Quando o tema é preservação do meio ambiente, não existe região mais visada, para o bem e para o mal, do que o Norte do País, principalmente nas áreas do bioma Amazônico. O Pará, o Estado mais  observado por ambientalistas de todos os matizes, já foi do céu ao inferno e vice-versa. De terra prometida, por mais de três décadas, a partir de 1970 – por causa da fertilidade de seu solo –, a região passou pelos embargos da soja e da carne bovina, no final dos anos 2000, deixando de exportar sua produção. Com tanto desacerto naquela época, o Pará acabou entrando para uma famigerada lista negra criada para apontar os vilões do desmatamento, praticado indiscriminadamente em vários de seus municípios. 

Foi a pressão insuportável sobre o maior deles, o município de Paragominas, que levou os produtores rurais a arrumarem a casa e a cadastrar, até o momento, 88% dos imóveis rurais em um mecanismo de controle de áreas preserváveis, chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR). A intenção era dar transparência a quem preservava florestas e rios. 

A partir dos resultados dessa experiência, o Pará virou exemplo a ser seguido. Atualmente, há 37 milhões de hectares inscritos no CAR paraense, o equivalente a 66% da área cadastrável do Estado. “Era preciso fazer alguma coisa de forma bem-feita, ou não conseguiríamos sobreviver”, diz Mauro Lúcio Costa, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas. “Agora, precisamos seguir em frente e remunerar quem preserva a floresta.” 

No mês passado, um decreto e uma instrução normativa publicada pelo governo federal, regulamentando o CAR em todo o território nacional, podem contribuir para que se escreva um novo capítulo na história da preservação ambiental do País, assim como vem ocorrendo no Pará. Desde que foi aprovado, há dois anos, o Código Florestal pouco evoluiu por depender, na prática, da definição de ferramentas operacionais. O CAR , é, justamente, a primeira delas. “O CAR já é, no Pará, uma ferramenta importante para a definição de políticas públicas”, afirma Carlos Xavier, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa). “E será, também, em todo o País.” O chamado ICMS Verde repassará aos municípios paraenses R$ 40 milhões neste ano. 

Para o ministro da Agricultura, Neri Geller, a regularização do CAR será uma peça fundamental na governança ambiental do País daqui para a frente. “Com o CAR, há uma legislação clara no processo de regularização ambiental, o que leva segurança jurídica aos produtores”, diz Geller. “Até agora, as inúmeras portarias e normativas que regulamentavam o tema eram muitas vezes conflitantes.” Segundo Justiniano de Queiroz Netto, secretário de Estado para a Coordenação do Programa Municípios Verdes do Pará, um dos desafios do CAR em todo o País será tornar a prática do licenciamento ambiental mais simples e eficaz. “Queremos menos burocracia e complexidade para tornar o CAR uma ferramenta de legalidade ambiental”, diz Queiroz Netto. No cadastro, que é autodeclarável pelo dono da terra, consta a informação do espaço produtivo e do espaço preservado de um empreendimento rural, no qual estão a reserva legal e as áreas de preservação permanente. Dentro de alguns anos, os cadastros 
dos mais de cinco milhões de propriedades brasileiras reunidos permitirão um diagnóstico preciso da realidaligente das áreas de uma propriedade, colocando nelas aquilo que mais render no bolso do produtor. “Com o cadastramento, o produtor pode ter maior ganho de eficiência”, diz Costa.

O produtor de grãos e gado Ricardo Arioli Silva, da fazenda Novocampo, de Campo Novo dos Parecis, em MT, já começou a contabilizar seu passivo ambiental. Para ele, a importância da produção sustentável está na possibilidade de maior acesso aos mercados internacionais. “Precisamos mostrar ao mundo que os clientes da soja brasileira também compram investimento em preservação”, diz Silva. De acordo com o produtor, apenas em sua propriedade, com seus 2,8 mil hectares, considerada média para os padrões fundiários do Estado, a área protegida equivale a US$ 1,5 milhão. “O CAR deve dar credibilidade a quem produz com eficiência”, diz Rui Ottoni Prado, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). “Quem respeita o meio ambiente tem argumentos para conquistar mais mercado.” Mato Grosso foi o primeiro Estado a implantar o CAR. 

Embora menos pressionados, em comparação com as regiões Norte e Centro-Oeste, o Sul e o Sudeste do País também terão sua cota ambiental a cumprir, com a regularização do CAR . Para o engenheiro agrônomo Ernesto Fioravanti Júnior, da Infoagro, de São Paulo, a maior dívida dessas regiões é representada pelas áreas de reserva legal. Por lei, elas devem tomar 20% da propriedade, mas nem isso ocorre em muitos casos, enquanto no restante do País as áreas de reserva podem chegar a 80% de uma propriedade, como acontece no bioma Amazônico. “Recuperar uma reserva legal tem impacto maior nas contas de uma propriedade do que outras exigências ambientais”, diz Fioravanti Júnior. Ele acredita, porém, que a proliferação do CAR para todo o País fará com que haja o reconhecimento ao produtor como guardião da natureza. E faz a seguinte conta: se para cada um dos cinco milhões de imóveis rurais brasileiros houver, em média, três proprietários ou herdeiros, isso resultará em 15 milhões de pessoas que pagaram pela proteção ambiental de 200 milhões de brasileiros. “O produtor vai ser valorizado por isso”, diz Fioravanti Júnior.