O mineiro Eduardo Monteiro, aos 74 anos, diz que passou da hora de calçar os chinelos e não se preocupar mais com o ritmo de seus empreendimentos. “Já trabalhei demais. Agora é a vez dos filhos”, diz o dono de um patrimônio que envolve uma fazenda e concessionárias de veículos nas regiões de Uberlândia, Monte Carmelo e Paracatu, em Minas Gerais. Monteiro tem seis herdeiros, dos quais quatro estão diretamente envolvidos no dia a dia de seus negócios. Para realizar o desejo do patriarca, desde o início do ano, a família tem se reunido rotineiramente para conversar sobre a propriedade de 1,7 mil hectares, na qual há café, seringueira e bois, e sobre as lojas de veículos GM. Para Monteiro, chegou o momento de passar para o nome dos filhos tudo o que ganhou na vida. “Chegou a hora deles”, diz. “Mas não quero ver cada um para um lado, se desfazendo do patrimônio.” 

Por isso, em vez de discussões acaloradas, o que tem acontecido na família Monteiro é uma maratona de reuniões nas quais os princípios da governança corporativa vêm sendo utilizados como ponto de orientação para o que deve ser feito. “A família tem 21 membros, e não é fácil satisfazer as ambições de todos sem a ajuda de profissionais em gestão de patrimônio”, diz o filho Ricardo Monteiro. “Mas estamos aprendendo que é possível atravessar essa fase.” Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) de São Paulo, a definição do conceito de governança nada mais é do que um conjunto de regras monitoradas, pelas quais são definidas as tarefas de administração, controle e tomada de decisões por parte dos controladores de uma empresa. “Desde 2010, e mais especificamente nos últimos dois anos, cada vez mais famílias aderem a essa prática, antes identificada apenas com as grandes corporações”, diz o advogado Marcus Reis, do escritório Reis Advogados, também de Uberlândia.

Para Marcelo Prado, da MPrado Assessoria, que está ajudando os Monteiro, as famílias que começam a buscar um modelo de governança corporativa são aquelas que almejam a perenidade dos negócios, mas não sabem como perpetuá-los. 

Atualmente, a MPrado orienta cerca de 40 projetos de sucessão em médias empresas, dos quais 20% são ligados ao agronegócio. “Em geral, quem mata uma empresa não são os concorrentes, são os seus conflitos”, diz Prado. “Mas há um caminho para salvar o negócio, e ele passa pela gestão desses conflitos.” 

Foi justamente para acabar com os conflitos que a família de Maria Eugênia Cancella, da fazenda Alvorada, em Porteirão (GO), começou a organizar a sucessão, transformando a propriedade em uma holding. Nesse arranjo, Maria Eugênia, sua irmã, a mãe e os herdeiros de um irmão já falecido detêm cotas de participação da fazenda de 3,2 mil hectares, nos quais há gado de corte e cana-de-açúcar.Os termos da divisão das cotas foram definidos pelo pai de Maria Eugênia, Gilberto Cancella, que também já faleceu. “Meu pai, muito organizado, gostava de tudo no papel, como custos, investimentos e impostos”, diz ela. “Sem a holding, teríamos gastado uma fortuna em inventário.” Segundo Reis, em geral 8% do valor da fazenda se vai nas sucessões tradicionais, enquanto na holding não há impostos a pagar. No caso da fazenda Alvorada, somente a terra está avaliada em R$ 70 milhões. “Poucas empresas no País valem acima de R$ 100 milhões”, diz Reis. “Em Uberlândia, nem 5% delas faturam acima desse valor.” 

Para Wanderson Rodrigues da Silva, que também é consultor da MPrado, o que não falta no País são pequenos e médios fazendeiros sem noção do patrimônio que possuem. “O Brasil está cheio de propriedades de 1,5 mil hectares que valem R$ 30 milhões”, diz Rodrigues da Silva. “Com dez mil hectares, são inúmeras as fazendas sem um plano de gestão e sucessão.” O médico João Marcussi, de Orlândia, no interior de São Paulo, que há 30 anos compra terras como forma de poupança para a aposentadoria, diz que nunca havia pensado no assunto. Hoje, aos 60 anos, com dois herdeiros e 1,1 mil hectares arrendados para a cana-de-açúcar na região do Triâgulo Mineiro, Marcussi acredita que o momento está chegando. Um dos filhos, Henrique, se tornou agrônomo pensando em gerir as fazendas. “Agora, acho que tenho um sucessor”, diz o pai. O outro filho é advogado. 

Aos interessados em implantar um sistema de gestão e sucessão, os especialistas dizem que não existe um terno que sirva para todos os clientes. Ele é feito sob medida para cada um. “Cada grupo familiar tem suas características, sua cultura”, diz Reis. Mas, na essência, os mesmos princípios que valem para um sítio de um hectare também valem para uma fazenda de 300 mil hectares. “É claro que no caso de um hectare não é preciso um conselho de administração”,  diz Prado. “Mas algumas coisas são básicas: regras, coerência e transparência cabem em qualquer negócio.” Na MPrado, a linha de corte das empresas que buscam por seus serviços está em R$ 10 milhões como receita anual. “É a linha de corte mais comum nos atuais projetos de governança”, diz Rodrigues da Silva. Aos produtores, o custo de um projeto varia muito, mas num cálculo simples Prado estima que o valor equivale ao de dois tratores ou duas camionetes top de linha. No mercado, uma camionete Hilux, da marca Toyota, vale R$ 150 mil. “Em geral são necessários pelo menos dois anos para se implantar um programa de governança”, afirma.