Em sua segunda passagem pelo Brasil, Nicolas Rubio se diz surpreso com a evolução do agronegócio brasilerio e está impressionado com a visão empreendedora do produtor

Era uma quarta-feira, 26 de maio de 1824, quando o então presidente americano James Monroe reconheceu o Brasil como país independente. A ação marcou o início das relações diplomáticas entre os dois países, mas foi só no Brasil República de 1905 que as relações comerciais ganharam impulso definitivo com a constituição das duas embaixadas nos territórios amigos. Joaquim Nabuco, político abolicionista nascido e criado no Engenho de Massangana, em Pernambuco, foi o primeiro diplomata brasileiro em terras americanas. De lá para cá, o vínculo entre os dois países passou por altos e baixos, mas sempre com o agronegócio como um componente fundamental. Atualmente, há claro interesse de ambos os lados em fortalecer a parceria tanto com aumento no fluxo de produtos já transacionados, como por meio de novas opções. “Temos muitas oportunidades ainda inexploradas de complementaridade tanto dos Estados Unidos para o Brasil como vice-versa”, afirma em um português admirável Nicolas Rubio, diretor de Agricultura dos Estados Unidos em São Paulo. Pai de duas filhas, esta é sua segunda passagem pelo Brasil. A primeira em Brasília, como adido da Embaixada Americana. A atual, em São Paulo de onde parte para conhecer o Brasil inteiro. Ao todo são mais de seis anos acompanhando o agronegócio nacional, período em que se surpreendeu com a incessante busca pela melhora da produtividade pelo agricultor. Essas são algumas das razões que o levam a ser um entusiasta da relação entre os países. “Como potências do agronegócio, temos que liderar as iniciativas para evitar a fome no Planeta. Precisamos trabalhar juntos para garantir que a oferta de alimentos chegue à ponta final”, afirmou.

RURAL – Esta é a segunda passagem do senhor pelo Brasil. Em suas visitas pelo campo o que mais te chamou atenção?
RUBIO – Me surpreendi muito com a evolução do agronegócio brasileiro. É nítida a vocação empreendedora dos produtores e a busca pelo aumento de produtividade por meio de melhores práticas agrícolas. É também muito interessante ver como o produtor brasileiro e o americano têm em comum a consciência da importância do uso da tecnologia no campo.

RURAL – Há alguma lavoura em que o uso da tecnologia desponte como diferencial?
RUBIO – Chama atenção a aplicação tecnológica na lavoura da soja, onde o Brasil está conseguindo uma produtividade igual ou até maior do que os Estados Unidos. O milho, está no caminho. A produção do grão quase dobrou nos últimos dez anos e ainda há espaço para melhoras. Ainda que o produtor brasileiro esteja comprometido em trazer inovações para o campo, há oportunidades para a evolução das melhorias genéticas de sementes e do uso do big data em algumas áreas do País.

RURAL – Como os Estados Unidos avaliam a indústria de proteína animal brasileira?
RUBIO – O Brasil é um dos maiores produtores de carnes do mundo e ainda há espaço para crescer, para aumentar a produtividade. O pecuarista poderia ser ainda mais eficiente. Temos acompanhado de perto um trabalho que a Embrapa tem feito que olha justamente esta questão. Uma ação de cooperação em curso entre os dois países é de apresentar ao produtor daqui as genéticas americanas que poderiam ser importadas pelo Brasil. Na área de leite, temos feito programa de intercâmbio, levando os produtores e veterinários brasileiros para os Estados Unidos, para conhecer nossa cadeia produtiva e tecnologia.

“Chama atenção a aplicação tecnológica na lavoura da soja, onde o Brasil está conseguindo uma produtividade igual ou maior do que os Estados Unidos” (Crédito:Istock)

RURAL – Como os dois Países estão trabalhando para evoluir esse comércio bilateral?
RUBIO – Há um comitê dedicado a trabalhar essas oportunidades neste momento. E de fato temos grandes possibilidades de melhorar tanto o fluxo de mercadoria que já acontecem como de criar oportunidades com novos produtos.

RURAL – O sr pode citar alguns exemplos?
RUBIO – Vinhos da Califórnia e os destilados do Kentucky são produtos que o brasileiro, quando vai aos Estados Unidos, aproveita e cujo comércio ainda é pequeno. Outra oportunidade de importação pelo Brasil são os lúpulos para serem usados na produção de cerveja artesanal, mercado em franca expansão.

RURAL – E as oportunidades para o eixo Brasil-Estados Unidos?
RUBIO – Há muito espaço para o Brasil aumentar as exportações para os Estados Unidos. Já importamos muito café, mas há demanda por castanhas. E mesmo para as carnes. Só agora o Brasil está começando a exportar carne in natura. Os dois países tem como se complementar com produtos bem aceitos por ambos os lados.

RURAL – Onde essas oportunidades esbarram a ponto de serem inviabilizadas?
RUBIO – Para alcançarmos outro patamar é preciso reduzir o custo de comércio, facilitar o mercado e adotar práticas de regulamentação mais favoráveis para o comércio bilateral.

RURAL – Quais custos mais oneram as transações?
RUBIO – O famoso custo Brasil, uma das primeiras coisas que aprendi quando cheguei aqui, tem um peso muito grande. Tem muitas questões burocráticas desnecessárias como a necessidade de duplas certificações, realização de vários testes com o mesmo propósito. O atual cenário fiscal brasileiro também prejudica muito o exportador.

RURAL – Há uma questão importante de barreiras americanas a produtos brasileiros que precisΩΩr são exemplos.
RUBIO – Temos que ponderar que o Brasil exporta muito mais produtos agrícolas do que importa dos Estados Unidos. São quase US$ 4 bilhões contra pouco mais de US$ 1 bilhão. Não há barreiras para o produtor brasileiro. O mercado americano já está aberto para a importação da carne in natura brasileira desde 2017. Depois tivemos alguns problemas, mas isso foi resolvido e as importações estão aumentando. Quanto ao açúcar, trabalhamos com importação por cotas e o Brasil, além de ser o segundo maior beneficiário, teve o volume aumentado este ano. Do nosso lado, estamos desapontados com a postura do Governo com o Etanol. Em 2017 foi estabelecido uma cota que valeria por dois anos. Ano passado conseguimos aumentá-la, mas esperamos que a cota seja derrubada neste ano, para que Brasil-Estados Unidos continuem dando um exemplo de mercado livre para o mundo.

RURAL – O mundo foi surpreendido pela pandemia da Covid-19. Como o sr enxerga o agronegócio após a maior crise sanitária dos últimos anos?
RUBIO – Infelizmente não tenho uma bola de cristal. Estamos vivendo o dia a dia. Mas, uma coisa que já temos percebido nas conversas com os agricultores americanos e brasileiros é uma alta resiliência. Apesar dos problemas que a pandemia trouxe, não houve interrupção da cadeia produtiva brasileira e o setor registrou recordes de produção e de exportação. O mesmo tem acontecido nos Estados Unidos. Conseguimos atender todos os mercados que dependem da importação de alimentos. Mas, na minha opinião, olhando para a frente, a parceria EUA-Brasil será muito importante para continuar a promoção de políticas agrícolas com base na ciência. Além disso, para a economia se recuperar é preciso ter certeza que os mercados ficarão abertos, com a parceria entre os países mantida, e que as regras sejam transparentes.

RURAL – Há um plano da administração americana de aumentar as exportações da soja para a China, mas as relações se tencionaram. Como os Estados Unidos estão resolvendo essa questão?
RUBIO – Essa é uma área que estamos acompanhando de muito perto. Dentro do nosso acordo bilateral, a soja é de extrema importância. Vamos ver a evolução da demanda da China pela commoditie.

“Nem países do Mercosul nem Estados Unidos concordam com algumas políticas agrícolas da União Europeia” (Crédito:Divulgação)

RURAL – Outro acordo incerto é o do Mercosul e União Europeia. Um dos pontos de discordância é a questão ambiental, no momento em que o Governo Brasileiro não tem contribuído para a boa percepção do País. Qual a sua avaliação sobre a posição do bloco europeu?
RUBIO – Importante dizer que dentro da União Europeia há opiniões divergentes sobre o Brasil e sobre o Mercosul. Acompanho muito o trabalho feito pela Embrapa e outras instituições há anos para garantir o cumprimento de todas as normas requeridas. Já o bloco europeu traz regras que nenhum dos nossos países concorda como o Limite Máximo de Resíduos (LMR) que está com limites maiores do que o recomendado pelo Codex Alimentarius (FAO) e isso impacta os negócios. Estados Unidos e Brasil estão trabalhando juntos para que essas decisões sejam feitas com bases na ciência.

RURAL – Há uma insatisfação mundial com a postura do Governo com relação ao desmatamento da Amazônia. Como os EUA enxergam o problema?
RUBIO – O que posso dizer é que o produtor brasileiro cuida da terra, da produtividade e obedece ao Código Florestal. Em diversas fazendas que visitei aqui há o respeito à área destinada à preservação do bioma natural. Esse compromisso não acontece nos Estados Unidos.