Crescimento: na última década, o setor recebeu R$19,2 bilhões em investimentos de infraestrutura e plantio de novas áreas

Até onde a vista alcança, os números da indústria de papel e celulose no Brasil fariam bonito em qualquer lugar do mundo. Com receitas de R$ 31 bilhões e uma produção de 9,8 milhões de toneladas, o setor, que reúne 222 fabricantes, exportou R$ 10,8 bilhões no ano passado.

Os investimentos também são apreciáveis: apenas na última década, foram aplicados R$ 19,2 bilhões na ampliação, modernização e implantação de novas fábricas e na formação de florestas de eucaliptos e pínus, que ocupam uma área de 2,5 milhões de hectares.

No entanto, apesar da pujança e do bom momento dessa indústria, alavancados pelo aumento da demanda mundial por papel, não falta quem tema pelo futuro da atividade. Entre os obstáculos ao desenvolvimento do setor nos próximos anos, figuram a elevada carga tributária, a insegurança jurídica para novos investimentos e a restrição de compras de terras por estrangeiros, o que poderia comprometer a execução do programa de investimentos da ordem de R$ 32 bilhões até 2018, somente no Brasil, número fornecido pela Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). “Esse valor pode cair, principalmente se a restrição de compras de terras por empresas de capital misto ou estrangeiro persistir”, diz Elizabeth de Carvalhaes, presidenteexecutiva da Bracelpa.

Desde agosto do ano passado, a Lei número 5.709, de 1971, voltou a vigorar, após idas e vindas dos pareceres da Advocacia-Geral da União sobre a sua validade. Pela lei, todo estrangeiro, pessoa física ou jurídica, que for adquirir terra em qualquer região do País, deve obter autorização do Incra. Dados de janeiro deste ano, fornecidos pelo próprio órgão, indicam a existência, nas mãos de estrangeiros, de 34.300 propriedades brasileiras, num total de 4,5 milhões de hectares. Segundo Elizabeth, desde que a norma voltou a valer, o Brasil deixou de receber cerca de US $ 6 bilhões de investimentos no setor de papel e celulose, o equivalente a R$ 9,6 bilhões, que respondem por algo em torno de 30% do faturamento do setor no ano passado.

O valor seria usado para a aquisição de novas áreas, infraestrutura e tecnologia. “Está tudo interligado, não dá para investir em estrutura sem ter áreas de floresta para fornecer matéria-prima”, diz Elizabeth.

Mercado externo: maior embarque de papel reflete o aumento do consumo nos países emergentes

Com esse quadro, muitas empresas estrangeiras passaram a rever os planos de investimentos no Brasil, para os próximos anos, e reduziram a marcha. É o caso da americana International Paper (IP), que detém 45% do mercado de papel no formato A4 no Brasil e 30% do papel para impressão offset. “Um dos fatores que está nos fazendo analisar novamente nossos investimentos é a questão da normativa”, afirma Ricardo Zangirolami, diretor jurídico e de assuntos corporativos da IP. Ele lembra que, entre a compra de uma nova área, o plantio e o corte das árvores para a produção de papel, são necessários, em média, 25 anos.

“Quem vem ao Brasil para investir no setor, praticamente, casa com o País”, diz Nilson Cardoso, diretor comercial da IP. Some-se a isso o peso considerável da alta carga tributária e a valorização do câmbio, e o cenário fica pouco atrativo para novos investidores, significando perdas para a economia brasileira. “A carga tributária sobre os novos investimentos varia entre 18% e 20% do valor total gasto, é demais”, diz Elizabeth.

Embora 100% do seu capital seja nacional, a Fibria, empresa resultante da fusão entre a Aracruz e a Votorantim Celulose e Papel, reforça as reclamações da IP, apontando outros problemas – a falta de infraestrutura para transporte e o real valorizado –, como entraves para a expansão do setor. “Para quem exporta, câmbio valorizado significa menos divisas em reais”, afirma João Elek, diretor financeiro da Fibria.

De acordo com ele, a empresa tem pronto o projeto de uma nova fábrica, com capacidade para produzir 1,5 milhão de toneladas de papel e celulose ao ano. “Para isso, ter áreas de florestas que sejam de fácil acesso é fundamental para abastecer essa unidade”, diz Elek. Ele sabe que a vida dos fabricantes de papel e celulose não será fácil daqui para a frente. Nos últimos dez anos, lembra, a concorrência aumentou com o crescimento nas vendas de notebooks, tablets, palmtops e a possibilidade de leituras digitais, o que, num primeiro momento, poderia significar uma diminuição das vendas.

Entrave: a lei da venda de terras para estrangeiros pode inibir o setor no futuro

Mesmo assim, Elek não chega a se alarmar já que prevê a possibilidade de coexistência entre o papel e as geringonças digitais. “Há espaço para ambos no mundo”, diz Elek. Ele explica que os mercados emergentes ainda têm muita demanda e potencial de crescimento no consumo não só de papel e celulose, mas de outros itens. “Enquanto na Europa e nos Estados Unidos há encolhimento dos jornais, eles crescem em tiragem na Ásia e na África”, afirma. Na verdade, garante, a demanda por papel em todo o mundo vem aumentando.

Entre os fatores que puxaram o aumento do consumo estão o crescimento acelerado da China e a ampliação das classes médias nos países emergentes, inclusive no Brasil. “Percebese isso pelo aumento de consumo de livros no mercado doméstico. Com maior poder aquisitivo, as pessoas leem mais”, diz Cardoso, da IP. Dados da Câmara Brasileira de Livros comprovam essa afirmação. Em 2008, a indústria de livros faturou R$ 2,4 bilhões, número que obteve um acréscimo de 4,3% em 2009, chegando a R$ 2,5 bilhões. Isso significou um aumento nas vendas, que passaram de 211,5 milhões para 228,7 milhões de exemplares em 2009.

Diante do aquecimento do mercado editorial, a IP planeja instalar uma segunda máquina para a produção de papel na sua unidade de Três Lagoas (MS), com investimento estimado em US$ 300 milhões, independentemente da remoção dos empecilhos legais, tributários e cambiais existentes atualmente. “Mesmo com os problemas, temos que trabalhar para atender à demanda mundial por papel”, diz Cardoso.