No oeste de Santa Catarina, na região de Saudades, município próximo à fronteira com a Argentina, produtores agrícolas vivem um drama. Uma ação de desapropriação para formação de uma reserva indígena está em curso e pode colocar para correr cerca 110 famílias, abrangendo mais de 600 pessoas. As terras foram compradas de forma legítima, em outorgas concedidas pelo governo estadual, por meio da Companhia Sulista de Terras. Em 2000, no entanto, a história começou a mudar, quando 60 índios guaranis invadiram uma propriedade.

CONFLITO PESADO: os produtores Celito Werlang e Paulo Huf (da esq. para a dir.) dizem que farão de tudo para resistir, enquanto o cacique guarani (ao lado) diz que a terra é dos índios

Assim que entraram com a ação de reintegração de posse, os agricultores descobriram que havia uma ação de desapropriação abrangendo 40% do município. O processo, movido pela Funai, afirmava que aquelas terras foram vendidas de forma irregular pelo Estado e que, mesmo havendo boa fé dos compradores, um erro histórico havia de ser reparado. O movimento em prol dos índios ganhou o apoio da Igreja Católica local, o que fez o clima esquentar na região. Em uma audiência pública realizada pouco tempo depois, um padre da Pastoral da Fé disse diante de duas mil pessoas que aqueles agricultores desapropriados teriam prioridade no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A afirmação causou indignação e as relações entre a Igreja Católica local e os agricultores azedou a ponto de as missas naquela comunidade serem boicotadas. “Não entendemos qual o interesse da Igreja nessa história, ela não tem nada a ver com isso”, destaca Paulo Huf, vice-presidente da associação que defende os interesses dos agricultores.

“A média das propriedades aqui é de 12 hectares e não entendo a lógica de mandar embora 600 para alojar 100”, dispara. O problema, explica o pequeno agricultor, é que o governo federal pretende indenizar apenas as benfeitorias. “Eles afirmam que as terras foram vendidas de forma irregular, portanto, só podem pagar pelo que construímos”, destaca.

No entanto, para o bispo dom Manuel Francisco, responsável por aquela diocese, não há o que discutir. As terras pertencem aos índios e ponto final. “Os agricultores têm de ser indenizados, como manda a lei, mas a preferência deve ser dos verdadeiros donos daquelas terras”, afirma. Inconformados com o desenrolar dos fatos, os agricultores se cotizaram e passaram a discutir a situação na Justiça.

“Já gastamos mais de R$ 300 mil, inclusive com um estudo da Universidade de São Paulo para verificar se a região pertencia ou não aos índios”, relata Huf. Para ele, a história em curso é uma afronta ao direito à propriedade.

A documentação produzida foi suficiente para suspender os efeitos da portaria 790, assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, em 19 de abril, Dia do Índio, que autorizou a destinação daquelas terras para reforma agrária. Apesar da vitória parcial, a comunidade está alarmada e, caso a desapropriação aconteça, não será fácil remover os colonos. De acordo com Celito Werlang, líder do movimento em prol dos agricultores, não há como garantir a saída pacífica dos produtores. “São pessoas que estão aqui há mais de 60 anos e há casos em que pais, avós e até bisavós estão enterrados nessas terras”, afirma. Segundo ele, muitos proprietários já manifestaram a intenção de partir para a luta armada, caso a história siga adiante. “Somos contra a violência, mas nesse caso, em que a violência parte do Estado, não temos como controlar todos os envolvidos; são centenas de pessoas”, alerta.

O clima de tensão é motivo de preocupação até para o governador de Santa Catarina, Luis Henrique da Silveira. “Aquelas terras foram concedidas de forma legal para aqueles trabalhadores e estamos preocupados com o destino daquela gente”, revela. Segundo ele, seu governo estuda formas de auxiliar os agricultores. “A terra é deles, não tenho dúvidas”, avalia.

Mas, segundo a Funai, a desapropriação é legítima. DINHEIRO RURAL visitou a tribo. A história dos índios bate com os autos do processo movido pela Funai.

Eles afirmam ter nascido em Cunha Porá (RS), cidade próxima. De acordo com a Prefeitura de Saudades, em busca de registros de nascimento e óbito realizada em cartórios, não há indícios de índios vivendo naquela região. E eles parecem dispostos a brigar. Ao que tudo indica, o clima pode esquentar no Sul.