Quatro meses após o presidente Jair Bolsonaro cobrar do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um estudo para desobrigar o uso de máscaras no País, a pasta ainda não conseguiu chegar a um parecer para embasar a decisão. A conclusão da análise, prevista inicialmente para este mês, foi adiada para novembro. O presidente pressiona o ministro para que o item de proteção deixe de ser cobrado. Com menos da metade da população do País completamente imunizada, especialistas afirmam ser preciso ter cautela.

A pressão sobre Queiroga se dá no momento em que o avanço da vacinação e a queda de casos de covid-19 desencadearam anúncios para flexibilizar o uso de máscaras em algumas cidades, como no Rio e em São Paulo (mais informações nesta página). A primeira a abandonar o item de proteção, porém, foi Duque de Caxias (RJ), onde desde terça-feira as pessoas não precisam mais sair às ruas com o equipamento. O prefeito Washington Reis (MDB) justificou a medida pelo avanço da vacinação.

Após assumir a pasta dizendo que o Brasil se tornaria a “pátria de máscaras”, Queiroga mudou de posição. Em entrevistas, já afirmou ser contra o uso obrigatório do equipamento de proteção e a favor de uma “conscientização”, que não explicou como seria feita.

O ministro foi cobrado pelo presidente a tomar uma decisão sobre o tema em pelo menos duas ocasiões. Em 10 de junho, Bolsonaro disse que havia falado “com um tal de Queiroga” e o ministro decidiria pela desobrigação. “Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscaras por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados. Para tirar este símbolo (segurando uma máscara descartável na mão) que tem a sua utilidade para quem está infectado”, disse. No mesmo dia, Queiroga contemporizou ao afirmar que havia recebido um “pedido” para produzir um estudo sobre o uso de máscaras.

O ministro da Saúde foi cobrado pelo presidente novamente no fim de agosto. Bolsonaro disse, na ocasião, que definiria uma data para a flexibilização do equipamento de proteção. Após ser pressionado, Queiroga afirmou que apresentaria um “esboço de estudo” ao presidente no dia seguinte.

Ciência

A necessidade de usar o equipamento já foi provada cientificamente e é defendida por especialistas, que destacam o risco imposto pela transmissão da doença. A medida foi adotada na maioria dos países.

O médico Renato Kfouri, consultor do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid, da Associação Médica Brasileira, afirma que a discussão sobre o uso de máscara não deveria ser feita neste momento. Segundo ele, o risco de andar sem máscara é muito alto perto do baixo benefício de não usar o equipamento de proteção. “Isso deveria ser uma das últimas medidas. Para ele, a desobrigação no uso de máscara só deveria ocorrer mediante algumas condições: taxa de transmissão, número de casos e hospitalizações baixos, alto número de vacinados e grupo acima de 60 anos com dose de reforço.

O estudo encomendado por Bolsonaro está sob responsabilidade do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), da Saúde, que encomendou a análise ao Núcleo de Ensino e Pesquisa em Saúde Baseada em Evidências e Avaliação de Tecnologias em Saúde (NEPSbeats), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo o setor, os pesquisadores estão fazendo uma “revisão sistemática” sobre outros estudos e reunindo artigos científicos a respeito. O objetivo, informou o ministério, é “identificar, avaliar sistematicamente e sumarizar as evidências disponíveis sobre a eficácia e a segurança do uso de máscaras faciais médicas e não médicas, em ambientes abertos ou fechados, para imunizados (vacinados e/ou convalescentes) para a covid-19”.

Serão levados em conta os seguintes critérios: população de vacinados e convalescentes, uso de máscaras de qualquer tipo, em ambientes abertos e fechados, comparação e desfechos relevantes. “Por exemplo: reduz transmissão? Reduz o número de novos casos? Reduz hospitalizações?”, afirma a Saúde.

De acordo com o setor, o estudo não vai definir se o uso de máscara será obrigatório ou não. O levantamento vai subsidiar a tomada de decisão do Ministério da Saúde. “A Revisão Sistemática que está sendo conduzida não se confunde com o próprio parecer, manual ou guia a ser elaborado, ou seja, a evidência científica deve ser entendida como um dos elementos que subsidia a tomada de decisão, e não o próprio ato administrativo decisório.” O Departamento de Ciência e Tecnologia está vinculado à secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, do ministério. O chefe da secretaria é o médico olavista Hélio Angotti Neto.

Pressão

A flexibilização não é o único tema que o presidente tem cobrado do Ministério da Saúde. Em setembro, o ministro afirmou que partiu de Bolsonaro a orientação para rever a vacinação de adolescentes. A decisão foi considerada um erro por especialistas em saúde.

Medicamentos ineficazes contra a covid é outro tema que tem colocado o presidente na contramão de técnicos da Saúde. Bolsonaro tem incentivado o uso de remédios como a hidroxicloroquina. O “tratamento precoce” deve ter sua exclusão definitiva do uso da rede pública recomendada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). E Bolsonaro também tem sido crítico do passaporte das vacinas em espaços coletivos públicos, que avança nos municípios.

Procurada para falar sobre o assunto, a Unifesp informou que existe uma cláusula de confidencialidade e as informações devem ser repassadas pelo Ministério da Saúde.

SP

O comitê científico criado pelo Estado de São Paulo e o governo João Doria (PSDB) avaliam o fim gradual do uso obrigatório de máscaras faciais na prevenção contra a covid-19 em um “futuro breve”. A decisão será divulgada em uma coletiva de imprensa em 18 de outubro, mas o coordenador do grupo destacou que não haverá liberação agora, pois há um entendimento de que a proteção continua necessária, diante dos registros de 111 óbitos e 540 internações por dia em municípios paulistas. O Estado de São Paulo tem 4.375.187 casos e 150.401 óbitos confirmados pelo novo coronavírus.

“A história mostrou que as coisas não são tão simples”, destacou o coordenador do comitê científico, o médico Paulo Menezes, ao citar casos de países que tiveram de recuar após acabar com a obrigação do uso de máscaras. “Nós tivemos um grande avanço na situação epidemiológica e continuamos avançando. Estamos avaliando a possibilidade no futuro, não neste momento”, comentou. “Hoje, devemos continuar utilizando esta proteção.”

Segundo ele, a liberação deverá ser gradual. O primeiro passo seria autorizar a circulação de pessoas sem máscaras em ambientes ao ar livre, em que são menores as chances de transmissão da doença. “O comitê científico está discutindo isso e, quem sabe em breve, teremos uma posição sobre esta questão”, comentou.

Já Doria destacou que os critérios para a possível liberação serão apresentados na coletiva de 18 de outubro. “Nós temos amanhã a reunião do PEI (Programa Estadual de Imunização). Nós teremos a presença de integrantes do comitê de saúde, como sempre, e também do secretário municipal de Saúde (da cidade de São Paulo), Edson Aparecido, e aí adotaremos a decisão que for expressada pelo comitê de saúde e pelo PEI, e aí vamos anunciar no próximo dia 18”, afirmou.

A cidade de São Paulo também tem discutido a medida, enquanto o Rio sinalizou uma liberação ainda neste mês. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontaram que a decisão deve ser debatida com cautela, especialmente pela forma como pode afetar também o comportamento da população em ambientes fechados e sem ventilação adequada.

Calendário

O Estado também anunciou as novas datas do calendário da dose de reforço contra a covid-19 para os vacinados com a segunda dose em abril. A partir de segunda-feira, a aplicação será voltada a idosos de 80 anos ou mais. Na sequência, de 18 a 24 de outubro, a campanha será ampliada para o público de 75 a 79 anos.

Já, de 25 a 31 do mesmo mês, será a vez de quem tem de 70 a 74 anos. Em novembro, de 1.º a 7, o foco estará nos idosos de 60 a 69 anos. Em paralelo, também ocorre a vacinação de reforço para profissionais de saúde. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.