Máquinas fotográficas em punho, os turistas começam a cavalgada montados em animais fortes e vistosos, num cenário montanhoso, repleto de vales, grutas, riachos, cachoeiras e uma abundância de flores e árvores de tirar o fôlego. O ponto de partida é a fazenda do Engenho, em Conceição do Ibitipoca, município localizado na Serra da Mantiqueira, região central de Minas Gerais. A fazenda, de 4,5 mil hectares, não tem nenhuma cultura comercial, como costuma ocorrer em qualquer outra propriedade rural. Desde 1990, a fazenda foi transformada em uma reserva natural por seu proprietário, o economista carioca, radicado em São Paulo, Renato Machado. “Quando comprei a fazenda, a ideia era trazer de volta a essência de Minas Gerais, de uma natureza exuberante e amiga”, diz Machado. “Além  disso, estamos preservando o que já existia na fazenda e reconstituindo toda a mata que foi destruída em anos passados.”

Nesse santuário particular, são permitidas apenas três atividades: fazer trilhas a pé, de bicicleta ou a cavalo. Mas, quem procura pelos passeios na fazenda do Engenho não está em busca de voltinhas ao redor de lagos, como costumam ser boa parte dos programas para cavaleiros amadores. Os adeptos da cavalgada mineira podem ficar até seis horas por dia no lombo de um cavalo, com paradas de apenas 15 minutos, a cada hora de percurso. Os programas duram, no mínimo, três dias. O único autorizado a organizar eventos desse tipo na fazenda é o cavaleiro Paulo Junqueira, dono da agência Cavalgadas Brasil, de São Paulo, especializada em viagens equestres. “Escolhi o Junqueira pelo cuidado e paixão com que ele cuida dos animais e da natureza”, diz Machado.

Os grupos, em geral, são reduzidos. Uma das últimas turmas que cavalgaram pela Engenho, acompanhada pela reportagem da DINHEIRO RURAL, era composta por dez cavaleiros, sem contar Junqueira e dois instrutores que o ajudam a transformar o passeio em uma aventura segura. Em geral, são eles que verificam se os cavalos estão bem arreados, as selas ajustadas e os estribos na medida para apoiar durante o trote. “A palavra de ordem é segurança, dos cavaleiros e dos cavalos”, diz Junqueira. “Em geral, fazemos trajetos complicados que precisam de muita atenção.”

O médico pediatra Celso Cintra e sua mulher Ana Beatriz, psicóloga, já compartilhavam a paixão por cavalos, antes mesmo de se conhecerem e se casarem, há 26 anos. “Eu e Bia sempre usamos a cavalgada como um meio para fugir da rotina cansativa do dia a dia”, diz Cintra. “Além do passeio, estar na fazenda do Engenho é como voltar ao tempo da colonização do País”, diz Ana. “Fico encantada com a arquitetura da sede.” A casa colonial, que faz as vezes de pousada, é uma réplica de 1715. Portas em madeira maciça dão em corredores longos e largos. A varanda circunda as salas de jantar e de estar, as cristaleiras são repletas de objetos de época, há enormes cadeiras de balanço, além de grandes lustres no teto. Mas o que os cavaleiros mais querem quando estão no Engenho é por o pé na estrada. Ou melhor, os cascos de suas montarias nas trilhas. Mal se vê o raiar do dia e a agitação já é sentida de longe. O movimento ao redor da mesa do café é enorme para apreciar os quitutes, entre eles um pão de canela que é a especialidade da região. O pão até já virou tema de um trabalho da antropóloga Rogéria Dutra, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, no norte do Estado. O estudo durou um ano e foi apresentado na 19ª International Ethnological Food Research Conference, de 15 a 18 do mês passado, em Lund, na Suécia, como uma peça de cultura popular.

A comida, no entanto, consegue entreter os cavaleiros por pouco tempo. O momento mais aguardado é a partida para os estábulos, quando eles vestem perneiras, capacetes, botas e tomam os chicotes. Os cavalos, a maioria da raça mangalarga marchador, vão se aprumando e tomando o rumo da estrada. O primeiro destino é um vilarejo de moradores chamado Arraial, a dez quilómetros da fazenda.

Para a psicóloga Marina Mesquita, 56 anos, uma das herdeiras do grupo de comunicação O Estado de São Paulo, reviver pelo menos um pouco a época das expedições colonizadoras, a cavalo, é uma aventura que não tem preço. Parte das trilhas é realizada ao lado da Estrada Real, ou em trechos de mata fechada, que já serviram de rota oficial da coroa portuguesa no Brasil Colonial. Naquela época, as estradas eram usadas para transportar o ouro tirado das minas da região. “É como levar a cabeça para outro mundo”, diz Marina. A Estrada Real, que tem poucos quilómetros preservados de forma original, é imensa. Ela mede 1,6 mil quilómetros e passa por 199 municípios, dos quais 169 em Minas Gerais, 22 em São Paulo e oito no Rio de Janeiro, a maior parte descaracterizada como patrimônio histórico.

Do grupo de hóspedes da fazenda do Engenho, o único estreante era o fazendeiro José Henrique, de Avaré (SP), que pediu à reportagem da DINHEIRO RURAL para não ser identificado, por medo de sequestro. “Pratico polo e ando a cavalo, mas nunca em passeios assim”, diz Henrique. Ele ficou tão empolgado com Ibitipoca que vai cavalgar na Espanha, nos caminhos de Santiago de Compostela, no fim deste mês. Serão 590 quilômetros, em 17 dias.

No fim de cada dia, em geral, os cavaleiros mais experientes ganham um prêmio: galopar levantando poeira, uma prática proibida durante as cavalgadas. “É bom para desestressar”, diz Junqueira. Quando chegam ao estábulo, os animais ganham pedaços generosos de rapadura e feno fresco. “Os cavalos adoram galopar porque sabem que vão ter boa comida e descanso”, diz Junqueira. Pelo menos até o dia seguinte, quando tudo recomeça.