“O status sanitário é um dos bens mais preciosos do País”

As cadeias produtivas de aves e suínos, com um PIB de R$ 80 bilhões no ano passado, renderam ao País exportações de quase US$ 10 bilhões, o equivalente a cerca de 10% das vendas externas do agronegócio. Mas, para ganhar mais espaço no mercado de proteína animal, o desafio do Brasil é proteger seus animais de epidemias que, atualmente, atacam importantes rebanhos no mundo, conquistar novos clientes e fortalecer os produtores. Para falar sobre esses temas, a DINHEIRO RURAL entrevistou Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), entidade criada em março para substituir a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Ubabef) e a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs). 

DINHEIRO RURAL – Como o Brasil está se protegendo de epidemias virais, como a diarreia suína, ou PED, na sigla em inglês, que atualmente ataca o rebanho americano? 

FRANCISCO TURRA – A ABPA pediu ao Ministério da Agricultura para suspender as importações de animais reprodutores e material genético de suínos dos Estados Unidos. Mas não são apenas os suínos americanos que representam riscos. Países como Canadá, México e República Dominicana também já estão ameaçados pela doença. Por isso, fizemos um apelo ao ministro da Agricultura, Neri Geller, para que o governo reforce os investimentos na defesa sanitária do País.

DINHEIRO RURAL – O que já foi feito?

TURRA – Tecnicamente, o ministro garantiu que com as medidas já anunciadas será possível conter a doença e que o País não corre risco. Atualmente, os animais importados dos Estados Unidos ficam resguardados no Quarentenário de Cananeia, no litoral paulista, uma estação bem equipada para este serviço. Além disso, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) vai fiscalizar com mais rigor a produção, para conter a doença. A suinocultura recebeu bem a medida, mas, mesmo com todo esse cuidado, queremos um rigor maior no momento dos embarques de animais destinados
ao Brasil. 

DINHEIRO RURAL – A ameaça do retorno da influenza aviária, também conhecida como a gripe do frango, está nesse rol de atuais preocupações do setor? 

TURRA – Em 2003 e 2004, a gripe provocou prejuízos que superaram E 8 bilhões na Ásia. Essa doença gravíssima está voltando e atingiu recentemente o Japão. Em abril, a ABPA realizou um evento em Campinas (SP), para mostrar como prevenir a influenza aviária. Estamos promovendo um forte movimento de conscientização, realizando encontros regionais para falar da necessidade da prevenção. Neste ano de Copa do Mundo, a defesa sanitária precisa ser reforçada. Virão ao País 500 mil turistas de diferentes partes do mundo, uma situação de difícil controle porque humanos podem ser agentes para o contágio da gripe aviária. dinheiro rural/114-maio-2014 17 A inspeção sanitária precisa ser redobrada em portos e aeroportos para que o Brasil continue como zona livre dessas epidemias.

DINHEIRO RURAL – Por que os produtores brasileiros estão se sentindo ameaçados, se o País sempre foi uma zona livre?

TURRA – Porque a carne brasileira é reconhecida no mercado internacional pelo seu excelente padrão sanitário, sabor de alta qualidade e produção sustentável. Esse é um grande diferencial nosso. O status sanitário é um dos bens mais preciosos do País, conquistado com décadas de um árduo trabalho do setor. 

DINHEIRO RURAL – Para aves e suínos, a legislação sanitária brasileira responde às necessidades do setor?

TURRA – Não. Hoje, estamos em um momento de pressão para que se publique um novo Regulamento da Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal (Riispoa). O vigente data de 1952 e está muito
defasado. A ABPA tem pedido mais agilidade para que a nova versão seja publicada, mas o documento está na Casa Civil aguardando aprovação do governo. O novo Riispoa vai modernizar, agilizar e desburocratizar o sistema, trazendo mais segurança alimentar para o consumidor. 

DINHEIRO RURAL – Em que medida a junção das entidades que representam os setores de suínos, aves e ovos pode trazer mais benefícios a essas cadeias produtivas?

TURRA – A criação da APBA, no final de março, atendeu a uma demanda das empresas. Suínos e aves são setores distintos, mas com modelos produtivos e desafios semelhantes. Os dois possuem objetivos e reivindicações em comum, para os mercados interno e externo. Por exemplo, na prospecção de novos clientes e nas campanhas para vender os nossos produtos.

DINHEIRO RURAL – Houve alguma resistência à criação da ABPA?

TURRA – Alguns associados da Ubabef ficaram temerosos em se juntar com uma entidade que não conheciam, da mesmo forma que alguns produtores de suínos ficaram com medo de serem excluídos das decisões. Mas as pequenas e eventuais diferenças foram superadas. Criamos um modelo de governança transparente, com a adoção de 13 câmaras temáticas para debates técnicos e uma forma de participação muito democrática, com assento para os pequenos, médios e grandes produtores. 

DINHEIRO RURAL – As principais linhas de ação da ABPA já foram definidas? TURRA – Sim. Nossas metas envolvem ações para estimular o consumo interno e abrir novos mercados, expandindo as exportações por meio de campanhas e eventos. A avicultura tem 155 mercados abertos. O setor de suínos possui 70. Podemos avançar bastante, ainda, abrindo outros 15 mercados para a carne de aves e pelo menos dez para suínos. Entre esses países estão Malásia, Indonésia, Myanmar, para aves, e Coreia do Sul e México, para suínos.

DINHEIRO RURAL – Como a ABPA vai agir para abrir esses mercados internacionais? 

TURRA – Já estamos participando de feiras e workshops e entrando em contato com embaixadas para realizar ações diretas. No mês passado, por exemplo, a ABPA já participou da Food&Hotel Asia, em Cingapura, um dos mais importantes eventos de alimentos da Ásia. Ainda neste ano devemos entrar com um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) pela a abertura da África do Sul. Queremos entrar nesse país de maneira diplomática. Outro exemplo é a Índia. Lá não há uma indústria de refrigeração, o hábito é consumir a carne in natura. A Índia é um mercado atraente, com potencial de crescimento, está aberto para nós, mas a tarifa para exportarmos é impraticável, atualmente. Qualquer movimento na direção desse país passa por uma negociação tarifária. 

DINHEIRO RURAL – E no mercado interno, quanto é possível avançar?

TURRA – No Brasil, o maior consumo é o da carne de aves, seguido pelo de bovina e depois pelo de carne suína. Em média, o brasileiro consome 44 quilos de carne de aves, anualmente. Mas de suínos são apenas 15 quilos. Na União Europeia, por exemplo, o consumo médio é de 40 quilos. Por isso, a carne suína é a que mais tem espaço para crescer. A produção também pode acompanhar esse movimento. Além do potencial de expansão intrínseco às condições do País, como ter um banco genético importante, terra, água e mão de obra abundantes, o Brasil pode ocupar espaços porque alguns países estão perdendo posições como  produtores importantes de suínos. A China, por exemplo, vai reduzir o rebanho por problemas ambientais, entre eles a escassez de recursos hídricos.

DINHEIRO RURAL – No Brasil, reconhecidamente um grande investidor mundial no desenvolvimento genético de aves e suínos, ainda há espaço para novos avanços?

TURRA – Nesse mercado ainda existem oportunidades. A Argentina está procurando por material genético brasileiro. Chile e Peru também estão interessados em negociar conosco. Isso estimula as pesquisas em busca de melhoramento genético e manejos mais sustentáveis. O País pode se destacar, também, no fornecimento de ovos férteis. Quando a influenza aviária afetou o México, o Brasil assumiu o papel de banco genético exportador, ao se mostrar como uma área livre da doença. Países que dependiam da genética mexicana e americana
vieram até nós.

DINHEIRO RURAL – Qual é a expectativa de crescimento financeiro das cadeias de aves e suínos para os próximos anos? 

TURRA – Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, até 2022, o mundo precisará aumentar a oferta de proteína animal em mais de 40% para atender a demanda. O Brasil é um produtor estratégico e o setor continuará crescendo.