Moro num País tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Assim, Jorge Ben Jor, um dos mais conhecidos representantes da música popular, canta o Brasil. E está certo. Amazônia, Cerrado, Pantanal, Pampa… E em meio a essa megadiversidade de fauna e flora, o País ainda consegue ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo com Valor Bruto de Produção (VBP) estimado em R$ 1,142 trilhão neste ano. Diante de tanta fartura, o desafio imposto ao agropecuarista será fazer crescer a rentabilidade de sua lavoura e pasto sem aumentar a área plantada. A demanda pelas boas práticas vem principalmente do investidor, que passou a ver no desmatamento um risco de negócio. A solução passa por duas frentes. O aumento da produtividade via os preceitos da agricultura inteligente é uma delas. Mas há outra: lucrar com a floresta em pé. A inspiração de como fazer já existe e o exemplo pode vir do case da Reservas Votorantim.

Ao contrário de muitas empresas, quando decidiu fortalecer seu impacto positivo no planeta, o Grupo Votorantim não criou uma instituição ou fundação. A escolha foi investir R$ 35 milhões – desde a concepção até hoje – para criar uma empresa. A Reservas Votorantim tem CNPJ e compromisso de gerar lucro aos acionistas por meio do uso sustentável dos 63 mil hectares de reserva ambiental sob sua gestão. Desse total, 32 mil hectares estão em Goiás, no Legado Verdes do Cerrado. Os demais 31 mil hectares são do Legado das Águas, a maior reserva de Mata Atlântica do País localizada no Vale do Ribeira (SP). “A visão do mantenedor é que a Reservas Votorantim cresça e que possa expandir a ideia de que a floresta em pé gera recursos”, afirmou David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.
O trabalho começou em 2010/2011, antes da constituição da empresa em 2015. Foi no início daquela década que o Grupo começou a fazer uma análise territorial da área do Legado das Águas. O objetivo era traçar um plano de como manter a floresta viável do ponto de vista de geração de receita no longo prazo. Nessa época, afirma Canassa, já existiam discussões sobre se o carbono ou os serviços ambientais iriam pagar pela preservação ao dono da área. Apesar da discussão, ainda não há resposta pronta. “O xis da questão é que se não existir um mecanismo econômico para que a floresta em pé valha mais do que derrubada, o problema do desmatamento vai persistir”, disse. Mas essa não era uma desculpa aceitável para a futura empresa.

MATA NATIVA Destaque do projeto é a criação de um viveiro de espécies da Mata Atlântica na Reserva Legado das Águas para venda a projetos de reflorestamento e de paisagismo

PLANO DE NEGÓCIO Aos poucos e com muita pesquisa, a abordagem foi ficando mais clara: era necessário desenvolver uma estratégia de múltiplos usos da terra, para compor receita e continuar com o projeto. Assim foi feito. Um plano de negócio foi montado para a reserva da Mata Atlântica e outro para a área do Cerrado. A diferença é que enquanto no projeto de Goiás a empresa decidiu associar o uso da floresta à criação de gado e agricultura, na área do Vale do Ribeira a estratégia foi manter a mata intocada. “Ao pensar o uso múltiplo da terra é preciso entender o contexto de cada floresta e quais os potenciais que ela tem para gerar receita”. Assim, no Legado Verde do Cerrado, a área de reserva integra lavoura, pasto e floresta (ILPF), além de outras quatro frentes de negócios implementadas também na reserva paulista.

Paulo Fridman

Uso público uma das linhas de negócio é o ecoturismo que atrai esportistas e curiosos

Ao analisar o Legado das Águas sob o ponto do desenvolvimento econômico, a empresa decidiu trabalhar em quatro cadeias produtivas. Uma delas foi o patrocínio. Essa frente já existia antes da constituição da Reserva e visava trazer o apoio de empresas engajadas à agenda ambiental. Hoje, além da mantenedora Votorantim, mais quatro empresas estão no projeto e podem se beneficiar de contrapartidas como educação ambiental, reflorestamento e compensação ambiental. E é aí onde está o pulo do gato que pode inspirar o produtor rural.

DE OLHO NO AGRO Uma das frentes mais recentes do projeto é o arrendamento de suas terras por produtores rurais que precisam fazer compensações ambientais para cumprir o Código Florestal Brasileiro. Até pouco tempo, essa possibilidade sequer existia, mas de acordo com a legislação vigente o produtor pode usar áreas de terceiros para estar em conformidade legal caso não tenha condições de cumprir a lei dentro da porteira. Diz o Código que 80% de uma propriedade registrada em áreas de floresta deve ser de vegetação nativa. No Cerrado, a participação é de 35% e nos demais biomas, de 20%. O plano da empresa, porém, é mais audacioso.

Divulgação

A busca por soluções para gerar mais caixa levou a Reservas Votorantim a encontrar um potencial pote de ouro na produção de plantas nativas para projetos de paisagismo. A decisão veio diante da beleza da flora da Mata Atlântica e da constatação de que 95% das plantas vendidas para decoração de áreas internas e externas no Brasil serem importadas. “É uma coisa maluca. O País mais biodiverso do mundo usa plantas não nativas em seus jardins”, afirmou Canassa. No viveiro do Legado das Águas, 200 mil plantas de 140 espécies nativas são comercializadas anualmente. Além do paisagismo, a produção é destinada também ao reflorestamento .

A linha de negócio que prevê a produção de plantas nativas para a comercialização, chamada internamente de Centro de Biodiversidade da Mata Atlântica, deu tão certo que a empresa está duplicando a produção. “Esse é o negócio mais rentável e ainda há muito espaço para crescer”, disse o executivo. Para dar mais escala ao projeto, estratégias específicas foram desenhadas. Dentre elas, parcerias com paisagistas como Ricardo Cardim, botânico ativista do uso da biodiversidade nativa e arqueologia botânica no restauro de paisagens; além de projetos para reflorestamento.

Trilha no legado das águas (Crédito:Divulgação)

O FUTURO Mais duas frentes completam a linha de receitas geradas com as árvores em pé. Uma delas é o uso público que inclui ecoturismo e a beleza cênica do lugar. A diversidade do local inclui 809 espécies animais – 50 ameaçadas de extinção – além de 956 espécies de flora registradas, sendo nove ameaçadas e 233 de orquídeas. “Isso tudo a duas horas de São Paulo e ninguém sabe”, disse Canassa. Completa o plano de negócio sustentável o estímulo à pesquisa. Afinal, é a ciência que está permitindo que a Reservas encontre e reproduza plantas raras e desenvolva futuros novos negócios com base na natureza. No fim, o planeta e os acionistas agradecem.