A dona de casa Ilza Viana Nascimento, de 69 anos, moradora de Hortolândia, cidade do interior de São Paulo, ainda não se conformou de não ter insistido mais para que sua neta deixasse a bisneta – Maria Clara, de 5 anos – em sua casa. A idosa andava desconfiada de que o companheiro de Franciele estivesse abusando da menina. “Ela começou a se queixar de dores quando ia ao banheiro”, disse.

No dia 17 de dezembro de 2020, quando a encarregada de produção Franciele – neta de Ilza – voltou do trabalho para casa na hora do almoço, não encontrou a filha, que deixara sob os cuidados do seu companheiro, Cássio Camilo, de 27 anos. O homem disse à mulher que a criança tinha ido brincar na casa da vizinha. Ao falar com a vizinha, a mãe soube que Maria Clara não estivera no local.

O corpo foi encontrado no dia seguinte, enrolado em uma cortina de plástico e dentro de uma caixa de papelão, em um terreno baldio. A perícia indicou que a criança havia sido estuprada e asfixiada até a morte. O padrasto, que na mesma noite deixou a casa, foi preso em casa de parentes. No interrogatório ele confessou o crime em detalhes. Disse que matou a menina por ela ter feito “manha” ao não deixá-la brincar na vizinha.

Só depois admitiu o estupro, que praticou após deixar a menina desacordada, já que ela resistira. A polícia descobriu que o homem já havia sido acusado de estupro de outra enteada de 9 anos, em relacionamento anterior.

A bisavó de Maria Clara disse que os parentes já haviam alertado Franciele sobre o risco ao qual a bisneta estava exposta. “Todos diziam que ele não prestava, que não era flor que se cheirasse, mas a Fran (Franciele) gostava dele. Uma pessoa que ninguém sabia de onde veio. Até acontecer (a morte de Maria Clara), a gente não sabia da outra história do estupro”, disse.

Ilza lembrou que um dia antes de a criança ser morta, o casal teve um desentendimento feio. “Eles tinham brigado, ele tinha ameaçado ela. Ele fez isso (o assassinato) por vingança. Como eu lamento não ter segurado a pequena Maria comigo.” A bisavó lembra que, quando a menina desapareceu, outros familiares foram até sua casa à procura dela. “Naquela hora, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi de que o Tom (apelido de Cássio) tinha feito alguma coisa com ela.”

O brutal assassinato revoltou os moradores do bairro Vila Real, onde a família morava. Familiares e vizinhos tentaram invadir o prédio da Polícia Civil onde o suspeito prestava depoimento. O padrasto foi denunciado pelo Ministério Público por estupro de vulnerável, homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Ao ser ouvido em juízo, Cássio mudou a versão dada à polícia e negou o assassinato, afirmando que Maria Clara morreu após sofrer uma queda e ele escondeu o corpo com medo de ser acusado de homicídio.

Em janeiro, o juízo da 2ª Vara Judicial de Hortolândia acatou integralmente a denúncia da Promotoria. O acusado será levado a júri popular por homicídio qualificado, com várias agravantes, incluindo a de ser padrasto da vítima. O Estadão entrou em contato com o defensor de Cássio, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem. Também procurou a mãe de Maria Clara, mas Franciele informou que não falaria sobre o caso.

Panorama da Violência

A cada ano, sete mil crianças e adolescentes são mortos de forma violenta no Brasil e ao menos 45 mil são vítimas de violência sexual. Os números foram revelados pelo Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado nesta sexta-feira, 22, pelo Unicef, braço das Nações Unidas para a infância, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).