R$ 294 milhões foi quanto Eduardo Logemann, da SLC Agrícola, conseguiu com o seu IPO

US$ 197 milhões é o faturamento do Grupo Vanguarda, do empresário Otaviano Pivetta, que estuda abrir capital na Bolsa de Valores

Aagricultura brasileira passa por uma segunda revolução. Depois de expandir suas lavouras para regiões consideradas inóspitas no final da década de 1990 e fazer brotar divisas desses solos, as grandes fazendas do País começam a mudar o modelo de negócio. Estão profissionalizando o comando dos grupos, originalmente familiares, substituindo o dono por executivos de carreira. O passo seguinte, a exemplo do que ocorreu com a SLC Agrícola, da família Logemann, é preparar a abertura de capital para a chegada à Bolsa de Valores. Este é o caminho que vem sendo seguido por alguns dos maiores conglomerados agrícolas do País, todos nascidos como simples fazendas, como Maggi, Caramuru e Vanguarda. Estão adequando-se ao processo de governança corporativa e prontos para aportar na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A meta é crescer ainda mais, e de forma consistente, com a captação de novos recursos, e ter acesso a crédito internacional com taxas de juros menores que as do mercado nacional.

US$ 1,1 bilhão foi quanto o Grupo Maggi, comandado pelo executivo Pedro Jacyr Bongiolo, faturou em 2006

O Grupo Maggi, do governador do Estado de Mato Grosso, Blairo Maggi, é um bom exemplo de fazenda que passou por um grande processo de profissionalização e, agora, está a caminho da Bolsa de Valores. A decisão já foi tomada, a documentação está pronta, com a empresa totalmente auditada de acordo com as exigências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão do governo federal que normatiza o setor. Mas, de acordo com o presidente do Maggi, Pedro Jacyr Bongiolo, ainda falta definir quando isso acontecerá. “É preciso aguardar a janela de oportunidade adequada”, explica. No caso de uma abertura de capital, segundo ele, o destino do dinheiro já é certo. “Investiremos na área industrial e em energia”, revela, já que, de acordo com Jacyr, a área plantada do grupo não necessita de expansão no momento.

“O Grupo Maggi tem interesses em ampliar a sua área industrial, além de incrementar os investimentos em energia”, diz Pedro Jacyr, presidente do grupo

US$ 300 milhões é a receita anual do grupo Bom Futuro, de Eraí Scheffer, que tem 200 mil hectares e estuda abertura de capital

Não é para menos. O Grupo Maggi deve faturar este ano R$ 1,1 bilhão; para o ano que vem a estimativa é de R$ 1,6 bilhão, e com um detalhe a mais – e determinante: a safra 2007/2008 está 50% vendida. Sua gestão é considerada impecável pelos especialistas, utilizandose de todas as ferramentas de proteção possíveis, seja no seguro de câmbio, seja travando vendas futuras. Não bastasse, os empreendimentos vão muito além das lavouras de soja, milho e algodão plantadas ao longo de 195 mil hectares. A empresa possui um parque industrial com capacidade para esmagar um milhão de toneladas de soja, mas pretende dobrar essa quantia. Presente no município de Sapezal, meio-oeste do Estado de Mato Grosso, o grupo pretende incrementar os investimentos na área de geração de energia. Existe uma planta de uma hidrelétrica em construção no rio Juruena, que corta aquele município.

“A profissionalização é uma tendência irreversível do mercado”, afirma o analista do mercado de agricultura Flávio Roberto de França Junior, da consultoria Safras & Mercados. Segundo ele, a maior eficiência na gestão das empresas rurais dará início a uma onda de aquisições, aumentando a concentração de produção nos próximos anos. Quem não quiser ser comprado ou mesmo não quiser vender seu negócio, na opinião de França Junior, terá de se associar em cooperativas e tentar ampliar sua produção. “É natural que as empresas busquem a abertura de capital”, analisa. “A procura de crédito mais barato no Exterior é uma tentação muito forte para um país que tem carência de recursos para investimentos. Quem puder partir para esse caminho dificilmente voltará atrás.”

Outro gigante da agricultura que deve abrir capital nos próximos meses é o Grupo Caramuru, uma trading 100% nacional, no mercado há 43 anos. Ainda dirigida por dois integrantes da família Borges, que ocupam a presidência e a vice-presidência da companhia, a Caramuru pode abrir capital já no próximo ano. A curiosidade é que hoje a empresa não planta um grão de soja sequer. No entanto, garante a compra de seus fornecedores nos Estados do Paraná e Goiás, principalmente na região de Itumbiara. Com a produção, faz uma série de produtos com a marca “Sinhá”, sua linha de frente. O faturamento deve fechar o ano em 1,3 bilhão, 8,3% a mais do que 2006, de acordo com o vice-presidente do grupo, César Borges.

“A Caramuru é auditada pela Ernst & Young, uma das mais renomadas empresas de auditoria no mercado”, diz César, referindo-se a uma das exigências da Comissão de Valores Mobiliário (CVM) para empresas que desejam abrir capital. Ele comenta que a empresa está preparada para realizar sua oferta inicial de ações e, assim como o Grupo Maggi, espera o melhor momento. O empresário destaca, ainda, que a gestão da Caramuru é totalmente profissionalizada. Dos 2.400 colaboradores apenas dois fazem parte da família fundadora: justamente César Borges, vice-presidente, e seu irmão, Alberto Borges, atual presidente. Mas, de acordo com César, ainda não há data definida para abertura de capital.

Tanto os Maggi como os Borges seguem o caminho trilhado por outra empresa, também originária de um grupo familiar. Trata-se da SLC Agrícola, primeiro grupo genuinamente agrícola e que já fez sua abertura de capital, oferecendo ações na Bolsa de Valores. Com essa estratégia foram levantados R$ 294 milhões líquidos, dos quais 70% serão destinados para a aquisição de novas áreas. Na próxima safra, a empresa, que tem 117 mil hectares plantados, já tem garantido um incremento de 43% na área plantada. E eles não vão parar por aí. “Vamos comprar fazendas”, revela Laurence Beltrão, diretor financeiro do grupo. Segundo o presidente do grupo, Eduardo Logemann, a abertura de capital se mostrou a melhor forma de capitalizar a empresa e promover o crescimento desejado. Agora a SLC Agrícola vai às compras.

Acesso a linhas de crédito mais baratas no Exterior estimula grandes grupos a estudarem a abertura de capital na Bolsa de Valores

Quem também se prepara para aderir à febre da abertura de capital é o Grupo Vanguarda, do empresário gaúcho Otaviano Pivetta. A empresa, uma sociedade anônima (SA), fatura por ano US$ 197 milhões em 11 fazendas que produzem soja, milho, arroz e algodão. O grupo pretende construir uma usina de biodiesel e outra para etanol à base de milho. Operando na área industrial, deseja aumentar a capacidade de esmagamento de soja, saltando a produção de 10% para 40%, o que significa agregar mais valor aos seus produtos que são exportados via Paranaguá.

R$ 1,3 bilhão é a receita da Caramuru, de César Borges, para quem a empresa está pronta para ir à Bolsa de Valores

Já o paranaense Eraí Maggi Scheffer, do Grupo Bom Futuro, contratou o mesmo escritório que fez a preparação da abertura de capital da SLC Agrícola, o Pinheiro Neto Advogados Associados, para entrar na bolsa. A empresa fatura US$ 300 milhões por ano (2006) e possui 200 mil hectares de soja em lavouras de soja, milho, trigo e algodão. “A corrida de empresas do setor agrícola em busca da Bolsa de Valores deve ser ampliada.” Esta é a opinião do analista de m e r c a d o s José Vicente Ferraz, da A g r a F N P Consultoria. “Tenho recebido muitas consultas e pedidos de estudos de viabilidade. Muita gente está interessada, mas não é um processo tão fácil. Acredito, porém, que seja uma tendência os grandes empreendimentos, ao longo dos próximos anos, abrirem capital.” Mas para especialistas uma coisa é certa: as boas práticas de gestão já estão fincadas entre as grandes empresas rurais e esse caminho é irreversível. “Tão importante quanto plantar bem é gerir bem e esse é o novo desafio da agricultura brasileira”, diz Ferraz.

O CAMINHO PARA A BOVESPA

Transparência é a maior exigência da CVM

Quem pensa que abrir capital é moleza pode tirar o cavalo da chuva. As exigências feitas pela Comissão de Valores Mobiliários são grandes e a transparência é a maior preocupação. “É preciso que as contas da empresa, que deve ser uma SA (Sociedade Anônima), tenham sido auditadas nos últimos três anos”, revela Henrique Lang, diretor do escritório Pinheiro Neto e Advogados Associados, especializado em abertura de capitais. É necessário que a empresa seja administrada num sistema de governança corporativa, ou seja, com um conselho independente com poderes de vetar ou aprovar ações. Levando em consideração esses itens, é preciso fazer um registro inicial de companhia aberta. “Isso pressupõe que a empresa tenha cumprido todas essas etapas anteriores”, diz. Ao longo do processo, comenta Lang, a CVM pode fazer algumas exigências e pedir documentos complementares para analisar. Além disso, é preciso que a companhia que pretenda abrir capital tenha um estatuto compatível com o que esperam as Bolsas de Valores. “A própria Bovespa tem algumas exigências de cláusulas com o intuito de garantir a transparência das ações”, explica o advogado. Todo o prospecto deve ser padronizado e conter todas as informações, porque só assim os interessados poderão tomar suas decisões sobre investir ou não naquela empresa. Trabalham na produção de documentos quatro advogados. Em uma empresa organizada, esse processo dura em média quatro meses com trabalho duro diário. Depois de protocolado o pedido na CVM, a instituição tem 20 dias para se manifestar, em que ainda podem ser solicitados documentos. Cumprida essa etapa, as ações recebem um valor e depois de três dias acontece o IPO (Initial Public Offering) ou em bom português: Oferta Pública Inicial. “É um caminho sem volta”, afirma Lang.