COLHEITADEIRA AXIAL-FLOW SÉRIE 250, CASE IH (Crédito:Divulgação)

Na jornada por uma agricultura com máquinas cada vez mais autônomas e eficientes, os Estados Unidos e Europa estão perdendo espaço para a China. Em 2020, o país asiático mostrou ao mundo o primeiro trator autônomo elétrico com células de combustível de hidrogênio e controle remoto via comunicação 5G, o ET504-H. Com a novidade, os engenheiros do Instituto Nacional de Inovação e Criação de Máquinas Agrícolas e do Instituto de Pesquisa de Equipamentos Avançados de Tianjin, da Universidade de Tsinghua, deram mais um passo em uma evolução que começou em 1973 com o lançamento do Sistema de Posicionamento Global (GPS), pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Foi essa tecnologia que abriu a porta para a possibilidade da criação de veículos autônomos. O passo decisivo para o agronegócio, porém, só aconteceu em 1994. Naquele ano, o Silsoh Research Institute, no Reino Unido, anunciou a construção de um sistema de análise de imagens para guiar um trator sem condutor projetado para ser usado em plantações de vegetais e raízes. Agora, o chinês ET504-H fortalece uma geração de máquinas que nasce alinhada com os princípios mundiais de sustentabilidade ao usar uma fonte renovável de energia. Seu abastecimento é feito com células de hidrogênio que alimentam diretamente os motores elétricos. No caso de eventualidades, uma bateria reserva de lítio intervém suplementando a carga. Um veículo sem motorista, eficiente e com benefícios ambientais; parece que o sonho do fundador da Tesla de popularizar os veículos sem condutores já está em curso, mas Elon Musk que se cuide, porque a revolução vem do campo.

No Brasil, a lei proíbe a venda de veículos 100% autônomos

Com funções que vão desde o plantio da safra, coleta de dados em tempo real, captura de fotos até o monitoramento da colheita por meio de controle remoto, essas máquinas fazem parte do relevante movimento da agricultura inteligente. Seu grande propósito é usar todo arcabouço tecnológico possível – Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial (AI) e georreferenciamento – para tornar o campo mais eficiente com a produção de mais alimentos, com menos recursos, incluindo terra, insumos e defensivos. Aqui, entram as máquinas agrícolas autônomas. “O piloto automático ajuda na correção dos erros que eram feitos antigamente: os antrópicos (resultante da ação do homem)”, disse Ricardo Inamasu, presidente do comitê gestor do Portfólio de Automação, Agricultura de Precisão e Digital da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). De acordo com a consultoria americana Markets & Markets, a agricultura inteligente movimentou US$ 13,8 bilhões em 2020, e deve crescer, em média, 9,5% ao ano até 2025. Parte deste incremento, segundo a empresa, virá das Américas, incluindo o Brasil.

Para ser um dos protagonistas desse movimento, no entanto, o País terá que corrigir algumas deficiências importantes. A questão legal é uma delas. Pela legislação atual, muito arcaica para uma sociedade que deu um salto no uso da tecnologia, nenhum tipo de veículo motorizado 100% autônomo pode ser comercializado no mercado interno. “Além desse desafio, precisamos enfrentar a ausência de conectividade em grande parte do campo e a falta de confiança nos robôs sem a presença humana”, disse Silvio Campos, diretor de marketing de produtos da Case IH na América Latina, marca da CNH Industrial. O caminho até a incorporação do maquinário topo de linha no agronegócio nacional é longo e desafiante, mas o Brasil está na direção correta: pelos critérios da Sociedade dos Engenheiros Automotivos (SAE) existem seis níveis de autonomia nos veículos e os equipamentos comercializados no Brasil chegam ao nível 3. Nesse patamar de automação condicional, como a entidade o denomina, a movimentação ocorre por conta própria e o operador só precisa assumir o controle em uma condição extrema.

“Além de não ter legislação para maquinários totalmente autônomos, há a falta de confiança nos robôs” Silvio Campos, da Case IH (Crédito:Divulgação)

PRODUTOS A CNH Industrial vive bem os dois lados da moeda. Tanto o dos avanços brasileiros, como o das limitações. A empresa, que começou a inserir a tecnologia de piloto automático em seus produtos em 2008, foi a primeira a apresentar um trator totalmente autônomo no Brasil, na Agrishow de 2017: o veículo conceito Magnum 380. Mas, sem nenhuma condição de comercializar uma máquina com os mesmos atributos por aqui, a estratégia escolhida pelo grupo italiano para avançar no mercado foi lançar uma tecnologia anterior na qual o funcionamento ainda precisa de algum tipo de controle do homem. Assim, em agosto de 2020, apresentou a colheitadeira Axial-Flow série 250 Automation AFS Harvest Command, equipamento com 16 sensores que coletam dados do sistema industrial. O comportamento da máquina é definido a partir de um software, que compara as escolhas passadas com as necessidades atuais e se adequa automaticamente. “O sistema de automação real controla nove operações da colheitadeira sem necessidade de intervenções diretas do operador. Quanto mais experiência a máquina tem, melhor ela fica”, disse Campos. De acordo com a empresa, seu uso pode gerar aumento de 15% de produtividade na lavoura de grãos, segundo testes realizados durante três anos com nove maquinários em diferentes estados e que foi finalizado na safra 2019/2020.

“O piloto automático ajuda na correção dos erros que eram feitos antigamente: os antrópicos” Ricardo Inamasu, da embrapa (Crédito:Flávio Anselmo Faria Ubiali)

Uma das primeiras lavouras a usar equipamentos sem condutor de maneira mais massiva foi a de cana-de-açúcar. No mesmo ano em que a CNH Industrial apresentou seu veículo conceito ao Brasil, a Volvo lançou um caminhão autônomo específico para o transbordo da cana, que, guiado por GPS, se alinhava sozinho à colhedora e seguia em linha reta, sem passar por cima dos brotos que ficam no solo. De lá para cá, os investimentos para atender a cultura de soja estão cada vez mais frequentes. Exemplo é a colheitadeira de grãos Série S700 da John Deere. As tecnologias embarcadas junto ao piloto automático possibilitam a colheita da safra com 17% a mais de qualidade, reduzindo perdas em até 13% e aumentando a produtividade, de acordo com a fabricante. A máquina possui duas câmeras digitais nos elevadores de grãos limpos e de retrilha – mecanismo em que os grãos que não foram limpos no processo de separação, passam por este para serem reaproveitados. O sistema capta imagens para análise de impurezas e grãos quebrados, se auto ajustando conforme necessário para manter a performance. Também conta com um centro de operações, que torna possível a análise de dados como produtividade, umidade e velocidade de colheita para uma tomada de decisão mais assertiva. As informações chegam no escritório das propriedades via tablets, computadores e celulares, reduzindo em 10% o tempo gasto em regulagens. Os comandos podem ser dados por pessoas de fora do campo, porém, não dispensa a necessidade de um operador. “Ele ainda precisa estar ali para parar a máquina numa situação de emergência, se houver algum obstáculo que não está mapeado”, disse Maurício de Menezes, gerente de conexões com o cliente da John Deere.

VANTAGENS Além de aumentar os ganhos na lavoura, os equipamentos comercializados no Brasil são de fácil manuseio. O Grupo Bom Futuro, produtor de soja, milho e algodão no Mato Grosso, foi um dos que participou dos testes realizados com a colheitadeira da Case IH. “O novo sistema acaba controlando a máquina independentemente da capacidade ou da qualificação do operador, o que se reverte em aumento de produtividade”, disse José Vengrus Zezão, diretor de mecanização do grupo. De acordo com ele, a máquina cumpriu com o esperado na colheita de soja nos 280 mil hectares, que produzem 1,3 milhão de toneladas. Mas, por questões estratégicas, não revelou o ganho de produtividade.

A usabilidade é também uma questão chave na John Deere. “O produtor se preocupa se seu funcionário conseguirá manusear o equipamento. Posso dizer que temos dispositivos para mostrar que é muito mais fácil, do que uma máquina cheia de alavancas”, afirmou Menezes. Enquanto o operador opera remotamente seus novos equipamentos, as próprias máquinas mandam dados sobre o que está acontecendo na lavoura, em tempo real, para o gestor da fazenda. Em outras palavras, mais transparência para uma gestão mais eficiente da propriedade.