As dúvidas são muitas. Como será o profissional do futuro? Quais características comportamentais serão necessárias? De que maneira as suas competências serão úteis no trabalho de campo? Qual o peso da técnica e da especialização no desenvolvimento de uma carreira de liderança? Para sobreviver ao turbilhão de mudanças pelas quais passa o agronegócio, cada vez mais será preciso entender como a inovação tecnológica muda o cenário do setor e qual é o perfil da liderança que conduz essas mudanças. Pelo terceiro ano consecutivo, a DINHEIRO RURAL e a Flow Executive Finders, empresa especializada na seleção de executivos, se juntaram para tentar entender o que vem ocorrendo a uma velocidade assustadora nos dias atuais. Com a coordenação do diretor da Flow, Igor Schultz, especialista em recrutamento de talentos desde 2005, fomos a campo entender como pensam as lideranças que alcançaram posições de destaque em suas áreas e hoje são CEOs, COOs, presidentes, diretores e gerentes. O resultado é o estudo Gestão de Líderes 2017.

Pedro Lima: para o presidente do Grupo Três Corações, um profissional se torna líder quando o trabalho faz sentido em sua vida (Crédito:Marcos Corazza/AG. ISTOé)

O levantamento mostra que um terço dos empreendimentos do agronegócio está investindo acima de R$ 12 milhões em P&D, área presente em 62% das empresas há mais de cinco anos. Confira nos quadros das próximas páginas os números dessa revolução. O estudo se aprofundou no caso de seis líderes, por meio de extensas entrevistas que aconteceram nos últimos três meses. Uma das conclusões é que o líder do futuro – ou do presente – tem de ser mais do que um especialista no seu segmento, por conta da adoção de novas tecnologias pelas empresas. “Cada vez mais vamos precisar de uma visão holística do agronegócio”, diz o agrônomo Gerhard Bohne.

O executivo acaba de assumir a diretoria de operações da divisão Crop Science da Bayer no Brasil, segmento de biotecnologias da farmacêutica alemã Bayer, empresa que no ano passado foi a campeã em Gestão Corporativa no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL, na categoria Agronegócio Indireto-Conglomerados. Como ele, cada um dos seis líderes entrevistados possui peculiaridades que justificam os postos que ocupam. “É preciso humildade e serenidade para entender a teia do agronegócio”, afirma o empresário Pedro Lima, um dos herdeiros e presidente do Grupo Três Corações, empresa que nasceu na década de 1970 e que hoje é uma das maiores no setor de cafés.

Marcello Brito: à frente da Agropalma, o executivo diz que o motor de mudança do agronegócio no País é a inovação levada até a base (Crédito:montagem sobre FOTO de: BIO BARREIRA)

Nesse contexto, há quem se apoie em teorias que lembram a máxima que está no livro do Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, de que se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve. “Treinamento tem começo e meio, mas não tem fim. A evolução é constante”, diz o veterinário Jairo Arenazio, gerente geral da Cobb-Vantress para a América do Sul, controlada pela americana Tyson Foods e que é um dos maiores grupos de genética avícola do mundo. “Buscamos profissionais com capacidade para uma atuação multifacetada”, afirma o agrônomo Celso Zancan, diretor da unidade de Fruticultura da Rasip Alimentos, uma das maiores produtoras de maçãs do País. É como um técnico agrícola descobrir ser um amante de teorias de marketing e ir em frente. Ou dar sequência a uma faculdade, emendando especializações e MBAs por ter vocacão para o conhecimento. “À medida que investimos em tecnologia de ponta, atraímos profissionais altamente qualificados”, diz o executivo argentino Ariel Maffi, vice-presidente de Ruminantes Brasil DSM, a maior companhia de nutrição animal do País.
Mas nada se compara ao trabalho desses líderes que têm como regra criar oportunidades para que talentos da companhia avancem em suas carreiras profissionais. “O que vai mudar o cenário do agronegócio é a inovação na base e não só na ponta”, afirma Marcello Brito, diretor executivo da Agropalma, empresa do Grupo Alfa que pertence ao empresário e banqueiro Aloysio de Andrade Faria.

Cabeça de líder: o diretor da flow, Igor Schultz, especialista em recrutamento de talentos, coordenou a pesquisa, em busca de respostas que o campo procura (Crédito:Divulgação)

GESTORES O fato é que as novas tecnologias têm quebrado paradigmas de como produzir alimentos e bioenergia. E tendem a continuar quebrando, tirando os executivos da zona de conforto. No ano passado, o Produto Interno Bruto do agronegócio cresceu 4,48%. O movimento do setor foi de R$ 1,26 trilhão, de acordo com o Cepea/USP, valor 26% acima do que rendia há uma década. Neste ano, embora a economia ande de lado, a previsão é de um cenário positivo de pelo menos 2%. É nesse contexto que o tipo de capital humano, que vai levar as inovações até o produtor rural, torna-se o grande desafio dos gestores. Para o pensador americano Niels Pflaenging, uma das maiores autoridades do mundo em BetaCodex, teoria que prega o trabalho em rede, as organizações precisam deixar urgentemente de aplicar um “modelo de gestão que foi desenhado para a eficiência, quando o problema hoje é a complexidade”. Na Bayer, por exemplo, do total de 118 mil funcionários no mundo,
5,5 mil das mais diversas áreas do conhecimento fazem parte da equipe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Com a compra da americana Monsanto, em setembro do ano passado, estão sendo incorporados outros dez mil profissionais. Com as duas equipes, o investimento nesse setor passa a ser de E 2,5 bilhões por ano, sendo que somente para a agricultura digital são E200 milhões por período até 2020. “Teremos uma máquina de inovação e ela exige responsabilidade, porque na agricultura sustentável nós assumimos preservar a rentabilidade do agricultor”, afirma Bohne. “A visão holística serve justamente para nos ajudar a encontrar soluções que vão suportar a agricultura do futuro porque peças isoladas não resolvem mais um problema.”
O executivo diz que as equipes serão cada vez mais de consultores para o negócio das fazendas. Esta será uma terceira etapa na mudança de postura de um agrônomo, veterinário, zootecnista, técnico, ou qualquer outro profissional de campo. Se antes as empresas vendiam os seus produtos, agora elas vendem soluções para as fazendas. E o futuro pede cada vez mais por consultores. De acordo com Bohne, isso significa que um agrônomo da Bayer pode até recomendar um produto da concorrência se, para um determinado problema específico, aquela for a melhor solução. “É por isso que está na essência da formação de um líder administrar as ambiguidades e ser resiliente”, diz o executivo. “É preciso aprender a ouvir o diferente e se levantar quantas vezes cair.”

TALENTOS Nesse novo ambiente, a palavra desistir é quase um tabu. É por isso que os investimentos em pesquisa têm se tornado uma parte fundamental do negócio. Para Lima, do Grupo Três Corações, com sede em Eusébio (CE), e que hoje é uma joint venture entre a São Miguel Holding e a israelense Strauss, investimento precisa de ressonância no negócio. No ano passado, a empresa faturou R$ 3,1 bilhões, 22,1% acima de 2015. “Buscamos profissionais que acreditam que o seu trabalho faz sentido e que tem perspicácia para fazer as coisas no momento certo”, afirma Lima. A fórmula tem se mostrado bastante correta. No ano passado, 15% dos resultados do grupo, ou seja, R$ 465 milhões da receita vieram de novos produtos oferecidos ao consumidor. Como embalagens mais econômicas e cafeiteiras para até 19 tipos de bebidas. A previsão da Três Corações é que entre 2017 e 2021 outros novos produtos tragam incrementos da ordem de R$ 600 milhões. No caso, cabe aos engenheiros de alimentos parte desse desempenho. Até fevereiro, a empresa deve inaugurar o segundo módulo de uma fábrica para produzir cápsulas de café, investimento que já consumiu R$ 50 milhões.

Por isso, essas lideranças do agronegócio afirmam que o profissional preparado para a inovação será, em ritmo cada vez mais rápido, aquele que desenvolve a capacidade para visualizar oportunidades. E que em um mundo globalizado e dinâmico são valorizados aqueles profissionais que mais se reinventam. Na Cobb-Vantress, com sede em Guapiaçu (SP), o investimento em novas tecnologias para serem aplicadas ao agronegócio brasileiro tem sido de US$ 12 milhões por ano na última década. No próximo mês, por exemplo, entra em operação um caminhão capaz de transportar aves recém-nascidas por 72 horas com mortalidade zero, tal é o conforto no que se refere à ventilação, temperatura, umidade e pressão. Ou seja, não basta mais entregar desempenho. No caso, é o bem estar animal que leva a empresa para frente. Há cerca de dez anos, a Cobb mantém no País duas granjas experimentais destinadas à pesquisa sobre conforto e performance das aves. Vale registrar que no ano passado o País processou 12,9 milhões de toneladas de carne de frango. É o segundo maior produtor mundial e o maior exportador global, com receita de U$S 6,1 bilhões, principalmente para os países asiáticos e o Oriente Médio. De olho nesse potencial, a Cobb tem contratado executivos que vão passar um ano viajando pela Arábia Saudita, Europa, Ásia e Estados Unidos, antes de assumir cargos. “Não tem como comparar um colaborador da Cobb de hoje com o de quatro anos atrás”, afirma Arenazio, diretor executivo da empresa. “Queremos que ele conheça climas adversos para se tornar um especialista em aves.” Hoje, cerca de 40 veterinários da companhia são fluentes em inglês e espanhol, e há cursos de idiomas disponíveis a todos os 670 funcionários.

FUTURO O fato é que, para esse grupo de líderes, quem não cria o futuro corre o risco de não alcançá-lo. Hoje não é preciso ser um historiador para entender que literalmente o agronegócio se reinventa o tempo todo. No novo modelo de liderança, a maior parte do trabalho está em torno de pequenas equipes dotadas de alta responsabilidade. O que os especialistas em comportamento querem dizer é que todas as pessoas em torno de uma organização precisam ser miniCEOs ou miniempresários, não importa o seu tamanho. Na Agropalma, pela primeira vez na história os seus executivos trabalham com a previsão de romper a barreira de R$ 1 bilhão em receitas em 2017, ante R$ 788 milhões em 2016. As tecnologias têm sido fundamentais para elevar o patamar de rentabilidade e de participação no mercado. No fim do ano passado, depois de investir R$ 276 milhões, a empresa inaugurou em Limeira, no interior paulista, a primeira unidade de fracionamento desse tipo de óleo no Brasil. A Agropalma possui 51 mil hectares de plantação de palma no Estado do Pará, cinco usinas e agora duas refinarias de óleo. Hoje, 16 engenheiros de alimentos e químicos trabalham para desenvolver soluções industriais na fabricação de produtos, como biscoitos, chocolates e panificação, nos quais o óleo de palma pode ser utilizado. “A capacidade de desenvolvimento de novos produtos passou a ser ilimitada”, diz Brito, diretor executivo da Agropalma. “Nesses tempos, para quem souber unir tecnologia e pessoas sempre haverá oportunidades.”

Ariel Maffi: para o vice-presidente da DSM,a inovação vale o esforço se ela levar benefícios a toda a cadeia produtiva do agronegócio (Crédito:Claudio Gatti)

É o que deve ocorrer para profissionais em busca de colocação, interessados em fazer parte de empresas como a DSM. Ela acaba de anunciar que até 2019 vai investir R$ 260 milhões para construir uma nova unidade de pesquisa no Brasil. De acordo com Maffi, vice-presidente da área de ruminantes, para ser líder é preciso entender que a inovação é uma diferenciação no mercado e, por isso, ela se torna uma estratégia para a longevidade do negócio. A DSM investe por ano R$ 1,5 bilhão no mundo em P&D, valor equivalente a 5% de seu faturamento global. “Com inovação, ultrapassamos várias barreiras de produtividade e alcançamos muitos benefícios econômicos que estendemos a toda cadeia produtiva”, afirma Maffi. Ele cita como exemplo um produtor que, em função da tecnologia, consegue produzir uma arroba a mais por animal confinado. “Isso equivale dizer que a cada 18 animais abatidos ele ganha um.” Para mostrar que a transferência de tecnologias depende de uma equipe proativa e que corre riscos, há três anos a empresa promove o Tour DSM de Confinamento. A fórmula não é novidade, mas a essência é. Estão sendo realizados 12 dias de campo. Eles começaram em agosto, no município de Álvares Florence (SP), e vão até novembro, passando pelas principais regiões produtoras de mais oito Estados. As fazendas devem confinar neste ano 4,5 milhões de bovinos, ante 3,7 milhões na safra passada. A expectativa é reunir durante o Tour DSM dois mil pecuaristas e aí começa o que os líderes chamam de comprometimento da equipe, porque nesses confinamentos estão os impactos que a tecnologia vêm gerando para as fazendas. Em resumo, é o comportamento da equipe que gera o que os líderes chamam de qualidade da entrega.

O conceito de profissional altamente qualificado, para esses líderes, não são apenas aqueles que chegam ao mercado com um diploma. Cursos, pós-graduações e especializações nas mais diferentes áreas são bem-vindos, mas a tendência é que as empresas e fazendas contratem profissionais com grande capacidade de autodesenvolvimento e que tenham uma visão sistêmica. Evidentemente que a competência e o conhecimento técnico continuarão a ser muito valorizados, mas é preciso ser diferenciado em sua área de atuação.Vale registrar que os pisos salariais para agrônomos, zootecnistas, veterinários e nas engenharias, como a florestal, a ambiental e a agrícola, estão na faixa de R$ 7 mil, mas podem até triplicar rapidamente, à medida das entregas de resultados. Entrega não apenas financeira, mas de valores nesse novo modelo de negócio.

Para o agrônomo Zancan, da Rasip Alimentos, com sede em Vacaria (RS), uma das empresas que pertencem à família do gaúcho Raul Randon, quem deseja fazer carreira no agronegócio deve, antes de tudo, observar e absorver tendências, e saber aplicá-las. Daí a justificativa para a remuneração. “Não buscamos profissionais que conheçam apenas o negócio de fruta”, afirma o executivo. “Queremos talentos que enxerguem na companhia a possibilidade de desafios constantes.” Ele cita como exemplo um investimento de R$ 15 milhões, realizado há três anos em um sistema automatizado para a classificação das maçãs colhidas pela empresa. Com ela, o volume passou de 600 quilos diários por funcionário, para uma tonelada. Só para ter uma ideia da complexidade, as 60 mil toneladas de maçãs dessa safra estão sendo classificadas em 40 categorias para o mercado. “O resultado foi um negócio mais produtivo, rentável e sustentável”, diz Zancan.

Para esse grupo de líderes, na era da inovação é preciso estar aberto às transformações, embora nunca seja fácil para quem está no olho do furacão, por mais experiência que tenha adquirido. Bohne, o executivo da Bayer que abre essa reportagem e que está na empresa desde 1986, diz que até hoje o agronegócio é um aprendizado. Por nunca ter dito não aos desafios, ele tem se tornado um curinga na companhia. No Brasil, Bohne passou por todos os níveis de chefia, antes de ser transferido para a Alemanha, há dois anos, para coordenar a diretoria global de marketing dentro da estrutura de operações comerciais. Mas voltou ao Brasil, neste ano, para assumir o cargo número um no País. “Tinha ido à Alemanha para três anos de trabalho, mas a empresa precisou de mim por aqui e estou de volta” diz ele. Com isso, Bohne confirma a tese de que o futuro é das carreiras e dos profissionais que se adaptam não mais a uma era de mudança, mas à mudança de era, de patamar tecnológico e, acima de tudo, que se adapta ao imprevisto para continuar crescendo.