Com taxa de crescimento próxima de 10% ao ano, o agronegócio demanda volume de crédito que o governo não é capaz de subsidiar. A saída para o impasse estáno mercado financeiro, que enfim percebeu que o agro é um bom negócio

Apenas no último ano, a carteira do agronegócio do Itaú BBA passou de R$ 42 bilhões para R$ 60 bilhões. Mas os esforços do banco em atender o setor são ainda mais estruturais com a criação de produtos específicos e o recente lançamento do primeiro Fiagro da instituição, em 8 de março. “Essas ações mostram a dimensão que o setor tem ganhado para nós”, afirmou Pedro Fernandes, diretor de Agronegócio do Itaú BBA, nesta entrevista exclusiva à RURAL.

Rural — De dois anos para cá, há uma aproximação entre o campo e a Faria Lima. O que explica esse movimento?
PEDRO FERNANDES — Do lado do agronegócio há uma necessidade de capital que aumenta mais rapidamente do que crescem as fontes oficiais de financiamento. E o mercado de capitais passa a enxergar melhor a importância do agro dentro da economia brasileira.

Mais de 70% da produção de alimentos é feita pela agricultura familiar. O mercado de capitais é acessível a eles?
As indústrias de açúcar-etanol e a de proteína animal foram as primeiras a organizar a governança corporativa. A partir daí passamos a ver os outros elos da cadeia com maior nível de acesso ao mercado de capitais. Mas ferramentas como Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), debêntures e notas comerciais exigem um tíquete mínimo alto para as operações, o que acaba excluindo os pequenos e médios.

Como atender a demanda desse público por crédito?
Temos visto o crescimento de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) patrocinados por empresas de insumos que têm feito esses recursos chegarem às pequenas revendas e aos seus clientes. Além disso, desde o final de 2021, observamos os Fundos de Investimento das Cadeias Agroindustriais (Fiagros) sendo levantados, o que promoveu uma queda relevante no volume mínimo para as transações. A partir daí, empresas e produtores de porte médio passarão a ter mais acesso a novos bolsos de financiamento. Estamos no começo de uma longa jornada da descentralização das finanças para o agro.

Em fevereiro, a cinco meses para o fim da safra, o BNDES suspendeu da contratação do crédito rural subsidiado. De onde virão os recursos que os produtores precisam?
Essa é uma dor que vem do aumento da necessidade de financiamento dos produtores. O preço dos insumos aumentou, ele precisa de mais dinheiro para o pacote da safra e o volume de crédito é finito. Esses recursos muito provavelmente vão vir em grande parte da indústria de insumos através dos barters e dos bancos por meio das Cédulas do Produto Rural (CPRs).

No dia 8 de março, vocês lançaram o primeiro Fiagro do Itaú BBA. Quais são as expectativas do banco?
Acompanhamos toda a agenda legislativa de criação do Fiagro e, quando o instrumento foi lançado, tínhamos dois caminhos. Ou a Itaú Asset Management criava todas as competências para montar um Fiagro ou a gente faria o ecossistema do Itaú trabalhar da melhor forma. Escolhemos a última opção. No Fiagro Rural 11 que estamos lançando, a área de agronegócio presta consultoria para o gestor. Isso significa que fazemos toda a parte de seleção, avaliação e indicação dos ativos. Essa nossa capacidade de originação, de entender o que está acontecendo no agronegócio graças às 300 pessoas que vivem o setor 365 dias por ano, nos dá a possibilidade de levar as melhores recomendações para os gestores do Fiagro decidirem onde alocarão os recursos.

Dentro das novas ofertas, cresce também a emissão de títulos verdes no agronegócio. Como o Banco enxerga este mercado?
A jornada de produtos verdes se tornou central em 2021 e no Itaú fizemos uma mudança importante: sair de uma área que só pensa sustentabilidade, para que o ESG se tornasse uma área estratégica. Então a área de produtos verdes está ligada à área de agronegócio e não institucional. Essa foi a maneira pela qual conseguimos canalizar os compromissos do banco e toda a força que a sociedade civil coloca sobre a agenda para alterar a realidade do cliente.

Quais soluções o banco oferece alinhados aos critérios ESG?
Nossa definição do que são produtos verdes foi construída com a Imaflora onde estabelecemos uma régua de cinco frentes que queremos atacar.

Quais são elas?
Agricultura de Baixo Carbono, Eficiência Energética, Eficiência de Recursos Hídricos, Biodiversidade e Bem-Estar Animal. Em dezembro de 2021 lançamos o primeiro produto na linha de Biodiversidade na frente de conservação. O Reserva Legal+ é destinado ao produtor que tem um percentual de vegetação nativa dentro de sua propriedade acima do que é exigido pela legislação. A nossa primeira operação de Reserva Legal+ foi de R$ 1 milhão o que mostra que é possível fazer operações com tíquetes mais reduzidos em relação com outros produtos verdes. Queremos democratizar o acesso a produtos ESG, mesmo que a gente abra mão do nosso retorno em alguns casos.

E para as outras linhas?
Os produtos estão sendo estruturados. Uma das nossas grandes preocupações é determinar como reconhecer a externalidade positiva e como conseguir fazer a verificação de uma maneira economicamente eficiente. Um dos principais desafios para o crédito de carbono é medir o nível de fixação do solo. O custo da verificação acaba tornando a monetização de uma melhor prática muito difícil.

Durante a COP-26, o governo assumiu o compromisso de reduzir os níveis de emissão de CO2 em 50% até 2030, reduzir a emissão de metano e caminhar para o desmatamento zero. Como esses compromissos afetarão o agro?
A primeira coisa que precisa ficar clara é a centralidade que o agronegócio tem na agenda. O setor sofre os impactos do clima e contribui para a sua mudança. Mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil vêm de mudanças de uso de solo. Dentro do banco, trabalhamos para termos protocolos mais adaptados à agricultura tropical e com objetivos atingíveis e monetizáveis.

Existe hoje uma movimentação do governo em apoiar o agro na transição para uma economia de baixo carbono?
O governo tem iniciativas muito boas como a CPR Verde em que reconhece o lastro florestal como um ativo a ser financiado, além de outras para reconhecer o serviço ambiental. Só que essas iniciativas ainda não produziram os efeitos esperados. São projetos ambiciosos que necessitam de uma alocação de recursos relevante, mas há um descompasso entre o que pessoas e governo querem e a capacidade de alocar esse capital. Faltam recursos para que a agricultura de baixo carbono seja implementada em escala e há também a necessidade de corrigir decisões tomadas no passado.

Como quais?
A regularização fundiária é uma dívida que o País tem com quase 1 milhão de agricultores. É preciso resolver este problema tanto por uma questão social como também para garantir o nível de organização necessário para poder remunerar por serviços ambientais. Se não conseguimos nem dar acesso a crédito para quem não tem título de terra, como remunerar por serviços ambientais? É preciso implementar uma série de iniciativas, mas é necessário também resolver problemas da década de 1980. E aí visões antagônicas dentro das esferas do governo nos impedem de avançar.

Sem avanços nas políticas ambientais, crescem as ameaças de embargos a commodities brasileiras. Qual o impacto se o fluxo de comércio for interrompido?
Trabalhando com o agronegócio há 20 anos, eu diria que poderíamos evitar quase todos os embargos. Isso passa por dois pontos. O primeiro é contarmos melhor a nossa história. É deixar mais transparente o quanto nossas organizações têm gasto tempo e recursos dentro da agenda ESG. Não dá para o mercado continuar pensando que a laranja produzida em São Paulo tem relação com o desmatamento na Amazônia.

E o segundo?
O agro precisa ter um maior nível de intransigência com o que são práticas ilegais. É necessário ter clareza do que precisa ser tratado pelo ministério da Agricultura e o que é demanda para o da Justiça. O setor tem que ter mais energia para expelir players e indivíduos que prejudicam os produtores. A gente viu a veemência do cancelamento e da condenação de um grande banco em função de um posicionamento sobre pecuária, mas não vemos a mesma veemência para excluir produtores com práticas criminosas.

A despeito de todos esses desafios, a resiliência do agro vem se confirmando por meio de bons resultados. O que podemos esperar para o encerramento da Safra 2021/2022?
Estamos acompanhando, com preocupação, essa variabilidade de produtividade especialmente na safra verão. Mas, ainda assim, mesmo com performances heterogêneas será uma safra bastante rentável. A safrinha, por sua vez, vem sendo plantada em uma janela muito melhor do que no ano passado. Então a expectativa é boa. Quando a gente olha para proteína animal, principalmente aves e suínos, teremos uma receita muito comprimida, com margem operacional negativa.

E para a safra 2022/2023?
Teremos um aumento importante no custo de plantação o que vai obrigar uma tomada de recursos maior por parte dos produtores em um cenário de juros mais elevado. Quando olhamos as relações de troca, a gente tem uma margem da safra de verão convergindo para uma média histórica que não é tão alta como nas últimas três safras. Ainda assim bastante boa, mas sobrará menos.