Um evento multidisciplinar inovador, que surgiu em 2016 na Romênia e rapidamente ganhou adeptos em diversos lugares do mundo, vem se tornando um atrativo entre artistas e intelectuais brasileiros interessados na troca de experiências com pessoas de outros países e no desenvolvimento de projetos criativos. Apoiado pelo Parlamento Europeu, o Festival Unfinished  [Inacabado, em tradução livre] inicia hoje (22), em formato totalmente online, a sua sexta edição.

O evento, que ocorre anualmente, coloca em questão modelos de festivais de arte e cultura onde os participantes são meros espectadores. Sua proposta é promover uma interação criativa, trocas de experiências e conexões por meio da música, da poesia, da arte e da exploração de conhecimentos. A programação de oito dias inclui momentos de bate-papo, de apresentações e de performances, de práticas como ioga e meditação e até mesmo de almoço, de jantar e de café, quando os presentes se reúnem em pequenos grupos e se sentam juntos em mesas virtuais onde podem conversar.

A participação é gratuita, mas exige-se inscrição prévia: é necessário preencher um questionário, cujas reflexões são a porta de entrada para o evento. Mais de 4 mil pessoas de 64 países participaram da última edição e a expectativa dos organizadores é que esse número possa dobrar neste ano. A plataforma criada exclusivamente para o evento oferece a possibilidade tanto de atividades realizadas ao vivo como de atrações que podem ser adaptadas conforme o fuso horário e a rotina de cada participante. Entre os convidados para compor a programação, estão pessoas criativas de diversos países abertas à inovação e à reinvenção de práticas artísticas e sociais.

Participantes famosos

A sensação do festival entre a comunidade artística e intelectual europeia e mundial já fez com que diversas figuras de fama internacional desembarcassem na sua programação. Edições anteriores receberam, por exemplo, a artista performática Marina Abramović e o pioneiro da computação gráfica Alvy Ray Smith, cofundador do estúdio de animação Pixar.

A designer de experiências Isabella Nardini é uma das curadoras do evento – Isabella Nardini/Arquivo pessoal

Nos últimos anos, o crescente interesse de brasileiros chamou atenção dos romenos. Eles convidaram a designer de experiências Isabella Nardini para participar da curadoria. Como consequência, esta será a edição que tem a maior participação de brasileiros convidados. São pessoas dos mais variados perfis, entre elas a psicanalista Maria Homem, a jornalista e antropóloga Néli Pereira e a ilustradora Ing Lee. Na música, os brasileiros estarão representados pelo cantor Macul, pela banda Francisco El Hombre e pelas duplas Duo Àvuà e Baby.

“Quando falamos da indústria criativa, há grandes festivais globais conhecidos, mas uma coisa que existe no Unfinished que é diferente é o senso da comunidade. Todos os dias, o festival começa com uma sessão de bem-estar: ioga, meditação, pilates. E, neste ano, nós não vamos fazer palestras em que as pessoas vão no palco. São conversas íntimas entre as pessoas. Gravamos com elas no mundo inteiro. Por exemplo, pessoas conversando enquanto caminhavam no High Line Park de Nova York ou sentados na beira de um lago. Buscamos tirar esse formato entre o palestrante e o espectador. A ideia era criar um ambiente para a entrega de um conteúdo mais intimista”, explica Isabella Nardini, que integra a curadoria pelo segundo ano seguido.

Segundo Isabella, não é um festival só para artistas criativos. “Abrange tudo. Há, por exemplo, cientistas e pessoas da área da saúde. E nem só grandes nomes, mas pessoas que estão explorando outras perspectivas de vida, de mundo”, acrescenta. Ela conta como funcionam as salas virtuais para as refeições, que poderão reunir até quatro participantes. Uma pergunta introdutória proposta pela organização do festival fomenta o início do bate-papo.

A experiência vivida pelo músico brasileiro Macul é um exemplo bem-sucedido desse formato. Na edição do ano passado, ele era um dos participantes que ouvia e interagia com os convidados do festival. Em uma pausa para um café online, ele conheceu a cantora paulista Sarah Roston, que era uma das artistas convidadas. Desse encontro virtual, surgiram propostas de parceria: de participante, Macul passou ao posto de convidado na edição deste ano. Radicado em Munique, na Alemanha, ele vai se apresentar com sua banda em uma exibição na qual cada música é gravada em um cômodo de sua casa.

Outra forma de sociabilizar é por meio de um botão em que o participante informa sua disposição para conversar. Ele pode sinalizar interesse por um bate-papo com pessoas de perfil mais parecido ao seu ou com outras que apresentem perspectivas completamente distintas. 

Presencial e virtual

O evento, que surgiu em 2016 de forma totalmente presencial, foi idealizado pela Fundação Eidos, sediada em Bucareste, capital da Romênia. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos voltada para apoiar novas formas culturais a nível internacional. Até 2019, a programação se desenrolava no Museu de Arte Nacional da Romênia.

“Tudo é inacabado. Existe alguma coisa no mundo que não está em movimento? Do cosmos aos átomos, dos humanos às opiniões, somos apenas minúsculas especificações em longas linhas pontilhadas, infinitas e incompletas”, diz o manifesto do festival. Embora toda edição seja plural e multidisciplinar, a cada ano um tema principal dá o tom do evento. Em 2021, a temática proposta é “meia-noite”, palavra que carregaria uma atmosfera ambivalente: representa a passagem de um dia para o outro, a mescla entre os medos da noite e as esperanças dos contos de fadas.

O músico brasileiro Macul passou de participante a convidado nesta edição – Macul/Arquivo pessoal

“Também trazemos a meia-noite como emergência”, pontua Isabella Nardini. Sua entrada na curadoria ocorre justamente na transição para o modelo 100% online, o que era inevitável diante da pandemia de covid-19. A brasileira, que participou do desenvolvimento da startup brasileira Mesa e é criadora da plataforma de relacionamentos Love is in the Cloud, já havia sido palestrante na última edição presencial do festival, em 2019.

No ano seguinte, quando os fundadores começaram a pensar no evento a partir de uma plataforma virtual de experiência, apostaram nos conhecimentos de Isabella e a convidaram para assumir o design de experiência. “Meu trabalho é criar experiências que transformem as pessoas, que ativem o novo dentro na gente. Me interesso pelo fator humano, pelos detalhes, pelos rituais, pelas dinâmicas, em como as pessoas vão experimentar o evento. Buscamos fazer com que seja um lugar de aventura, de descoberta e de exploração”, diz Isabella.

A expectativa, no entanto, é de que seja novamente possível realizar o evento de forma presencial em 2022. A experiência online, no entanto, não deve ser abandonada, embora Isabella considere que ainda será preciso avaliar mais profundamente como ela será aproveitada. “Na última edição, nos momentos de café, tinha uma pessoa da Malásia, falando com outra da Alemanha e outra da África do Sul. São pessoas que talvez não iriam nunca pra Romênia. E a ideia é que a plataforma vire uma comunidade. Ainda não sabemos como vamos linkar o evento físico com a plataforma. Mas essa plataforma seguirá existindo”, pontua.