O preço salgado de alimentos comuns na mesa do brasileiro vem incomodando. Liderados por produtos como o feijão-mulatinho, que subiu 45% nos últimos 12 meses, e do arroz, com alta de 34,3%, os gastos com comida passaram a pesar mais no bolso no ano passado. Preocupado com a alta de 13% no preço da alimentação nos últimos 12 meses – o dobro do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, o Palácio do Planalto resolveu aumentar os estoques públicos para tentar evitar novas altas dos preços. Reuniões realizadas desde o início do ano, coordenadas pela Casa Civil, resultaram na criação de um conselho interministerial para elaborar um plano a fim de aumentar os estoques e tentar diminuir o déficit de armazéns no Brasil. Um conjunto de medidas – que inclui a ampliação dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a criação de uma linha específica para a construção de novos armazéns, com juro subsidiados, e o aumento das aquisições por parte do governo – deve ser anunciado nos próximos meses.

A capacidade de armazenagem brasileira é pequena, menor do que o recomendado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que estabelece como ideal a estocagem do equivalente a 120% de uma safra anual. O Brasil deve colher uma safra de grãos de 185 milhões de toneladas neste ano, mas os armazéns públicos e privados credenciados pelo governo para guardar os  estoques públicos podem acomodar 140 milhões de toneladas – caso seguisse a recomendação da FAO, a capacidade de estocagem deveria chegar a algo em torno de 220 milhões de toneladas. No entanto, a situação é ainda mais grave, porque nem mesmo esses armazéns estão cheios.

O governo quer aproveitar a supersafra que será colhida neste ano, a maior da história, para comprar mais alimentos e recompor os estoques reguladores. “Nossa estratégia é recuperar estoques em 2013, já que eles estão muito baixos devido ao mercado aquecido e a eventos climáticos no ano passado”, disse o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller. Ele admite que a inflação preocupa, mas diz que a principal arma do governo para segurar os preços é o estímulo ao aumento da oferta, concedendo mais crédito e aumentando a cobertura do seguro agrícola. O plano de safra, que será anunciado no início de maio, deve oferecer cerca de R$ 130 bilhões em financiamento, 13% mais do que no ano passado.

O aumento da aquisição de alimentos por parte do governo, no entanto, esbarra em outro problema: todo o sistema está desenhado para comprar o produto quando ele cai abaixo do preço mínimo. A combinação de preços mínimos, sem reajuste desde 2005, e a alta dos preços no mercado internacional faz com que raramente o governo consiga utilizar esse mecanismo. “O governo descuidou completamente da política de estocagem e não consegue mais mexer em preço apenas comprando alimentos em leilões”, diz o presidente da Associação Brasi leira dos Produtores de Mi lho (Abramilho), Alysson Paulinelli, que foi ministro da Agricultura na década de 1970.

O estoque de milho mantido atualmente nos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de 800 mil toneladas, representa uma parcela mínima da safra brasileira, estimada em 75 milhões de toneladas do cereal, neste ano. Mas a situação da soja, cultura em que o Brasil é o maior exportador e deve se tornar neste ano o maior produtor mundial, é ainda preocupante, já que o País não tem estoque do grão. “Toda a produção que não é vendida no mercado interno é exportada”, diz Paulo Molinari, consultor paranaense, que acompanha diariamente as cotações agrícolas. “Não há incentivo para o produtor construir silos para manter produto.” Na avaliação da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), os estoques baixos são resultado justamente do alto custo para sua manutenção. Por isso, a entidade quer que o governo ofereça financiamentos com juros menores. “É preciso financiar melhor o produtor, para que ele também tenha condições de guardar parte da produção”, afirma Rosemeire Freitas, superintendente-técnica da CNA.

Também são insuficientes para cobrir uma eventual quebra de safra os estoques da dupla básica do prato dos brasileiros, o arroz e o feijão. Os armazéns da Conab guardam hoje o equivalente a um milhão de toneladas de arroz, o suficiente para apenas um mês de consumo no País. Com a seca do ano passado no Rio Grande do Sul, principal região produtora nacional, os preços subiram e a possibilidade de elevar os estoques diminuiu. “Se comprar mais para elevar os estoques, o governo acaba retirando produto do mercado e aumentando os preços”, diz Élcio Bento, analista da consultoria Safras&Mercados. Os produtores defendem o aumento do preço mínimo, hoje em R$ 25 a saca, já que o preço de mercado é de R$ 34 a saca.

Em relação ao feijão, a diferença é ainda maior: o preço mínimo estipulado pela Conab para uma saca de 60 quilos é de R$ 70, mas ela é vendida a R$ 230. “No ano passado, alertamos o governo de que o feijão provocaria a inflação de alimentos, mas nada foi feito”, diz Marcelo Luders, diretor da Correpar Corretora e membro da Câmara Setorial de Feijão do Ministério da Agricultura. Ou seja, se pretende mesmo usar os estoques reguladores para segurar a inflação, o governo ainda tem um longo caminho a percorrer. Primeiro vai ter de recompor os estoques, para depois tentar influenciar os preços.