Foi um alívio geral quando os analistas do tempo começaram a informar que o bloqueio atmosférico que impedia a formação de chuvas frequentes e prolongadas durante o verão de 2014/2015 no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil estava se dissipando. Nos últimos dois meses, as chuvas voltaram a cair, levando à sensação de que os problemas com a estiagem são águas passadas. Mas isso é um ledo engano. Ainda levará muito tempo para que sejam sanados os estragos provocados pela seca de 2013 e 2014, a pior dos últimos 80 anos, principalmente no Sudeste. Por isso, nos cinturões verdes, regiões a redor das grandes cidades, o alerta continua ligado para os agricultores que produzem hortaliças e legumes, entre eles alface, couve, agrião, acelga, cenoura, beterraba e berinjela. No caso das grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, os cinturões verdes alimentam 33 milhões de habitantes, segundo o IBGE. “As propriedades continuarão a ser pressionadas pela falta d’água”, diz Ricardo Lopes, produtor rural e presidente da Associação dos Produtores e Distribuidores de Hortifrútis do Estado de São Paulo (Aphortesp). “Por isso, precisamos lançar mão de toda a tecnologia disponível para manter os negócios”.

A saída encontrada por alguns produtores e que pode ser uma solução para as pequenas e médias áreas de plantio é a armazenagem de água de fontes alternativas, principalmente de chuva. Mas apenas isso não basta para que os agricultores atendam ao mercado sem grandes perdas de produtos perecíveis. É preciso também apostar em sistemas mais econômicos nos processos produtivos, como a hidroponia, por exemplo, e na gestão mais fina do negócio. No cinturão verde paulista, no qual estão cerca de quatro mil produtores de 39 municípios próximos da capital, a Aphortesp tem organizado seus associados. São 12 membros que, além da produção própria, revendem os produtos de cerca de 700 pequenos agricultores da região. Em 2014, os associados da Aphortesp entregaram no mercado 1,5 milhão de toneladas de verduras e legumes, volume equivalente a 35% da produção do Estado de São Paulo. Mas poderia ser mais.

A Tomita Hortaliças, de Salesópolis, propriedade de 11 hectares administrada por Eliana Tomita, terceira geração de uma família de agricultores, baixou a produção em 25%. No ano passado, foram cultivadas 30 toneladas mensais de verduras e legumes, ante a média de 40 toneladas em 2013. Eliana diz que, além da seca dos últimos tempos, o mercado não ajudou. “Enfrentamos a seca administrando com cuidado extremo os reservatórios de água, mas o mercado não foi junto”, diz. A receita de R$ 7 milhões em 2014 foi a pior dos últimos anos. Por causa das perdas, Eliana começou 2015 fazendo ajustes para baixo na produção, paralisando o plantio de hortaliças e legumes em boa parte da propriedade. Para compensar, a agricultora pretende investir mais em hidroponia e gerir melhor a demanda. Os planos são sair dos atuais 0,7 hectare de cultivo hidropônico para 3,5 hectares de estufas, área equivalente a 6,5% da propriedade. “Por causa desses ajustes, para que a gente não perca ainda mais no futuro, estamos amargando uma fase em que nem temos produtos para a atual demanda”, diz Eliana.

Na Jacareí Agropecuária, no município de Santa Isabel, a produção também despencou. Apenas o cultivo de alface, que responde por 70% dos negócios, caiu à metade. A propriedade, que pertence a Lopes, presidente da Aphortesp, e ao seu irmão Alberto, já baixou a produção total em 20% nos 135 hectares da família, distribuídos entre Santa Isabel, mais duas unidades em São Paulo e outra em Minas Gerais. A produção, que era de nove mil toneladas por ano, caiu para 7,2 mil toneladas em 2014. Para este ano, a previsão é que a produção caia cerca de 20%, fechando o ano com seis mil toneladas de hortaliças produzidas. “Diminuímos tanto a safra que, neste início de ano, nós também não estamos conseguindo atender os clientes”, diz Lopes.

Da área total de cultivos na Jacareí, 108 hectares, equivalentes a 80% da área, são ocupados por culturas em campo aberto. As estufas em sistema hidropônico, nas quais há uma economia de água de até 30%, ocupam 27 hectares. “Queremos chegar a 50% da área dedicada à hidroponia”, diz Lopes. No ano passado, depois de ajustar a produção à baixa oferta hídrica da propriedade, o agricultor passou a economizar ainda mais água. Atualmente, a Jacareí utiliza apenas a chuva como fonte hídrica, que é armazenada em cisternas com capacidade para 1,6 milhão de litros. “Faz parte do nosso negócio economizar ainda mais água”, diz Lopes. No ano passado, a falta d’água na Jacareí levou a uma queda de 12% no faturamento, passando de R$ 16 milhões em 2013, para R$ 14 milhões.

PRODUÇÃO Em todo o Estado, de acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, o movimento financeiro do setor hortícola recuou 10% em 2014. Foi de R$ 3,8 bilhões, ante R$ 4,2 bilhões no ano anterior. A produção caiu de 4,4 milhões de toneladas de hortaliças para 4,3 milhões. A falta de água também afetou os cinturões verdes no sul de Minas Gerais e na região serrana do Rio de Janeiro. O Estado mineiro, o segundo maior polo produtor de hortaliças e legumes, com 3,5 milhões de toneladas por ano, responde por 18% da produção nacional. Em seguida, o Rio de Janeiro, com 1,3 milhão de toneladas, responde por 7% desse mercado.

Steven Hudsen, presidente da Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSEM), diz que atualmente apenas o cinturão hortícola de Porto Alegre está com uma produção normal, de cerca de um milhão de toneladas por ano. “Porém, pela distância dos grandes centros consumidores, o frete inviabiliza os investimentos com o objetivo de vender para São Paulo e Rio, por exemplo”, diz Hudsen. “Os investimentos para a demanda das capitais do Sudeste terão de vir da própria região”.

No caso do sítio Hiromi, de 70 hectares em Biritiba-Mirim (SP), que pertence à família de Silvia Makiyama, é justamente a pressão da demanda dos grandes centros que faz a produtora não desistir do cultivo de hortaliças. Embora a produção de 2015 deva cair quase à metade, de 3,2 mil toneladas no ano passado, para 1,6 mil tonelada, Silvia se diz otimista. Parece uma incoerência, já que a renda também deve vir à metade, de R$ 13,2 milhões para R$ 6,5 milhões, até o final do ano. “Recuamos, mas o negócio de hortaliças tem futuro”, diz Silvia. De acordo com a ABCSEM, a despeito dos problemas trazidos pela crise hídrica, o cultivo de hortaliças chega a render uma média de R$ 11,5 mil por hectare. No caso do sítio Hiromi, o recuo na produção está servindo para arrumar a casa, com uma gestão mais focada nas demandas do mercado.

Silvia e as irmãs, Karina, Andreia e Tatiana, que coordenam os negócios do pai, Hiromi Makiyama, também estão investindo em reservatórios de água e no aumento da área de hidroponia, de 3,3 hectares para 6,5 hectares. O que elas querem é ter um volume maior de produtos específicos para nichos de mercado. Em geral, esse é um setor que paga mais. A experiência com verduras higienizadas começou em 2013 e, hoje, essa linha responde por 30% da produção.  “Produtos higienizados, como verduras embaladas, estão crescendo muito”, diz Silvia. “É neles que vamos apostar”. Outra fonte de negócios para a agricultora são as verduras diferenciadas. No ano passado, ela começou a produzir a salanova, uma variedade de alface desenvolvida pela holandesa Rijk Zwaan, uma das mas maiores sementeiras do mundo de produtos hortícolas. Como essa alface possui folhas pequenas, o processo de higienização e empacotamento fica mais fácil. “Estamos em busca de saídas para a crise”, afirma Silvia. “E ela vai passar.”