A principal falha do novo Bolsa Família é deixar em branco a definição do valor do benefício e dos critérios que precisarão ser cumpridos para ter direito a ele. O Estadão/Broadcast ouviu três especialistas sobre política de transferência de renda, que também são unânimes em criticar a proliferação de auxílios dentro do programa, uma medida que pode, na verdade, comprometer o principal objetivo: a redução da pobreza.

O novo Auxílio Brasil será composto por três modalidades principais no benefício básico (primeira infância, composição familiar e superação da extrema pobreza) e seis auxílios complementares, que poderão ser somados ao valor básico. O desenho prevê como incremento bolsas de incentivo ao esporte e à iniciação científica, auxílio para creches e para inclusão produtiva rural e urbana, além de um benefício compensatório de transição para atuais beneficiários do Bolsa Família.

Ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania do governo federal, a socióloga Letícia Bartholo compara o novo programa a uma árvore de Natal cheia de bolas e penduricalhos, que pode acabar caindo. “Começa a inserir várias ações ao ponto que o programa de combate à pobreza perde o seu objetivo-chave, e a árvore de Natal fica tão cheia de bolas que enverga e cai”, diz. Para ela, a MP não enfrenta os problemas essenciais do combate à pobreza, que são a ampliação da cobertura e dos valores do benefício.

Erro no ataque

Na visão de um dos formuladores do Bolsa Família, o economista Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Insper, o desenho do Auxílio Brasil ataca de maneira “inadequada” os problemas atuais da política social do governo. “O médico está fazendo um bom diagnóstico, mas o tratamento talvez possa piorar as coisas”, afirma. Paes de Barros critica a ampliação do público do programa, num momento em que a focalização deveria ser prioridade, e aponta medidas que podem gerar incentivos equivocados, como a contabilização de toda a renda bruta do trabalho no critério que define se o cidadão receberá ou não o benefício. Segundo ele, a renda do trabalho deveria ser descontada até determinado valor – do contrário, o que há é um desincentivo ao beneficiário buscar uma ocupação, mesmo que seja um “bico”, pois poderá perder parte da transferência.

O economista também afirma que os auxílios voltados à inclusão produtiva previstos no texto são “cortina de fumaça”, uma vez que o programa não tem nada voltado efetivamente para esse fim, como orientação, qualificação ou acesso a crédito. “Minha preocupação é não transformar um programa tão exitoso quanto o Bolsa Família num programa que vai perdendo seus méritos porque o desenho vai piorando ao longo do tempo.”

Já o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, espera que o Congresso ainda “corrija” o texto da MP para garantir uma previsibilidade no orçamento do programa, mesmo após as eleições. “O que os mercados financeiros esperam de estabilidade, os mais pobres também esperam. É preciso dar previsibilidade”, diz.

Durante a cerimônia de entrega da MP, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que a nova versão do Bolsa Família deve ter um reajuste de “ao menos” 50%, o que levaria o valor médio hoje em R$ 189 para algo em torno de R$ 285 mensais. Mas, segundo apurou o Estadão/Broadcast, a definição de quanto os brasileiros vão receber ainda é alvo de uma queda de braço entre as alas política e econômica dentro do governo.

A equipe econômica afirma que o espaço no Orçamento de 2022 comporta até o limite de R$ 300. Na ala política, porém, há o desejo de garantir um valor médio maior, de R$ 400.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.